Depois Da Rio+20... Que Futuro Queremos Mesmo?
Por Dra. Tárcia Rita Davoglio
Edição Nº 8 - agosto/setembro de 2012 - Ano 2
Parece que já foi falado tanto sobre meio ambiente, preservação e sustentabilidade que resta pouco de inédito a escrever. Corremos o risco de ser repetitivos, insistindo com argumentos e debates que, em geral, envolvem sempre as mesmas pessoas, os mesmos
Parece que já foi falado tanto sobre meio ambiente, preservação e sustentabilidade que resta pouco de inédito a escrever. Corremos o risco de ser repetitivos, insistindo com argumentos e debates que, em geral, envolvem sempre as mesmas pessoas, os mesmos problemas, as mesmas resistências. Para corroborar minha impressão tivemos a Rio+20, que, só para lembrar, sucedeu a Eco92, resultando no tão esperado documento "O futuro que queremos".
Nas palavras da jornalista Kumi Naidoo, do Greenpeace International, "um documento abstrato e que não corresponde à realidade".
Confesso que não acompanhei a Rio+20. Não me faltou interesse e nem curiosidade: faltou-me motivação! Não ignoro nem menos prezo a gravidade e relevância das questões ambientais para o futuro da vida. Mas é necessário esperar 20 anos para inventariarmos o alcance desse evento? É preciso promover conferências internacionais para debater o que não é posto em prática? A ganância que destrói o planeta por acaso não é mesma que pode ser reconhecida na intimidade da consciência de cada pessoa? Resistir faz parte do processo de mudança. Nós somos apegados aos nossos cacoetes, aos nossos mecanismos de defesa, às nossas teorias e desculpas, ao nosso conforto, ao nosso prazer e aos hábitos cotidianos que praticamos. A mudança impõe que se desista do que é conhecido e "seguro" em benefício de uma expectativa oriunda da inovação, da novidade. Mudanças brotam, sobretudo, da generosidade: da capacidade de abrir mão do que já temos para criar espaço ao inédito. São perigosas...
Vamos à realidade da Rio+20: muitas críticas à ausência de grandes líderes, muita expectativa por modelos de gestão econômica e política mais engajados com a sustentabilidade, muita insatisfação, muito blá-blá-blá... Repito: não acompanhei de perto nada disso porque como diriam nossas avós, no auge da sabedoria conquistada pela experiência, "para um bom entendedor meia palavra basta".
Os bastidores da Rio+20, encobertos e silenciosos, falaram muito para quem quis ouvir. Neste país a palavra "evento" convoca o que há de pior em termos de conchavos, corrupção e falta de vergonha em todos os planos. Não faltaram furtos e roubos noticiados pela imprensa em todas as dimensões seguidos do chavão "Isso aqui é Brasil, é assim mesmo". Não me refiro apenas aos saques feitos aos estandes e alojamentos das delegações, incluo principalmente as roubalheiras institucionais e corporativas, carimbadas com a tarja de impunidade por órgãos públicos e privados. Aí estão questões sociais, políticas e éticas que antecedem qualquer questão ambiental. Quando não tratadas com a devida seriedade apontam para o óbvio: nada se estrutura sobre alicerces podres.
O desinteresse pela Rio+20 que me atingiu, e certamente não foi apenas a mim, começou com as denúncias de abuso e superfaturamento de tudo, da rede hoteleira ao sorvete vendido na praia. É a lei da oferta e da procura, minha cara! Oras, chamem como quiserem isso não altera as más intenções e a total ausência de decência que essas questões têm em seu âmago. Sim eu tinha esperança que isso não seria tão escrachado, que o desejo de mudança inspirador da Eco92 tivesse evoluído em 20 anos até a Rio+20 e começasse a produzir bons frutos de dentro para fora, no interior do país, na consciência das pessoas. Sim eu desejo que algum dia a ética se insira em nosso "modus operandi" e varra do país o famigerado jeitinho brasileiro.
Com certa apreensão, li em algum lugar a manchete: "O Brasil é a bola da vez"! Até 2016 veremos muito do mesmo: grandes eventos, muita badalação e nenhuma noção de cidadania e respeito? Ser "a bola da vez" não poderia ser uma metáfora para começarmos a fazer a nossa parte enquanto nação, dando exemplo de lisura e bom caráter? Não estaria aí a oportunidade para praticarmos a honestidade e decência ao invés de bolarmos estratégias para tirar a maior vantagem possível da presença dos turistas? Nem vou falar das obras superfaturadas e da terra de ninguém que vira o dinheiro público na mão de políticos e empresários corruptos em tempos de obras faraônicas.
Não sei se os acordos de sustentabilidade da Rio+20 fracassaram, mas sei que nós brasileiros fracassamos mais uma vez no exercício da idoneidade e da cordialidade esperada de um anfitrião. Perdemos, antes mesmo de iniciar a Rio+20, a oportunidade se sinalizarmos o teor do evento. Sim porque é o dono da casa quem aponta às visitas o que é permitido ou não, quem direciona para os bons ou maus modos, quem estabelece as regras, quem indica o lugar de cada um.
A Rio+20 foi apenas o início de nossa estada na berlinda. Como muitos cidadãos do Brasil tenho receio do que teremos que assistir neste país até 2016. A Rio+20 não contribuiu para amenizar essa apreensão. Tenho dificuldade para compreender a lógica de algumas pessoas que conseguem ver nesses eventos a oportunidade para "mudar de vida", "forrar o poncho", "encher a guaiaca", "lavar a égua" e tantas outras expressões regionais que significam dar-se bem. Vejo mais que tudo a honra e a responsabilidade de abrir as portas do nosso país ao mundo. Mas lucro pessoal? Possibilidade de enriquecer e fazer meganegócios? Não isso eu não vejo para mim e sou acompanhada nessa "miopia" por milhares de brasileiras e brasileiros honestos e trabalhadores. E para ser sincera, tenho vergonha da nossa corrupção, da nossa gana por vantagem imediata, da nossa falta de medida para experimentar o diferente com responsabilidade e dignidade.
Que pena que aos olhos do mundo eu e todas as brasileiras e brasileiros que compartilham da mesma sede por transparência e sustentabilidade sejamos ofuscados pelo "brilho" estonteante dos que sempre "se dão bem".
Dra. Tárcia Rita Davoglio
Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Docente de IES e Educadora. Doutora e Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes.
Email.: tarciad@gmail.com