Comparação Entre O Método Colorimétrico E Titulométrico Na Determinação Da Dqo
Por Rodrigo De Freitas Bueno
Edição Nº 2 - agosto/setembro de 2011 - Ano 1
A DQO é um parâmetro global utilizado como indicador do conteúdo orgânico de águas residuárias e superficiais, e bastante utilizado no monitoramento de estações de tratamento de efluentes líquidos.
A DQO é um parâmetro global utilizado como indicador do conteúdo orgânico de águas residuárias e superficiais, e bastante utilizado no monitoramento de estações de tratamento de efluentes líquidos. Embora a resolução CONAMA 357/05 não faça referência ao parâmetro DQO na classificação dos corpos d’água e nos padrões de lançamento de efluentes líquidos, algumas legislações ambientais estaduais estabelecem limites máximos para este parâmetro em seus padrões de lançamento (AQUINO, et al. 2006). A DQO é muito útil quando utilizada conjuntamente com a DBO para observar a biodegradabilidade de despejos. Sabe-se que o poder de oxidação do dicromato de potássio é maior do que o que resulta mediante a ação de microrganismos, exceto raríssimos casos como hidrocarbonetos aromáticos e piridina. Desta forma, os resultados da DQO de uma amostra são superiores aos de DBO. Como na DBO mede-se apenas a fração biodegradável, quanto mais este valor se aproximar da DQO significa que mais facilmente biodegradável será o efluente (PIVELI e KATO, 2005). Portanto, a demanda química de oxigênio consiste em uma técnica utilizada para a avaliação do potencial de matéria redutora de uma amostra, através de um processo de oxidação química. Neste processo, o carbono orgânico de um carboidrato, por exemplo, é convertido em gás carbônico e água. Um exemplo é o refluxo com ácido forte de um excesso conhecido de dicromato de potássio (K2Cr2O7). Após a digestão, o dicromato remanescente, que não foi reduzido, é titulado com sulfato ferroso amoniacal para determinar a quantidade de dicromato consumido, e a matéria orgânica oxidada é calculada em termos de oxigênio equivalente. O método padrão para determinação da DQO utiliza dicromato de potássio como agente oxidante. Dentre os métodos otimizados e validados deve-se destacar os métodos titulométricos e colorimétricos (APHA, 2005). No método colorimétrico, conhecido como técnica de análise de DQO em ampolas, cujo princípio básico é o mesmo (descrito acima), a DQO mede, indiretamente, os equivalentes redutores (elementos com baixo número de oxidação, ou seja, reduzidos) presentes na amostra em questão. Dessa forma, causará DQO à amostra que contiver substâncias orgânicas e/ou inorgânicas passíveis de oxidação pelo dicromato de potássio em meio ácido. Em se tratando de esgotos tipicamente domésticos, a fração orgânica, em geral, supera a fração inorgânica reduzida, e a DQO pode ser utilizada, sem maiores problemas, para quantificar diretamente a matéria oxidável presente. Entretanto, alguns efluentes industriais podem ser oxidados pelo dicromato e causar DQO. Além do mais, uma expressiva contribuição das substâncias inorgânicas para a DQO pode resultar em uma baixa relação DBO/DQO e à errônea conclusão de que o tratamento biológico não é suscetível, a despeito de a fração orgânica poder ser facilmente degradável. Como exemplo, o monitoramento de um sistema de tratamento que recebe contribuição significativa de substâncias inorgânicas oxidáveis, ou que resulta na produção de substâncias reduzidas (Ex. sulfetos durante o tratamento anaeróbio), pode subestimar a capacidade do sistema na remoção de matéria orgânica afluente. Quando uma amostra é digerida, ocorre a oxidação do íon dicromato, havendo a mudança do cromo do estado hexavalente (VI) para trivalente (III). Ambas as espécies são coloridas e absorvem na região visível do espectro. O íon dicromato (Cr2O72-) absorve fortemente em 400 nm, enquanto o íon crômico (Cr3+) absorve muito pouco. O íon crômico absorve fortemente em 600 nm, enquanto que o íon dicromato tem absorção praticamente zero. Em uma solução de ácido sulfúrico 9M, os coeficientes molares aproximados para estas espécies são: Cr3+ - 50L/mol a 604 nm; Cr2O72-- 380 L mol a 444 nm; Cr3+ - 25L/mol a 426 nm. O íon Cr3+ tem um coeficiente mínimo a 400 nm. O máximo de absorção utilizado para este íon é em 420 nm. Para valores de DQO entre 100 e 900 mg/L, pode-se utilizar a região de 620nm para determinar a concentração do íon Cr3+. Para valores muito altos de DQO, deve-se diluir a amostra (APHA, 2005; SAWYER, et al. 1994). A técnica colorimétrica é muito simples quando comparada à titulométrica, pois exige tão somente a mistura da amostra com o reativo oxidante de dicromato/ácido sulfúrico para, após algum tempo sob aquecimento e resfriamento natural, medir-se a absorbância das soluções finais em um espectrofotômetro. Objetiva-se, aqui, a comparação estatística de resultados de testes laboratoriais realizados pelo método colorimétrico e titulométrico para determinação da DQO em esgoto doméstico e efluentes industriais, onde, atualmente, muitos laboratórios de análises ambientais ainda utilizam o método titulométrico ao invés do colorimétrico, devido a diferenças em relação aos resultados obtidos pela análise colorimétrica quando comparado à titulométrica.
Materiais e métodos
Titulometria
As soluções reagentes foram preparadas conforme o "Standard Methods for Examination of Water and Wastewater", 21th Edition (APHA, 2005). A DQO foi determinada partindo-se de 20 mL de amostra bruta ou diluída que foi transferido para balões de fundo chato, aos quais foram adicionados 10 mL de solução de dicromato de potássio e 30 mL de ácido sulfúrico concentrado contendo o catalisador sulfato de prata (5, 5 g Ag2SO4 / kg H2SO4). Utilizou-se uma solução de dicromato de 0,0167 M. Adicionou-se também cerca de 0,4 g de sulfato de mercúrio (HgSO4 0,1125 M ou 33,3 g/L) para minimizar a interferência causada pelos cloretos. Após a adição dos reagentes, os balões eram homogeneizados e levados para a digestão, por duas horas, mantido a 150°C. Após a digestão, os balões foram resfriados e titulou-se a quantidade de dicromato Cr2O72- não reduzido com sulfato ferroso amoniacal e indicador ferroin. Paralelamente à oxidação e titulação das diluições da amostra, realiza-se a prova em branco, executando-se o mesmo procedimento sobre água deionizada. O volume consumido de sulfato ferroso amoniacal na titulação será a referência para o cálculo da DQO, que é feito da seguinte forma:
DQO = (B - A) NSFA x 8000 x f / VAMOSTRA
B: volume gasto de sulfato ferroso amoniacal na titulação do branco.
A: volume gasto de sulfato ferroso amoniacal na titulação de cada diluição da amostra.
NSFA = Normalidade do sulfato ferroso amoniacal, obtida mediante padronização com dicromato de potássio.
VAMOSTRA = volume da amostra diluída utilizada, em geral 50 mL.
f = fator de diluição.
* Na expressão para o cálculo da DQO apresentada, o número 8000 representa o equivalente grama do oxigênio, expresso em mg, para que os resultados sejam expressos em termos de demanda de oxigênio. A DQO deve ser calculada através da média dos resultados obtidos para duas ou três diluições da amostra.
Colorimetria
As leituras das amostras foram realizadas em um espectrofotômetro DR2010 Hach, na faixa de 600 e 620 nm (alta concentração) e 420 nm (baixas concentrações). As soluções reagentes, digestora (baixa e alta concentração), assim como o padrão de KHP-hidrogenoftalato de potássio, foram preparadas conforme descrita no "Standard Methods for Examination of Water and Wastewater", 21th Edition (APHA, 2005). A DQO foi determinada partindo-se de 2,5 mL de amostra bruta ou diluída que foi transferida para frascos de reação (tipo Hach), aos quais foram adicionados 1,5 mL de solução de dicromato de potássio e 3,5 mL de ácido sulfúrico concentrado contendo o catalisador sulfato de prata (5,5 gAg2SO4/kg H2SO4). Foi utilizada uma solução de dicromato de 0,0347M, contendo sulfato de mercúrio (HgSO4 0,1125M ou 33,3g/L) para minimizar a interferência causada pelos cloretos. Admitindo uma relação ideal Hg2+:Cl- de 10:1, o mercúrio adicionado poderia complexar até 3.330 mg/L de cloretos. Após a adição dos reagentes os tubos de reação eram tampados e levados para a digestão, por duas horas, em bloco aquecedor mantido a 150°C. Após a digestão, avaliou-se a quantidade de cromo reduzido (Cr III). A concentração de DQO foi calculada a partir de curva de calibração feita utilizando-se KHP-hidrogenoftalato de potássio (C6H5O4K) como padrão. Através da equação da oxidação do KHP, deduz-se que 1 mg/L de KHP exerce uma DQO teórica de 1,176 mgO2/L. Essa relação é então usada para preparação de diferentes soluções de padrão de DQO conhecida. Foi mantida a razão de massas de reagentes, volumes e forças constantes quando utilizar volumes diferentes do informado no procedimento descrito na literatura (APHA, 2005).
Amostra de esgoto doméstico e efluentes industriais
A comparação dos métodos titulométrico e colorimétrico empregou, além da solução padrão de KHP, amostras brutas de esgoto doméstico e efluentes industriais. As amostras foram coletadas em diferentes locais e dias.
Resultados e discussão
Comparação do método colorimétrico e titulométrico
Para a realização das análises de DQO com o método colorimétrico e titulométrico, embora o procedimento de digestão seja o mesmo nas duas metodologias, a concentração da solução de dicromato é diferente. Durante o método titulométrico, usa-se uma solução de dicromato mais fraca (0,0167M) de forma a evitar o consumo excessivo do agente titulante. Entretanto, esse procedimento restringe a faixa de análise da DQO, uma vez que a curva de calibração é linear somente até 400 mg/L. No método colorimétrico utiliza-se uma solução de dicromato mais concentrada (0,0347M) e nesse caso a curva obtida passa a ser linear até aproximadamente 1.000 mg/L, o que permite o seu uso com amostras concentradas sem necessidade de diluição (AQUINO, et al. 2006). A Tabela 1 apresenta os resultados da análise comparativa do método colorimétrico e titulométrico quando aplicado às amostras do padrão de KHP nas concentrações (10–10.000 mg/L) e percebe-se que os resultados experimentais obtidos foram bem próximos ao valor teórico. Quanto menor o valor teórico maior é o erro da determinação da DQO tanto pelo método colorimétrico quanto titulométrico.
Com os valores médios da Tabela 1 construímos as Figuras 1, 2 e 3 que apresentam os resultados da comparação dos métodos quando aplicados às amostras do padrão KHP nas concentrações (10–100; 100–1.000; 1.000–10.000 mg/L), e mais uma vez podemos visualizar a afirmação acima. Na Figura 1, o método colorimétrico apresenta valores maiores que o método titulométrico (variação de 0 a 100mg/L), tendência inversa entre 100 e 1.000mg/L (Figura 2) e valores bem próximos do teórico quando acima de 1.000mg/L (Figura 3). O valor R2 da reta de tendência das médias está acima de R2>0.990, indicando que ambos os métodos estão bem próximos ao valor teórico com significância estatística p <0.001.
Ainda com os dados da Tabela 1 e de regressão linear do método titulométrico e colorimétrico aplicado ao valor teórico do padrão de KHP nas concentrações 10–10.000mg/L, observamos que os valores das replicatas (máximo e mínimo) estão muito próximos entre si e o valor de R2 da reta de tendência das médias foi maior que R2> 0.999, indicando uma correlação positiva forte com o valor teórico e significância estatística p <0.001. Assim, para a maioria das amostras analisadas, os valores de DQO obtidos com a metodologia colorimétrica não foram significativamente diferentes quando comparados com os valores obtidos com o método titulométrico.
Resultados com esgoto doméstico e efluente industrial
A Tabela 2 apresenta os resultados da comparação dos métodos aplicados às amostras de esgoto doméstico e efluentes industriais de concentrações variadas de (0–20.000 mg/L). Os resultados dos desvios mostrados nas Tabelas 2 não indicam nenhum padrão ou regularidade nas diferenças. Os dados foram submetidos ao teste estatístico de comparação por regressão linear ordinária apresentando significância estatística p<0.001 e correlação muito forte entre os métodos R>0.9939. Confirmando mais uma vez que quando comparamos os valores, estes não são significativamente diferentes.
Na maioria das amostras, a diferença observada encontra-se dentro da faixa de variação do método e, além disso, quando analisamos os desvios das análises colorimétrica e titulométrica na Tabela 2, não foi observado nenhum padrão ou regularidade nas diferenças, ou seja, não pode-se dizer que a DQO obtida pelo método titulométrico é sempre maior que aquela obtida pelo método colorimétrico ou vice-versa.
Com os dados da Tabela 2 construímos a Figura 4 e 5, que apresentam os resultados da comparação dos métodos aplicados às amostras de esgoto doméstico e efluentes industriais de concentrações variadas (de 0–1.000; 1.000–20.000 mg/L), onde podemos visualizar as afirmações acima.
Neste estudo, observamos que para amostras de baixa DQO ou que contenham muitos sólidos heterogêneos, há necessidade de serem analisados em replicata para obter-se um resultado mais próximo do real. A principal vantagem do método titulométrico é a possibilidade de sua utilização em amostras de elevada turbidez e cor residual após a digestão com dicromato.
Suas desvantagens incluem o consumo e preparo de agente titulante e indicador, o uso de vidraria adicional (Erlenmeyer e aparato de titulação), e a potencial relativização do ponto final da titulação, ou seja, cada analista pode ter uma percepção diferente do ponto de mudança de cor que determina o término da titulação com o sulfato ferroso amoniacal (FAS). Por sua vez, a grande restrição ao método colorimétrico reside no fato de ele só poder ser usado em amostras que não exibem turbidez ou cor elevada (principalmente com absorção máxima em torno de 600 nm) persistente após a digestão da amostra.
As análises de DQO geram um efluente líquido que se caracteriza pela presença de elevadas concentrações de metais pesados (Hg, Ag, Cr e Fe). O método colorimétrico apresenta uma redução dos resíduos de aproximadamente 90% em relação ao titulométrico. O gasto com água é muito maior no método titulométrico com volume médio gasto no refluxo de 1 L/min, sendo praticamente zero no método colorimétrico. Outro fator importante é o alto gasto com energia elétrica com os digestores da bateria de Sebelin (normalmente 7 amostras a cada 2 horas), que consomem grande quantidade de energia, quando comparado com o bloco digestor digital utilizado no método colorimétrico, com capacidade de aproximadamente 25 amostras para o mesmo tempo de digestão, com baixo gasto de energia elétrica.
Conclusões
Com base no trabalho realizado, concluiu-se que:
1. Quando comparamos estatisticamente tanto os dados obtidos de DQO pelo método colorimétrico e titulométrico com o valor teórico de KHP, quanto aos dados obtidos das análises de concentrações variadas de esgoto doméstico e efluente industrial, ambos apresentaram significância estatística p<0.001 e correlação muito forte entre os métodos R2>0.990, onde ficou evidente que não houve significantes diferenças entre os valores obtidos e os valores muito próximos ao valor teórico padrão, ou seja, ambos os métodos são adequados para análise de DQO proposta neste estudo;
2. Não foram observados nenhum padrão ou regularidade nas diferenças, ou seja, não se pode dizer que a DQO obtida pelo método titulométrico é sempre maior que aquela obtida pelo método colorimétrico ou vice-versa;
3. O uso do método colorimétrico demonstrou grandes vantagens em relação ao titulométrico em termos de custo e tempo analítico, praticidade, diminuição significativa na geração de resíduos, economia de energia elétrica e água, que são na ordem aproximada de 10:1.
Referências bibliográficas:
APHA, AWW, WEF. "Standard methods for the examination of water and wastewater". 21th. Edition. Amercian Public Health Association, Washingtion, DC., 2005.
AQUINO, S.F.; SILVA, S.Q.; CHERNICHARO, C.A.L. "Considerações práticas sobre o teste de demanda química de oxigênio (DQO) aplicado à análise de efluentes anaeróbios". Revista Engenharia Sanitária e Ambiental. Vol.11 - Nº 4 - out/dez 2006, 295-304 (Nota Técnica).
CONAMA - CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. RESOLUÇÃO N° 357 DE 17 DE MARÇO DE 2005. Disponível em: www.mma.gov.br/port/conama/res/res05/res35705.pdf;
PIVELI, R.P.; KATO, M.T. "Qualidade das Águas e Poluição: Aspectos Físico-Químicos" São Paulo, 1ª Ed. Editora ABES, 2005. 285p.
SAWYER, C.N.; Mc CARTY, P.L.; PARKIN, G.F. "Chemistry for environmental Engineering". 4th ed., McGraw-Hill International Editions. Civil Engineering Series, 1994.
Rodrigo de Freitas Bueno
Bacharel em Biologia. Especialista em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Mestre em Saúde Pública e Engenharia Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP/USP).