Tecnologias Cada Vez Mais Acessíveis Para Reúso Da Água
Por Cristiane Rubim
Edição Nº 31 - junho/julho de 2016 - Ano 6
Setor sente falta de mão de obra qualificada e precisa ampliar debate sobre leis
Hoje, com a crise hídrica pelo qual recentemente passamos, fazer o reúso da água está cada vez mais presente no dia a dia dos brasileiros e das indústrias, que antes não conheciam a fundo este assunto, mas passaram a conviver com a necessidade de buscar alternativas para realizá-lo. O reúso da água era feito mais no exterior, pela falta de recursos hídricos que o Brasil até então tinha de sobra, e agora cresce no Brasil. Ainda estamos engatinhando e encontrando os caminhos para desenvolver a prática por meio da organização das leis, tecnologias utilizadas, aplicações onde pode ser usada, criação do hábito, entre outros. Para expandir o mercado, os fornecedores estão empenhados em oferecer tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas para torná-las mais acessíveis a seus clientes. Além da necessidade de haver maior debate sobre as leis do setor, uma das maiores restrições é a falta de mão de obra qualificada.
Atualmente, fazer reúso da água para as indústrias têm um significado econômico, social e ambiental, entre outros aspectos envolvidos. Para o engenheiro Emílio Bellini, diretor e responsável técnico da Alphenz Soluções Ambientais, hoje em dia, o reúso de água na indústria não é mais uma opção e sim uma obrigatoriedade pra quem quer crescer, principalmente em grandes centros e metrópoles onde a escassez de água é real. "Logicamente, se analisarmos o Brasil como um todo ainda temos uma realidade de abundância de água, mas devido à crise nos últimos tempos principalmente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e graças à abordagem ampla nas mídias, o país acordou para o tema, então, as indústrias estão se movimentando", aponta. Ele cita que até mesmo as regiões onde não há crise hídrica já possuem casos que a consciência socioambiental permitiu adotar práticas de reúso de água.
Hoje praticar o reúso da água, seja na indústria ou em qualquer outro segmento, significa a preocupação com o uso racional dos recursos hídricos. "Quando uma indústria deixa de consumir água de concessionária pública, colabora para a sustentabilidade do abastecimento público e o bem-estar social, já que aumenta a água disponível para o consumo humano residencial. Também ao reutilizar, reduz-se o consumo de água e a geração de efluentes, tendo impacto ambiental positivo sobre a qualidade e quantidade da água dos mananciais", avalia o engenheiro hídrico e mestre em saneamento Thiago Forteza de
Oliveira, gerente de operação da General Water.
"No último ano, com a escassez hídrica e a consequente redução no nível dos reservatórios que abastecem importantes regiões do país, a utilização da água de reúso foi uma importante ferramenta para as indústrias garantirem suas operações e produtividade", analisa Luiz Bezerra, desenvolvedor de negócios sênior da GE Water. Para ele, além de preservar água potável para o abastecimento humano, o reúso reduz o volume de esgoto descartado e a consequente degradação do meio ambiente. "Ao optar por tratar seus efluentes para reúso, a indústria torna-se menos dependente da disponibilidade de água e garante maior segurança para sua operação", indica.
"Em alguns casos, o reúso era a única alternativa possível para a utilização de água para culturas de subsistência. A crise hídrica nos grandes centros industriais gerou um novo olhar para o reúso com implicações econômicas favoráveis à implantação das tecnologias de tratamento," diz Celso Rossini, diretor técnico da WasserLink Soluções Ambientais. Com esta nova visão, houve maior disseminação sobre reúso, inclusive doméstico. "Isso possibilitou economia apreciável de captações em mananciais públicos já comprometidos em sua capacidade", relaciona.
Evolução e expansão
O conceito de reúso da água no Brasil para as indústrias evoluiu desde quando começou até hoje, principalmente diante dos problemas pelos quais passamos com a crise da água. Os fornecedores buscam tornar as tecnologias mais acessíveis para atender às necessidades e expandir o mercado. "O conceito de reúso da água ficou mais claro pela intensiva divulgação da crise hídrica, fazendo com que mais empresas, usuários finais e centros de pesquisas prestassem atenção a esta demanda, quais alternativas possíveis e custos correlatos", afirma Rossini. Para ele, infelizmente, o mercado não está aquecido pela demanda. "O que há mais é a busca de estudos de alternativas de água de reúso, sem o imediatismo de sua real implantação", conta.
Para Bellini, não há dúvidas de que, após a crise hídrica e como foi abordada e divulgada pela mídia, houve um aumento significativo das empresas que passaram a buscar práticas de reúso de água. "O tema reúso da água não é um modismo, mas uma prática necessária que tende a crescer com o tempo, tanto pelo aumento da consciência ambiental quanto pela economia gerada. Somado a essa demanda, as empresas de consultoria e fabricação de equipamentos estão cada vez mais aperfeiçoando suas tecnologias e tornando-as mais acessíveis, o que amplia ainda mais esse mercado", salienta.
A partir da crise hídrica do último ano, Bezerra entende que as indústrias brasileiras tomaram consciência, por motivos ambientais ou econômicos, sobre a importância e a necessidade da reutilização da água em seus processos. Ele diz que, durante o período de escassez hídrica, houve um aumento no número de consultas por projetos de retrofit de unidades industriais para adequá-las às novas demandas de captação e reutilização de água. "Mesmo com a melhora da situação, o mercado ainda tem se mostrado muito sensível às tecnologias disponíveis para a produção de água de reúso, o que deve manter a demanda em longo prazo. Nesse cenário, com estes diferentes tipos de tecnologias, dá-se um passo adiante para a geração de energia a partir do efluente, conceito conhecido como waste to energy", destaca.
Segundo Oliveira, com a crise hídrica na Região Sudeste em 2014, aumentou a preocupação e a busca por alternativas de uso racional da água, dentre elas, o reúso. Mas ele comenta que também medidas importantes foram tomadas em relação à revisão de processos produtivos que anteriormente consumiam maior volume de água. "O reúso deve ser uma alternativa adotada após otimização do uso da água, visando potencializar o uso racional dos recursos hídricos disponíveis. É o que recomendam os acadêmicos do setor nas literaturas técnicas do setor", explica. Ele cita como exemplo o livro "Água na indústria: uso racional e reúso", dos professores Ivanildo Hespanhol e José Carlos Mierzwa, da Escola Politécnica da USP.
Restrições
Para Oliveira, existem restrições quanto à implantação do reúso de água atualmente. "A maior restrição é a falta de mão de obra qualificada para o projeto, implantação e operação dos processos de tratamento. O know-how que se tem do assunto no Brasil é muito pequeno. É uma atividade extremamente inovadora e recente para nossa realidade. Para potencializar o reúso como forma racional de uso da água, é preciso o tratamento de efluentes por meio de processos biológicos e físico-químicos que requerem expertise operacional", adverte.
Segundo ele, é comum se deparar com situações de insucesso na indústria e em outros segmentos onde o empreendedor investiu na compra de sistemas de tratamento que não são corretamente operados e acabam inviabilizando o reúso. "Há casos onde o reúso é visto como um produto, quando, na realidade, trata-se de um processo. É importante que haja estudo, planejamento e conhecimento técnico para tornar a prática viável e atrativa para a indústria", analisa.
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Qualidade
Há diversas possibilidades de reúso da água. "Elas vão desde olhar para o processo fabril em si e analisar alternativas de redução e reutilização de água até adotar práticas de tratamento dos efluentes industriais, das águas cinzas, da água da chuva e do esgoto sanitário", especifica Bellini.
"O reúso na indústria é algo que deve ser analisado caso a caso porque há grandes diferenças entre processos produtivos nos diversos setores industriais", recomenda Oliveira. Segundo ele, os casos que não requerem tratamento são chamados de reúso em cascata. "Ocorrem quando o efluente de um processo serve como fonte de abastecimento para um outro processo seguinte. Isso é relativamente comum na indústria", salienta.
As diversas tecnologias existentes hoje, desde as convencionais até as mais modernas, para reutilização da água na indústria permitem obter uma água de reúso em vários níveis de qualidade. Vão desde sistemas de filtração simples até os processos de separação por membranas, com destaque para a microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose reversa, esta para obtenção de água de reúso desmineralizada. Há ainda os sistemas para obtenção de água de reúso de excelente qualidade, caso do MBR (Membrane BioReactor), e também para efluentes de alta carga biológica, o MBBR (Moving Bed Biofilm Reactors).
Em relação à qualidade da água, Rossini diz que todos os sistemas de tratamento permitem que se faça reúso com seus efluentes tratados. "A questão principal a ser definida e bem caracterizada é onde será utilizada, para que sejam corretamente avaliados quais os pós-tratamentos requeridos para atingir o nível de qualidade desejado da água de reúso", ressalta.
Nas últimas duas décadas, conforme Bezerra, as tecnologias MBR, por suas vantagens e melhoria no controle dos processos, apresentaram crescimento exponencial. Entre as vantagens, está a maior qualidade do efluente tratado para diferentes aplicações, como sistemas de resfriamento, processos industriais e irrigação de jardins.
Aliado ao MBR ou à ultrafiltração, em determinadas situações no setor industrial, segundo ele, o "fechamento de circuito" exige a remoção de sais dissolvidos para que a água de reúso possa ser usada com segurança dentro dos processos fabris. Para este caso, a GE Water conta com duas tecnologias: a Osmose Reversa, que, por meio de uma membrana semipermeável, separa os sais da água; e a Eletrodiálise Reversa, processo eletroquímico que utiliza membranas carregadas eletricamente para realizar a separação de íons.
Segundo Bezerra, essa tecnologia oferece vantagens interessantes quando o assunto é reúso industrial. "Pelo fato de não ser um processo de filtração, mas eletroquímico, tem maior resistência aos contaminantes de águas complexas e dispensa o uso de um pré-tratamento mais sofisticado, como ultrafiltração. Além disso, opera com maiores recuperações hidráulicas (até 94%) quando comparado à osmose reversa (entre 70% e 80%)", revela. Ele cita como exemplo as refinarias RNEST (Refinaria Abreu e Lima), Repar (Refinaria do Paraná) e Revap (Refinaria Henrique Lage), que possuem o sistema implantado.
Para reúso em sistemas de utilidades (torres de resfriamento e caldeiras), a GE Water, na maioria dos casos, possui intimidade com o processo dos clientes e não está focada apenas na oferta de equipamentos ou nas aplicações de químicos. "Por meio da união de conhecimentos, desde a produção da água de reúso até sua aplicação, a empresa oferece soluções integradas que levam em consideração a relação Capex x Opex, proporcionando ao cliente a melhor configuração entre o uso de equipamentos e controle químico", explica Bezerra.
Economia
Do ponto de vista econômico, segundo Oliveira, o reúso da água pode significar uma redução de custos da ordem de 50% ou mais quando comparado com o custo da utilização de água da concessionária pública, especialmente nas regiões metropolitanas. "Isso ocorre porque a indústria é tarifada não só pela água consumida, mas também pelo efluente gerado. Quando implementado o reúso, reduz-se tanto o consumo quanto a geração de efluentes com impacto direto no custo global do insumo água", explica. "Infelizmente, não temos casos práticos, mas algumas empresas estão com estudos avançados para economias de 20% a 50% no consumo diário de água captada", afirma Rossini.
Além da crise hídrica, com o aumento das exigências e da conscientização ambiental, as indústrias passaram a adquirir estações de tratamento de água e efluentes não só para lançamento em condições adequadas no meio ambiente, mas também visando ao reúso da água para diversos fins. Bellini explica que, em média, a cada cinco indústrias que procuram uma solução de tratamento de seus efluentes, três buscam visando ao reúso. "Essas empresas conseguem economizar quase 100% na conta de água, dependendo da reutilização, mas é importante lembrar que sempre há perdas quando se pensa em reutilização de água. Portanto, não é possível dizer que um projeto consegue 100% de economia, mas pode chegar bem próximo disso", calcula.
A viabilidade de um projeto visando ao reúso de água depende de diversos fatores. Por exemplo, os custos de investimento para a implantação do sistema de tratamento, da infraestrutura necessária e da operação e manutenção. "Depende também do preço pago pelo metro cúbico da água bruta, que pode variar muito de acordo com a região, a concessionária ou se a água utilizada é proveniente de poços artesianos ou outros meios. De qualquer forma, um projeto bem elaborado pode proporcionar um retorno de investimento pago em poucos meses e gerar uma economia de água relevante para a indústria", prevê.
Para Bezerra, é muito relativo falar em economia ou tentar traduzi-la em números genéricos, já que varia muito em função de cada processo industrial, da fonte de água utilizada e principalmente da localidade da unidade industrial. "A depender de tudo isso, há projetos nas grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, que têm pay-back de alguns meses a 2-3 anos", afirma. Em regiões fora das capitais, onde o custo da água é baixo, em muitas situações o reúso não se paga financeiramente. "Por isso, outros fatores devem ser levados em conta na equação para tomada de decisão. Nos casos onde o custo da água é baixo, somente a escassez do recurso viabiliza o projeto", aponta.
Leis
As leis sobre reúso precisam ser discutidas para regular o setor. Nesse sentido, já existem movimentos para avançar. Segundo Bezerra, há um grupo de trabalho discutindo a questão da legislação em torno do reúso industrial. Representantes da sociedade industrial, sociedade civil, universidades e empresas do setor estão apoiando o governo na redação do texto deste instrumento legal. "Entre os pontos defendidos, estão o incentivo dos Poderes Públicos Federal, Estadual e Municipal para os empreendimentos que visam à expansão ou modernização da infraestrutura necessária para promover o reúso de água e a criação de uma linha de crédito do BNDES para apoiar a aquisição de máquinas, equipamentos e acessórios para o processo de reúso", revela.
De acordo com Bellini, há hoje uma movimentação para criação de normas e leis sobre o assunto, mas é preciso avançar muito ainda nas esferas federal e estadual. No âmbito municipal, segundo ele, existem algumas leis de forma isolada que abordam sobre a obrigatoriedade para reúso de água de lavagem de veículos. "Uma boa referência hoje para quem pretende fazer reúso de água e busca alguma informação é o ‘Manual de Conservação e Reúso da Água em Edificações’, do SindusCon", recomenda. Como exemplo, no Estado de São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) adota este manual para análise e aprovação de projetos de licenciamento que visam ao reúso de água.
Já na opinião de Rossini, as leis existentes são suficientes para autorizar uma maior utilização de sistemas de água de reúso. "Entretanto, os valores de investimento e custos operacionais ainda dificultam tal implantação. Mesmo assim, está havendo queda de valores para sistemas MBR e insumos que poderão auxiliar na viabilização de novas instalações", afirma.
Apesar da ausência de legislação específica e de muitas discussões que ainda perduram no meio político e acadêmico, do ponto de vista legal, conforme Oliveira, os órgãos de controle ambiental, no Estado de São Paulo, têm incentivado as práticas de reúso. Como exemplo, em 2014, a Cetesb iniciou o processo de elaboração de um padrão de qualidade de água de reúso para diversas aplicações. "Analisando o documento disponibilizado para consulta pública naquele ano, alguns parâmetros de qualidade exigidos eram mais restritivos que na própria legislação de água potável. Ou seja, se aquele padrão fosse aprovado e regulamentado, seria proibido irrigar jardim com água potável, por exemplo. Obviamente, um contrassenso", reflete.
"Na realidade, ainda há um senso comum que domina o pensamento dos órgãos de controle que é o de buscar criar barreiras àquilo que é novo e desconhecido, o que leva ao exemplo de contrassenso citado", demonstra. Por outro lado, começa uma ruptura com o padrão. "Se analisarmos a perspectiva histórica desde a primeira década dos anos 2000, por motivos de força maior, como é o caso da crise hídrica, está havendo uma quebra de paradigmas com a evolução da mentalidade que nos remete à necessidade de adoção de práticas mais modernas de gestão de recursos hídricos, sendo o reúso uma ferramenta indispensável", conclui.
Contato das empresas:
Alphenz: www.alphenz.com.br
General Water: www.generalwater.com.br
GE Water: www.gewater.com
WasserLink: www.wasserlink.com.br