O custo da água: do esgosto ás torneiras
Por Dr. Luciano Peske Ceron
Edição Nº 8 - agosto/setembro de 2012 - Ano 2
A cada segundo, a população de Porto Alegre despeja 3 mil litros de esgoto no Guaíba e no Rio Gravataí. No final de um dia, a imundície que a cidade transferiu para o manancial está na casa de centenas de milhões de litros.
A cada segundo, a população de Porto Alegre despeja 3 mil litros de esgoto no Guaíba e no Rio Gravataí. No final de um dia, a imundície que a cidade transferiu para o manancial está na casa de centenas de milhões de litros. A esse volume somam-se dejetos domésticos. Agrícolas e industriais produzidos por outros 5 milhões de gaúchos e que chegam depois de viajar pelos rios que alimentam o Guaíba. Essa imensa cloaca a céu aberto é a matéria-prima da água que bebemos.
A população da metrópole só sentiu na pele a gravidade da situação na última década, quando uma água malcheirosa e com gosto de terra começou a sair das torneiras. Em oito dos últimos nove anos, entre o verão e o outono, algas conhecidas como cianobactérias proliferaram-se no Guaíba, impregnando-o de substâncias que conferem o sabor e o odor ruins. As algas floresceram porque encontram alimento em abundância: o fósforo e o nitrogênio presentes no esgoto.
Desde então, o sistema de tratamento de água de Porto Alegre está pagando caro – ainda mais caro do que o habitual – por ter um manancial tão poluído. Desde 2006, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) gastou mais de R$ 15 milhões para aparelhar estações a enfrentar a presença do sabor e do cheiro.
Essa é só uma parte da despesa extra. Por causa das cianobactérias, o investimento necessário para tratar uma mesma quantidade mantendo-se a mesma qualidade de água multiplicou-se em Porto Alegre. Levantamento feito pelo DMAE aponta que em 2012, o custo tem sido 224% maior por causa da necessidade de eliminar as substâncias indesejáveis. Tratar a água ficou três vezes mais caro.
De R$ 70 desembolsados pelo departamento a cada mil metros cúbicos nos períodos sem floração, a conta subiu para R$ 226,80.
De janeiro a maio, em lugar de gastar R$ 5,5 milhões, o DMAE gastou R$ 17,8 milhões. Em apenas cinco meses, o custo-alga foi de R$ 12,3 milhões – o aumento não vem sendo repassado ao consumidor.
Mesmo tratada é intragável
Apesar do investimento, moradores reclamam: o resultado final continua intragável. A crise provocada pela floração das algas escancarou uma realidade desagradável: não tratamos água, tratamos esgoto para transformá-lo em água potável – e a comunidade científica já começa a questionar até que ponto essa água é saudável para humanos. Não é um problema só de Porto Alegre. As cianobactérias superpovoaram o Guaíba não porque ele seja mais poluído, mas porque algumas de suas áreas oferecem condições propícias para as florações, como baixa profundidade e pouco movimento.
No entanto, gaúchos que nunca sentiram o gosto de terra são abastecidos por água potável captada em rios com contaminação muito superior à do Guaíba. Um exemplo pode ser encontrado na capital; centenas de milhares de moradores da Zona Norte têm sido poupados do sabor desagradável – mas recebem água que foi captada perto de rios moribundos, como o Gravataí e o Sinos, onde a qualidade do manancial está muito mais degradada.
Para minimizar o efeito causado pelas cianobactérias, o DMAE recorre a uma tecnologia conhecida como adsorção por carvão ativado. Na quantidade adequada, o carvão, adicionado à água coletada do Guaíba, consegue reter em seus poros, como uma esponja, a maior parte das substâncias que provocam o cheiro e o gosto desagradáveis – chamadas de geosmina e MIB, conforme mostra a figura abaixo. Em um dia, até seis toneladas de carvão chegam a ser usadas nas estações de tratamento de água. Desde o começo do ano, o DMAE já usou 287,4 toneladas – o equivalente ao peso de 360 Fuscas. Além disso, em paralelo, processos associados para minorar o problema, com a adição de dióxido de cloro e peróxido de hidrogênio, que conseguem eliminar a matéria orgânica.
Se tem gosto não serve para o consumo
Nos anos 80, foi enfrentado o mesmo problema pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) para reduzir o gosto deixado pelas algas em um sistema muito maior do que o de Porto Alegre: o de São Paulo. Desde estão, a SABESP utiliza a tecnologia do carvão ativado em estações que fornecem água, hoje, para 8,5 milhões de pessoas.
A eficácia não é total. O carvão consegue remover no máximo 90% dos componentes que causam odor e sabor. E o resultado é relativo, porque cada pessoa tem um limiar de gosto diferente. A companhia que trata a água paga o pato pela falta de investimento em saneamento. E sai muito mais caro tratar água depois do que tratar esgoto antes.
Se a água tem sabor e odor, mesmo que não faça mal, não serve para consumo. É o caso de Porto Alegre, onde os períodos de duração do problema são cada vez maiores. A portaria deixa clara a responsabilidade de agir dos órgãos de Vigilância Sanitária.
O custo-alga
As florações de algas triplicaram os custos do DMAE para tratamento em 2012:
a) R$ 70,00 é o gasto médio para tratar mil metros cúbicos de água em período sem floração.
b) R$ 226,80 foi o gasto médio de tratamento do DMAE neste ano, devido à presença das algas.
Como o DMAE tratou em média 516.963 metros cúbicos por dia neste ano:
a) O custo diário se não houvesse algas seria de R$ 36.187,00.
b) Com algas, foi de R$ 117.247,00.
c) A despesa extra por dia foi de R$ 81.060,00.
d) Até maio sem algas custaria R$ 5,5 milhões.
e) Com algas, o custo foi de R$ 17,8 milhões.
f) A despesa extra foi de R$ 12,3 milhões.
Considerações finais
Os custos de tratamento de água aumentam pela necessidade de monitoramento de algas, especialmente aos associados à presença de sabor e odor.
O planejamento e a operação racional de sistemas de abastecimento de água requerem o conhecimento das relações causa-efeito que influem na qualidade da água, especialmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento de algas, visando à proteção do manancial. Em muitos estudos tem sido observada uma relação entre a concentração de fósforo e alguns indicadores de crescimento de algas, incluindo a clorofila, a transparência e taxa de redução de oxigênio no hipolímnio.
Dr. Luciano Peske Ceron
Doutor em Engenharia de Materiais (Filtração/Particulados), Mestre em Polímeros (Não tecidos), Engenheiro Químico, Especialista em Gestão Ambiental e Gestão Empresarial. Professor Adjunto do Curso de Engenharia Química na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS - Tel.: 51 9972 6534
E-mail: Ceron.Luciano@gmail.com