Dessalinização: O Futuro Do Abastecimento De Água Mundial
Por Suzana Sakai
Edição Nº 34 - dezembro/janeiro de 2017 - Ano 6
Mais de 300 milhões de pessoas usam água dessalinizada como fonte primária de água potável
Parece irônico, mas a terra, que sempre foi conhecida como planeta azul por desfrutar de água em abundância (71% do planeta é composto pelo líquido), vivencia hoje uma fase de escassez hídrica. Isso porque, além do aumento da população e da má gestão dos recursos, 97,5% da água disponível no planeta é oriunda dos mares e oceanos.
Segundo o relatório Progress on Sanitation and Drinking-Water da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), publicado em 2015, 633 milhões de pessoas no mundo não possuem acesso a uma fonte de água potável. E se nada for feito, a tendência é um cenário ainda pior. De acordo com as estimativas do relatório, 40% da população mundial estarão vivendo em áreas com pouco acesso à água até 2050.
Neste contexto, um procedimento conhecido desde a antiguidade e utilizado de forma mais industrializada desde o final do século 19, tem se apresentado como a solução mais viável para combater a escassez hídrica em todo o mundo: a dessalinização.
Segundo Henrique Braiti de Souza, supervisor de desenvolvimento de Negócios – O&G da Parker, atualmente pesquisas apontam que o Brasil, por não administrar de forma adequada seus recursos hídricos, poderá sofrer com a falta de água nos próximos anos e a indústria por exemplo, poderá adotar a dessalinização para o abastecimento de seus sistemas, deixando para a população a água proveniente dos rios.
"No futuro, o reúso de água e a dessalinização vão ser parte de todo o sistema de abastecimento. O uso da água cresceu tanto que não existe mais água. A única forma realista para continuarmos obtendo água é o reúso ou dessalinizar", afirma o presidente da Associação Internacional de Dessalinização (IDA) e diretor da Toray, Dr. Emilio Gabbrielli.
Dessalinização
Como explica Henrique Braiti da Parker, a dessalinização é um processo físico-químico no tratamento da água, que tem como objetivo retirar os sais minerais dissolvidos presentes na água, com a finalidade de se obter uma água com baixo ou nenhum teor de sais, podendo ela ser utilizada para consumo humano ou para uso na indústria em geral como: caldeiras de baixa e alta pressão, formulação de bebidas, alimentos e produtos farmacêuticos, utilização em sanitários, água para banho, limpeza de embarcações e plataformas, irrigação de área agrícola e entre muitos outros. O método é comum em países desérticos ou com pouca disponibilidade de água potável, como no Oriente Médio e na África. No entanto, o seu uso não se restringe a esses locais e já está bastante difundido em todo o mundo. Segundo a Associação Internacional de Dessalinização, o tratamento já é utilizado em 150 países, como Austrália, Estados Unidos, Espanha e Japão. Além disso, mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo usam água dessalinizada como fonte primária de água potável.
Atualmente, as duas tecnologias mais utilizadas para a dessalinização são a Evaporação e a Osmose Reversa. Na Evaporação, como o próprio nome já diz, o sal é retirado da água por meio do processo de evaporação. A água salgada é colocada em equipamentos especificamente desenhados e o calor produzido por uma fonte energética (seja um combustível não renovável como petróleo ou renovável como a luz solar) faz com que o líquido evapore. O vapor da água passa por um resfriamento e se converte em líquido por condensação. Já a Osmose Reversa utiliza as membranas para criarem uma barreira física para eliminarem o sal e outras substâncias da água. "As membranas de Osmose Reversa são feitas de diversas camadas densas de polímeros e são semipermeáveis, o que significa que permitem a passagem da água, mas não dos sais dissolvidos nela. Para a água passar pela membrana, é necessário uma elevada pressão, que é fornecida por meio da utilização de bombas de alta pressão", explica Emílio Bellini Neto, diretor operacional da Alphenz.
"A vantagem desse sistema é que ele permite a obtenção de uma água de elevada pureza, com baixo teor de sólidos dissolvidos, de forma mais econômica que outros meios como a destilação, por exemplo, entre outras formas, que seriam necessárias para obter uma água de mesma qualidade", afirma o diretor da Alphenz.
Entretanto, é preciso lembrar que num sistema de dessalinização há sempre uma corrente de água dessalinizada, chamada de permeado, e outra corrente de água com alta concentração de sais, chamada de concentrado ou rejeito. "Além disso, é sempre preciso um pré-tratamento adequado com escalas de filtração (areia, cartucho, ultrafiltração, etc.) antes de passar por um sistema de dessalinização, para evitar o entupimento deste, além de cuidados na operação do sistema devido à fragilidade das membranas, de forma a aumentar a vida útil destas membranas, que podem durar até 6 anos", indica Bellini.
Entre as tecnologias disponíveis, a Osmose Reversa é considerada como a mais eficaz e econômica. "Nas grandes plantas é comumente utilizada a Osmose Reversa, principalmente pela questão energética. Nos próximos, 10, 20 anos, a Osmose Reversa será o sistema mais utilizado para a dessalinização", ressalta Gabbrielli.
A dessalinização é um sistema extremamente seguro por criar uma barreira física contra os microrganismos. Entretanto, é preciso lembrar que quando se trata de água para fins potáveis, é sempre importante que se tenha um teor de sais minerais. Isso porque uma água totalmente isenta de sais minerais também não é ideal para a ingestão, pois ocorre o problema de desnutrir o organismo, ou seja, a água isenta de sais "rouba" os sais minerais presentes no organismo. "Além disso, é necessário lembrar que todo sistema de desmineralização por osmose reversa sempre possui uma corrente de água permeada (ou filtrada) e uma corrente de água concentrada (ou rejeito), e é necessário saber o que fazer com o rejeito, pois este pode contaminar o meio ambiente. Portanto, um projeto de sistema de dessanilização tem sempre que levar em conta diversos fatores em consideração para obtenção do sucesso na implantação", explica Bellini Neto.
Em linha com os demais entrevistados Henrique Braiti da Parker comenta, "A osmose inversa ou reversa tem se popularizado devido ao seu baixo custo de operação se comparado com as outras tecnologias, como por exemplo o processo por eletro diálise e o processo por destilação, que comparados com a tecnologia de osmose reversa possuem custos superiores a 10x maiores.
As membranas de osmose reversa em geral são formadas por conjuntos de membranas semipermeáveis, geralmente de poliamidas com polissulfona enroladas em forma de espiral, possibilitando assim uma maior área de filtragem A superfície da membrana possui poros entre 0,0005 a 0,0002 mícron e sua eficiência de filtração está entre 50 e 99%." Henrique da Parker alerta ainda sobre a responsabilidade ambiental. "A destinação ambientalmente correta dos rejeitos do processo de dessalinização é um dos desafios enfrentados, isso se deve porque a osmose reversa gera como rejeito água com alto teor de salinidade, e está sendo utilizada inapropriadamente para irrigação de lavouras ou no descarte direto no solo, aumentando a sua salinidade e pode agravar o processo de desertificação nas regiões mais secas."
No mundo
A dessalinização já era utilizada por soldados da Segunda Guerra Mundial e sua utilização tem se expandido nas últimas décadas. O uso da dessalinização tem crescido a um ritmo de 15% ao ano.
Hoje, 150 países já usam a dessalinização como alternativa para obter água potável, sendo 45% da água dessalinizada do mundo produzida na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Catar, Barein e Omã. Nestes países, mais de 90% da água desses países é obtida pela dessalinização.
Em todo o mundo existem aproximadamente 17 mil usinas de dessalinização, que garantem a 300 milhões de pessoas o acesso à água potável.
Uma das maiores usinas dessalinizadoras do planeta está na cidade de Tel Aviv, localizada em Israel. A usina produz 624.000 m³
por dia de água doce, o que representa 7,23 m³/s, suficientes para abastecer uma cidade com população de mais de 2 milhões de habitante
No Brasil
Segundo Henrique Braiti da Parker, a utilização de sistemas de dessalinização no Brasil tem se popularizado muito impulsionada pela grande demanda do mercado de óleo & gás nos últimos anos. Atualmente a tecnologia tem se disseminado no Brasil e o sistema tem grande potencial para todos os estados, principalmente voltado para as regiões que possuem grande escassez de água, além de toda a costa brasileira, suprindo assim a demanda de água potável para estas regiões. A expansão dos sistemas de dessalinização ainda se esbarra no preço de aquisição dos equipamentos e devido à grande abundância de água doce no Brasil, porém os aparelhos de osmose reversa ou inversa vem ganhando espaço em nosso pais.
No Brasil, o Programa Água Doce (PAD), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), investe em sistemas de dessalinização de água salobre para oferecer água com qualidade a populações de baixa renda em comunidades do semiárido. Hoje, o PAD está presente em 10 estados brasileiros, sendo eles Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará, Paraíba, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Piauí e Pernambuco.
O programa atende todo o Nordeste e o norte de Minas Gerais, onde a disponibilidade hídrica é baixa e a salinidade das águas subterrâneas é elevada. Apesar de a iniciativa federal contemplar apenas essas regiões, a dessalinização já é bem difundida em todo o país e bastante utilizada pela indústria. "O Brasil é um dos maiores utilizadores da dessalinização, sendo o maior utilizador da região a Petrobrás, na produção de petróleo. O Brasil está muito avançado no setor industrial, porém um pouco atrasado no uso municipal", alega Gabbrielli.
Além da indústria, atualmente já se utiliza processos de dessalinização como complemento de sistemas de tratamento de esgoto sanitário a fim de se obter água para reúso industrial.
Embora o PAD esteja presente predominantemente no Nordeste do país, todos os estados brasileiros estão aptos a implantar um sistema de dessalinização. "O importante é que se conheça a água bruta a ser tratada em termos de qualidade. Para isso é necessário realizar análises da água, e também definir critérios de projeto para obtenção de um sistema adequado, que nem sempre é composto apenas pelo dessalinizador, mas também por séries de filtração previamente ao sistema de desmineralização. Sendo assim, como essas membranas de osmose reversa para desmineralização, bem como as membranas de ultrafiltração, são importadas, pois não há fabricante nacional, o custo em alguns casos ainda é alto, inviabilizando a implantação, embora esse custo tenha reduzido com os anos. Então a viabilidade também está suscetível à variação cambial", diz o diretor da Alphenz.
O Brasil conta com apenas uma usina de dessalinização de água de mar para uso potável, que está localizada em Fernando Noronha. A usina produz 650 m³ de água por dia e 100% do líquido produzido na usina é consumida pela população da ilha.
Mercado
Apesar das dificuldades econômicas, o cenário é favorável para a expansão dos sistemas de dessalinização. "Devido ao aumento da consciência a nível mundial sobre a importância da água, bem como o aumento da contaminação das águas, o que a tem tornado um recurso escasso em muitas regiões no Brasil e no mundo inteiro, o conceito de tratamento e dessanilização ou desmineralização da água tem se difundido consideravelmente, bem como ampliado de forma significativa a demanda por esses sistemas. Com isso, o custo de implantação tem reduzido de forma significativa, tornando favorável a utilização em muitos casos. Portanto há um cenário bastante promissor no que se refere aos sistemas de dessanilização ou desmineralização", analisa Bellini.
Outros mercados petenciais para a dessalinização é citado por Henrique Braiti da Parker "Sua utilização é muito frequente para o mercado de óleo e gás, no qual as plataformas e embarcações necessita prover água potável para sua tripulação como: para realização de banhos, preparo de alimentos, limpeza em geral das embarcações e etc. Porém sua utilização não fica limitada ao mercado de óleo e gás, temos aplicação para irrigação agrícolas, no qual necessita de irrigação com baixo teor de sal como por exemplo o cultivo de abacate, alimentação de caldeiras evitando assim perda de eficiência ocasionada pela incrustação dos sais nas tubulações que prejudica a troca de calor além de muitas outras aplicações. Apesar do Brasil possuir água doce em abundância, os sistemas de dessalinização vêm para ajudar a levar água potável para muitas regiões do país que ainda sofrem com a baixa qualidade da água, sendo ela provida de poços ou mesmo pela água do mar", e complementa "Com a crescente demanda de água potável em todo o mundo, a tecnologia de dessalinização tende a se expandir. Atualmente 70% da água doce é consumida para irrigação de lavouras e consumo agropecuário, segmentos que tendem a crescer drasticamente para atender ao crescente aumento da população ao redor do mundo. Estes fatores levam a um futuro promissor da tecnologia", finaliza Henrique.
Gabbrielli lembra que com o uso crescente da água o recurso se torna cada vez mais escasso e que a única forma realista para continuar a obter o líquido é utilizando os processos de reúso ou dessalinizar. Na opinião dele, a dessalinização é o futuro e a principal barreira para a expansão desse sistema é a falta de legislação. "Precisamos de uma decisão política, mas isso é questão de tempo", afirma.
Contato das empresas:
Alphenz: www.grupoalphenz.com.br
Toray: www.toray.com
Parker: www.parker.com.br
Veja o vídeo especial da expedição oriente e o uso de Sistema de Dessalinização de Água da Parker. |