O Futuro Do Saneamento Na Valorização Do Esgoto
Por Gustavo Rafael Collere Possetti E Glauco Machado Requião
Edição Nº 43 - junho/julho de 2018 - Ano 8
É evidente que o setor de saneamento brasileiro tem sido cada vez mais demandado pela sociedade para aprimorar seus mecanismos de atuação, sendo convocado a contribuir significativamente para a melhoria das condições ambientais
É evidente que o setor de saneamento brasileiro tem sido cada vez mais demandado pela sociedade para aprimorar seus mecanismos de atuação, sendo convocado a contribuir significativamente para a melhoria das condições ambientais. Isso tem motivado os prestadores de serviços de saneamento a refletir sobre seus planejamentos estratégicos, fazendo-os assumir a postura de empresas inovadoras aptas a prestar serviços ambientais.
Esse papel torna-se ainda mais relevante em um cenário global de mudanças climáticas e de escassez hídrica, energética e de nutrientes, exigindo que as ações correntes sejam executadas de acordo com os requisitos legais atuais, porém em conformidade também com as demandas do futuro. Essas perspectivas, normalmente, não são contempladas nas estratégias de universalização dos serviços de esgotamento sanitário, porém são fundamentais para a perenidade dos modelos de negócios inerentes aos serviços de saneamento ambiental no Brasil.
Nesse contexto, surgem as estações sustentáveis de tratamento de esgoto (ETEs sustentáveis): instalações sanitárias capazes de transformar o esgoto em recursos que gerem valor para a sociedade, de forma sistemática, integrada e sustentável.
Nas ETEs sustentáveis o foco está na valorização do esgoto e, consequentemente, nos produtos e benefícios inerentes ao processo, atualizando a compreensão acerca do papel dos sistemas de esgotamento sanitário e tornando-os viáveis no âmbito de uma economia circular. A aplicação desse conceito exige uma percepção holística em torno da bacia hidrográfica, contemplando desde a geração do esgoto até a cadeia de recuperação de recursos.
As ETEs sustentáveis representam, portanto, uma quebra de paradigma para o setor de saneamento, uma vez que as estações convencionais consideram o esgoto apenas como um resíduo descartável a partir do qual precisam ser removidos poluentes e contaminantes antes de sua destinação final. Essa abordagem tradicional pressupõe sucessivas operações unitárias que depuram o esgoto até que suas propriedades possam atingir padrões aceitáveis de lançamento em corpos hídricos. Isso é complementar à coleta do esgoto e inegavelmente importante do ponto de vista ambiental e sanitário.
Contudo, não se pode negligenciar que o esgoto é convertido em subprodutos sólidos, líquidos e gasosos ao longo de seu processamento, os quais precisam ser devidamente gerenciados, preferencialmente, de forma integrada, com o intuito de reduzir os impactos sobre o solo, a atmosfera e os corpos hídricos. Além disso, esses subprodutos podem ser utilizados como fonte alternativa de água, bem como possuem potencial de recuperação de energia e de nutrientes. Há quem aponte também que o esgoto pode proporcionar produtos com elevado valor de mercado, tais como biopolímeros, fertilizantes e metais.
Por isso, a Water Environment Federation (WEF), renomada instituição internacional ligada ao setor de saneamento ambiental, recomenda, desde 2012, a substituição do termo "estação de tratamento de esgoto" (wastewater treatment plant) por "unidade de recuperação de recursos provenientes da água" (water resource recovery facility), cuja tradução mais conveniente para o português converge com a definição da ETE sustentável.
Assim, a ETE sustentável está alinhada com o conceito do berço ao berço (cradle-to-cradle), que inspira a criação de um sistema produtivo circular, no qual o esgoto é um recurso necessário para ciclos contínuos ao invés de ser considerado um resíduo descartável. Estudos relatam, por exemplo, que aproximadamente 20% do nitrogênio e do fósforo manufaturados no mundo estão presentes no esgoto doméstico e que a energia química proveniente do processamento do esgoto é equivalente a 4% do consumo de energia elétrica mundial.
Estimativas realizadas pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em ETEs Sustentáveis apontam que a valorização do esgoto no Brasil poderia contribuir anualmente com pelo menos 11 bilhões de metros cúbicos de água de reúso, 7 TWh de energia proveniente do biogás, 485 mil toneladas de nitrogênio, 60 mil toneladas de fósforo e 715 mil toneladas de enxofre.
O reconhecimento desse potencial de recuperação de recursos e a implementação de ações de valorização do esgoto são fatores que podem fazer a diferença no escopo de ações voltadas para a universalização sustentável dos serviços de esgotamento sanitário no país. É fato que há barreiras em nível tecnológico, financeiro e de governança a serem superadas pelos atores envolvidos com a causa do saneamento. Isso, no entanto, serve de estímulo para que projetos inovadores sejam desenvolvidos e para que o setor busque atualização contínua, objetivando até mesmo atrair novas fontes de investimento. As oportunidades inerentes à valorização do esgoto e as recentes e bem sucedidas experiências internacionais registradas na América do Norte, Europa e Ásia sugerem que as ETEs sustentáveis são imperativas e representam o futuro do saneamento ambiental brasileiro.
Gustavo Rafael Collere Possetti
Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Sanepar
Glauco Machado Requião
Diretor de Meio Ambiente da Sanepar e criador da plataforma Postura Sustentável