Cafeína na água
Por Dr. Luciano Peske Ceron
Edição Nº 9 - outubro/novembro de 2012 - Ano 2
Substância isolada não traz risco, mas é considerada por cientistas indicador de contaminação
Um estudo realizado em 16 capitais brasileiras colocou Porto Alegre na liderança de um ranking indesejado. A água tratada que chega à casa dos porto-alegrenses registra a maior concentração de cafeína do país. De forma isolada, a substância existe no café e no chimarrão não é prejudicial à saúde, mas os níveis detectados (centenas de nanogramas por litro) significa, segundo os pesquisadores, que o manancial usado está comprometido pela poluição e que a água oferecida para consumo tem alta probabilidade de conter contaminantes potencialmente perigosos.
A contaminação está em uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas, que fica na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), em parceria com a UNB (Universidade de Brasília), Universidade Estadual do Norte Fluminense e as federais de Pernambuco, Paraíba e Paraná.
As coletas foram feitas no ano passado. Na capital gaúcha, foram coletadas três amostras em imóveis que são abastecidos pelas estações Moinhos de Vento, Menino Deus e São João do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos). O índice por capital não foi informado pelos pesquisadores sob a alegação de que a pesquisa fará parte de uma tese de doutoramento, que exige dados inéditos. Atrás de Porto Alegre vem São Paulo.
A cafeína é um composto químico de fórmula C8H10N4O2, conforme a figura abaixo, classificado como alcaloide do grupo das xantinas e designado quimicamente como 1,3,7-trimetilxantina. Além de atuar sobre o sistema nervoso central, aumenta a produção do suco gástrico, decorrente da alteração metabólica pela mesma. Devido ao estímulo do sistema nervoso, a cafeína favorece o estado de alerta. Em excesso, a cafeína pode ocasionar alguns sintomas como irritabilidade, agitação, ansiedade, dor de cabeça e insônia.
Nos últimos anos, descobriu-se que a presença de cafeína está associada à contaminação por mais de 500 substâncias sobre as quais ainda não existe legislação. Um bom sistema de tratamento de esgoto remove 95% da cafeína despejada pela população. Boa parte do que resiste a esse processo é eliminado depois, quando a água é processada para consumo humano. Mas se o esgoto não é tratado, a cafeína chega à água tratada. Com ela, vêm hormônios (a maior parte eliminados na urina e nas fezes de mulheres que usam pílulas anticoncepcionais), atrazina (um herbicida), fenolftaleína (laxante) e triclosan (bactericida presente em sabonetes, desodorantes e enxaguatórios bucais).
Os resultados do estudo confirmam que as estações de tratamento existentes no país não conseguem eliminar todos os contaminantes. Os mananciais se degradam num ritmo muito rápido por conta do esgoto, enquanto o tratamento de água é feito de modo secular. Já existem tecnologias para remover essas substâncias, mas custam muito caro.
Por trás da liderança da capital no ranking da presença de cafeína pode estar o hábito gaúcho de tomar chimarrão quase todos os dias. Porto Alegre pode ter valores elevados, maiores até do que São Paulo, que é uma cidade muito maior, pelo grande consumo de chimarrão. Nos Estados Unidos, por exemplo, 75% da cafeína presente na água tratada vêm do café.
O DMAE informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não há como avaliar tecnicamente a pesquisa, pois ainda não está concluída. De qualquer forma, o departamento destacou que o Ministério da Saúde, por meio da portaria 2.914, publicada em dezembro de 2011, não estabelece limites para concentração de cafeína na água. O plano de monitoramento na cidade corresponde a 288 pontos distribuídos em todas as regiões.
O compromisso das concessionárias não é só atender à portaria que reza sobre a potabilidade da água, mas zelar pela saúde da população. A água fornecida tem componentes que ainda não são proibidos, mas que não deveriam estar lá. Temos de trabalhar para mudar a legislação e para rever o conceito de tratamento de água.
Considerações finais
A ciência despertou há pouco tempo para problemas dos contaminantes emergentes. Um dos brasileiros que investigam o tema é o professor Ricardo Luvizotto Santos, do curso de oceanografia da Universidade Federal do Maranhão. Ele estudou o efeito que hormônios femininos como o estrógeno, que chegam aos rios pelo esgoto, têm em populações de peixes. Em um dos trabalhos, cultivou peixes em água retirada do Rio Monjolinho, em São Paulo (SP). Em outro, coletou tilápias do Rio Bacanga, de São Luís (MA). Nos dois casos, descobriu que os machos passaram a produzir proteínas tipicamente femininas.
Até o momento, não há estudos que indiquem os efeitos do consumo da água com substâncias contaminantes para humanos. Em organismos aquáticos, já há registros de feminilização de peixes, alteração de desenvolvimento de moluscos e anfíbios e decréscimo de fertilidade de aves.
Dr. Luciano Peske Ceron
Doutor em Engenharia de Materiais/PUCRS (Meio Ambiente/Filtração), Mestre em Engenharia de Materiais/PUCRS (Polímeros/Nãotecidos), Engenheiro Químico/PUCRS, Especialista em Gestão Ambiental/GAMA FILHO, Especialista em Gestão Empresarial/UFRGS.
Tel.: 51 9972 6534
E-mail: Ceron.Luciano@gmail.com