Aspectos Gerais Da Produção, Tratamento E Destinação Do Lodo Gerado No Decantador Da Eta Cubatão (Joinville/Sc)
Por Aline Regina Godinho De Oliveira
Edição Nº 49 - junho/julho de 2019 - Ano 9
As estações de tratamento de água convencionais de ciclo completo geralmente são compostas das seguintes etapas: captação, coagulação, floculação, decantação, filtração, alcalinização, cloração e fluoretação
As estações de tratamento de água convencionais de ciclo completo geralmente são compostas das seguintes etapas: captação, coagulação, floculação, decantação, filtração, alcalinização, cloração e fluoretação, (DI BERNARDO; DI BERNARDO; VOLTAN, 2011) sendo este processo também empregado na ETA Cubatão.
As unidades de decantação e filtração são produtoras de efluente. Na ETA Cubatão, o efluente dos 16 filtros ascendentes é destinado a um tanque de acúmulo e bombeado para a captação, procedimento chamado de recirculação da água de lavagem dos filtros. Já o lodo (efluente) produzido na etapa de decantação, que é o foco deste estudo, tem tratamento diferenciado conforme será abordado posteriormente.
O lodo do decantador tem suas características variantes de acordo com a natureza da água bruta e os produtos químicos aplicados nela. De modo geral os lodos são constituídos de água e sólidos suspensos. No caso da ETA Cubatão o coagulante utilizado é o sulfato de alumínio, que gera um lodo de propriedades não newtonianas e de aspecto gelatinoso, cuja fração de sólidos é composta de resíduos orgânicos, colóides de cor, partículas inorgânicas e hidróxido de alumínio (RICHTER, 2001). Na tabela 1 encontram-se valores típicos para algumas propriedades de lodo de sulfato de alumínio.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), mais especificamente com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, quase 40% das ETAs brasileiras geravam lodo em seus processos e aproximadamente 70% delas dispunham esse resíduo diretamente aos corpos hídricos, cenário que vem mudando, mas que ainda requer atenção. Os lançamentos de lodos nos rios e mananciais são prejudiciais ao meio ambiente, poluem, contaminam e causam aspectos visuais lastimáveis. O aumento da concentração de metais tóxicos, a presença de organismos patogênicos e a limitação da luminosidade do meio líquido são alguns dos impactos negativos de lançamentos indevidos de lodo em coleções de água. (DI BERNARDO; DI BERNARDO; VOLTAN, 2012).
Na ETA Cubatão o lodo vai do decantador para a ETL por meio de descargas em registros de fundo. O controle é realizado por quantidade de m3 de lodo descartado por tempo, a cada minuto do registro aberto são gerados 22m3 de lodo. Ao todo o decantador possui seis registros que aleatoriamente são abertos. Os dados são apontados em sistema informatizado próprio, e em unidade de volume, mas, para viabilizar a manipulação dos dados serão utilizadas unidades de massa. A massa específica do lodo de ETA varia de acordo com as concentrações de sólidos presentes neste, ela pode ser 1002 kg/m3 para lodos com teor de sólidos de 1%, e dificilmente terá densidade superior a 1200 kg/m3 após o processo de desidratação. (RICHTER, 2001). Para esse estudo foi adotada uma massa específica de 1001 Kg/m3. O volume de lodo gerado também é um fator variante, ainda de acordo com Richter (2001), para decantadores convencionais menos de 0,5% da produção de água é o percentual de perda que ocorre na formação do lodo.
Segundo a PNRS (2010) o lodo de ETA é classificado como resíduo sólido e deve ter tratamento e destinação adequados, sendo que o seu lançamento e/ou disposição in natura é proibido. Anexa a ETA Cubatão há uma estação de tratamento de lodo que faz o processo de desidratação antes que ele seja enviado ao aterro industrial, ressaltando que a prática de destinar o lodo desidratado ao aterro industrial ocorre devido a classificação que este recebe pela NBR 10004 (2004), e certificada por resíduo classe IIA, não perigoso e não inerte. Os ensaios de lixiviação e solubilização foram realizados por laboratório contratado pela CAJ e seus resultados estão registrados em laudos técnicos.
De acordo com Richter (2001), os processos de desidratação do lodo são necessários para facilitar o transporte,reduzir o volume e garantir uma maior concentração de sólidos, o que influencia diretamente em processos como filtros e prensas. A água presente no lodo se apresenta de três formas: água livre, água capilar e ligação química.
No caso da CAJ a água removida é a água livre à água capilar, pois a remoção da água de ligação é mais morosa. De forma geral a desidratação do lodo pode ser compreendida como uma separação sólido líquido.
A ETL da CAJ é composta por tanque de equalização, adensador, tanque de lodo e de duas prensas desaguadoras, além de conjunto de bombas e preparadoras de solução de polieletrólito. Como anteriormente citado, a desidratação do lodo é uma separação sólido líquido, que na ETL ocorre em duas etapas, sendo a primeira delas o adensamento e a segunda o deságue.
O adensamento pode ser por gravidade ou por flotação (RICHTER, 2001), no caso da ETL da CAJ o processo é por gravidade com auxílio de polieletrólito. Na prática é adicionado o polieletrólito ao resíduo proveniente da ETA
em concentração e dosagem adequada para formação de flocos mais densos, assim por ação da gravidade os flocos ficarão retidos no fundo do tanque enquanto na parte superior será obtida água recuperada (DI BERNARDO; DI BERNARDO; VOLTAN, 2011). O lodo concentrado retirado do fundo do tanque de adensamento é enviado ao tanque de lodo, que nada mais é do que um tanque de espera e equalização de vazão. A água recuperada é destinada ao rio e periodicamente são analisadas suas propriedades, conforme disponível na tabela 2, o que tem por objetivo avaliar a qualidade da água que está retornando ao meio ambiente.
A etapa de deságue ocorre em prensa desaguadora tipo parafuso, que tem seu esquema de tratamento demonstrado de forma simplificada na figura 1. Antes de entrar na prensa o lodo é novamente coagulado com polieletrólito e dentro do equipamento passa por três etapas: concentração, filtração e prensa, obtendo então um lodo de aspecto argiloso, como demonstrado na figura 2a, com 20% de sólidos em média. O lodo desidratado é recolhido em caçambas (figura 2b).
Segundo Richter (2001) escolher a destinação final do lodo é uma tarefa difícil, pois envolve alto custo, restrições quanto ao meio ambiente, além da necessidade de respeitar a legislação de acordo com a classificação do resíduo.
O autor cita alguns métodos de destinação final: lançamento e cursos de água, lançamento no mar, lançamento em rede de esgoto, lagoas, aplicação no solo e aterro sanitário.
De acordo com Di bernardo; Voltan, (2012), nos últimos anos pesquisas para o aproveitamento dos resíduos de ETAs tem encontrado diferentes soluções, como: fabricação de tijolo, cultivo de grama, recuperação de coagulante, remoção de fósforo de efluente de ETE (estações de tratamento de esgoto), melhoria da sedimentação de água de baixa turbidez em ETAs de ciclo completo e fabricação de concreto, cimento e artefatos de cimento. Os autores mencionam que a destinação final do lodo tem se apresentado como o principal desafio da área, visto que as tecnologias de tratamento do lodo já estão bem avançadas. Na CAJ o lodo coletado nas caçambas é encaminhado via terrestre até o aterro da Catarinense Engenharia Ambiental, situado na cidade de Joinville.
Metodologia
Este estudo tem caráter descritivo e contou inicialmente com pesquisa bibliográfica a respeito de resíduos sólidos de estações de tratamento de água e também pesquisa documental, junto a CAJ, sobre geração, tratamento e destinação do resíduo gerado no decantador da ETA Cubatão no ano de 2017. Os dados coletados foram organizados em tabelas e gráficos para uma melhor e mais rápida compreensão dos resultados. A partir dos resultados obtidos foi possível avaliar a situação da empresa frente aos aspectos exigidos pela legislação vigente e concluir sobre a atual situação da CAJ no que diz respeito a este tema.
Resultados e discussões
Os dados apresentados nesse tópico correspondem a geração de lodo no decantador da ETA e na ETL de janeiro de 2017 a dezembro de 2017, demonstra ainda, o quantitativo de água recuperada e a eficiência do tratamento de lodo da CAJ. Na tabela 3 estão expostas as quantidades de lodo gerado no decantador da ETA Cubatão.
O lodo gerado no decantador da estação representa, em média, 0,44% da produção de água potável, como demonstrado na equação 1, valor que está dentro do esperado, de acordo com a literatura, isto se deve a qualidade da água bruta do rio Cubatão combinado ao correto emprego do coagulante.
Ao observar a figura 3, é possível entender que a produção do lodo é variável durante os meses do ano, e tende a ser maior nas épocas de chuvas quando as propriedades da água bruta são piores com relação a turbidez e cor. O ideal para analisar a sazonalidade da geração do lodo é obter dados de pelo menos três anos consecutivos.
Após o processo de deságue realizado da ETL o lodo é encaminhado ao aterro, na tabela 4 encontram-se as quantidades mensais de lodo que foi enviado pela CAJ ao aterro industrial no ano de 2017.
Do mesmo modo que na geração de lodo na ETA a produção de lodo na ETL varia ao longo dos meses, porém em menores proporções, o que fica evidente na figura 4.
A figura 5 demonstra, em consórcio, a massa de lodo que chega a ETL (vinda do decantador) e a massa de lodo desidratado que sai da ETL para o aterro. Pode-se observar que ambas variáveis alteram semelhantemente, levando em conta que após a saída do lodo do decantador até que este se torne lodo desidratado e pronto para seguir para o aterro, podem decorrer alguns dias ou até semanas.
É possível calcular mensalmente qual percentual do lodo que chegou a ETL tornou-se lodo desidratado, sendo que quanto menor este percentual melhor a eficiência da desidratação. Conforme demonstrado na tabela 5 o melhor mês do ano de 2017 foi agosto com 0,74% seguido de novembro com 1,01% e os piores meses foram junho e julho com 3,28% e 2,05% respectivamente.
No processo de adensamento o lodo é concentrado e água livre é obtida, sendo essa água chamada de água recuperada que tem propriedades adequadas para o descarte no rio. A massa total de água recuperada no ano em análise foi de 217.812 ton, valor calculado pela equação 2:
A eficiência da remoção de água alcançou o valor de 98,6%, conforme pode ser observado na equação 3:
A eficiência alcançada na redução do volume de lodo a ser destinado é excelente e adequada às expectativas da CAJ. Pode-se a partir dos dados obtidos calcular o percentual que a água recuperada representa na produção de água potável. Considerando a massa específica da água 1000 Kg/m3, em 2017 foram 217.812 m3 de água recuperada, o que distribuindo igualmente por 365 dias, obtêm-se o valor de 596,7 m3 por dia. Em média a ETA
Cubatão produz 138.240 m3 por dia, toda água recuperada da ETL representa aproximadamente 0,4% da produção diária da ETA, como demonstrado na equação 4:
Analisando o percentual que a água recuperada da ETL representa na produção diária da ETA é possível afirmar que há condições de deixar de enviar esse até então resíduo ao rio, e encaminhá-lo à captação, visto que é pouco representativo em termos de volume, mas, ressalva-se a necessidade de estudar os impactos que esta manobra acarretará na estação de modo geral.
Atualmente o transporte e destinação do lodo ocorrem diariamente, com exceções de domingos e feriados, custando para a empresa cerca de R$ 40.000,00 mensais. Esse valor ainda pode ser reduzido ao até mesmo extinguido levando em conta uma possível utilização do lodo desidratado, como por exemplo, na fabricação de materiais para construção civil e/ou material para calçamento.
A viabilidade da reutilização do lodo para estes fins está sendo estuda atualmente pela CAJ, no ano de 2017 em parceira com uma universidade, foi desenvolvido uma argamassa geopolimérica com diversos percentuais de lodo em seu teor. A figura 6a exibe uma amostra de argamassa geopolimérica com adição de lodo. Nessa pesquisa o lodo foi testado tanto como substituinte, tanto como agregado, e os resultados obtidos foram satisfatórios, podendo esse material ser reutilizado pela empresa. A única questão a ser adequada com relação a essa reutilização, é que o estudo utilizou o lodo seco em estufa, o que na atual condição da empresa não é possível, exceto se ocorrer a compra de secadores, bem como viabilizar uma maneira de atender a demanda energética desses equipamentos de forma consistente e sustentável.
Outros estudos, também em parcerias com universidades, estão sendo desenvolvidos. Em um deles o lodo em seu estado natural (sem secagem) é empregado na fabricação de argamassa e concreto, sendo adicionado na formulação em substituição de parte da areia e da água da matriz. Os resultados preliminares se mostraram muito positivos e ensaios posteriores poderão determinar o uso correto do material em estudo. A figura 7b ilustra o concreto com adição de lodo.
Já em outro projeto também se avalia a substituição da areia na matriz cimentícia, porém além de avaliar a substituição com o lodo em seu estado natural, busca-se pesquisar o comportamento do concreto com a adição de lodo calcinado em sua fórmula, ou seja, o lodo depois de ter sido seco por 12h a 100° C em estufa e calcinado por 3h a 900° C em mufla. Ainda não foram obtidos resultados deste projeto.
Conclusão
A Companhia Águas de Joinville na sua unidade ETA Cubatão, gera em seu decantador um efluente (lodo) com propriedades esperadas e em volumes adequados, o que sugere que o tratamento da água bruta é realizado corretamente. O lodo é destinado a uma estação de tratamento própria, ação que atende perfeitamente a PNRS.
O resíduo enviado a ETL é tratado de forma a reduzir ao máximo a água contida nele, assim minimizando custos com transporte e destinação final (aterro industrial). Com relação às ações tomadas na ETL também se pode concluir que estão corretas, em vista a alta eficiência que a unidade possui.
A respeito da destinação final do lodo desidratado a atividade de acomodá-lo em aterro não fere a legislação, porém a PNRS prioriza, além da redução, o reúso dos resíduos, assim a possibilidade de empregar o lodo na fabricação de materiais de construção é muito bem-vinda e atenderia ainda mais as diretrizes da PNRS, fato que tem atenção da empresa e recebe incentivo para seu desenvolvimento. Vale ressaltar a probabilidade de encaminhar a água recuperada na ETL novamente a captação da ETA, sendo necessário elaborar previamente um estudo de impacto dessa ação.
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Referências bibliográficas:
1. ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 10004 - Resíduos Sólidos – Classificação, 2004.
2. BRASIL, Lei Nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Congresso Nacional, Brasília, DF, 2010.
3. BRITO, G. F., CHOI, V. P., ALMEIDA DE, A. (Org.). Manual ABNT: regras gerais de estilo e formatação de trabalhos acadêmicos. 4ed. São Paulo, 2014.
4. CAJ – Companhia Águas de Joinville. Certificados de Análises. Joinville, 2017.
5. CAJ – Companhia Águas de Joinville. Arquivo. Joinville, 2018.
6. DI BERNARDO, L., DANTAS, A. D., VOLTAN, P. E. N.. Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água. São Carlos: LDiBe, 2011.
7. DI BERNARDO, L., DANTAS, A. D., VOLTAN, P. E. N.. Métodos e técnicas de tratamento e disposição dos resíduos gerados em estações de tratamento de água. São Carlos: LDiBe, 2012.
8. Etapas do tratamento de água. Disponível em:<http://server.pelotas.com.br/sanep/tratamento>. Acesso em: mar. 2018.
9. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro, RJ, 2010.
10. RICHTER, C. A.. Tratamento de lodos de estações de tratamento de água. São Paulo: Blucher, 2001.