Reúso das águas cinzas gera economia financeira e ambiental
Por Cristiane Rubim
Edição Nº 6 - abril/maio de 2012 - Ano 1
Mas para que isso ocorra no Brasil, o conceito e a prática do reúso da água ainda precisam ser mais bem explorados, normatizados e assimilados
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Chuveiros, lavatórios de banheiro, banheiras, tanques, máquinas de lavar roupas e lavagem de autos, de uso doméstico ou comercial, são exemplos da origem das águas cinzas para reúso com fins não potáveis. Esta prática já é regular nas residências nos Estados Unidos, Inglaterra e Japão. Outra classificação são as águas negras, aquelas advindas da bacia sanitária. Muitas vezes, como no caso do Brasil, a pia de cozinha, por culturalmente se jogar restos de alimentos, provocando no efluente grande concentração de material orgânico, não é considerada como água cinza e não pode ser utilizada como tal. Há também as águas das chuvas usadas com recursos de reservatórios. O problema da escassez de água vem fazendo com que se procurem novas alternativas para solucioná-lo e usá-la de forma inteligente. É o caso das águas que podem e devem ser reutilizadas, já que traz economia financeira e dos recursos naturais e benefícios ao usuário da água de reúso e à sociedade.
"O Brasil ainda está começando na questão do reúso de água e não há estatísticas do setor. Calcula-se que 20% a 30% das indústrias estejam fazendo reúso de água no país", aponta Ivanildo Espanhol, Professor Doutor Titular da Politécnica da USP e diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso da Água (Cirra), que cita os projetos Aquapolo e do Comperj (ver boxes) como exemplos. Na opinião de Marcos Asseburg, diretor-presidente da Aquapolo Ambiental, "este é um mercado promissor, com muito a ser explorado. Atualmente, o mercado brasileiro de produção de água de reúso ainda é muito incipiente, se resumindo praticamente a plantas que produzem cerca de 50 litros por segundo. O projeto Aquapolo, por exemplo, marca uma nova etapa deste mercado, que ainda promete crescer muito, por inovar em escala de produção e tecnologia adotada", afirma. Segundo ele, "é natural que o Aquapolo sirva de objeto de análise e estudo para outros projetos de água de reúso em planejamento no país. A tecnologia que ele adota – membranas de ultrafiltração e osmose reversa – é pouco utilizada no Brasil para esta finalidade, além do fato de ela nunca ter sido aplicada em grande escala aqui. O Aquapolo também inova enquanto modelo de negócio, por se tratar de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) entre uma empresa pública – a Sabesp – e uma empresa privada – a Foz do Brasil –, além de ser modelo de sustentabilidade."
Mas o Brasil precisa desenvolver também uma legislação maior com normas e diretrizes que definam os conceitos, parâmetros e restrições ao reúso das águas: residencial, comercial e industrial. O que existem apenas são alguns parâmetros de qualidade para a água de reúso. No caso, o reúso de água servida ou água resultante de tratamento de esgotos deve atender às instruções contidas na norma NBR 13969:1997, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para a engenheira Sibylle Muller, diretora da AcquaBrasilis, empresa com 11 anos de mercado que se tornou referência de atuação em sistemas de reúso de água e captação de chuva para fins não potáveis, é preciso que tenha um entendimento maior da sociedade quanto a essa questão. O problema, elucida Sibylle,
é que "falta uma regulamentação técnica na qual se imponham requisitos mínimos de qualidade da água de reúso em função das suas finalidades, o que acaba gerando uma certa insegurança para os consumidores".
Conforme explica, "o reúso de águas cinzas traz benefícios ambientais e financeiros, pois substitui volumes de água potável em usos nos quais a potabilidade não é necessária. No entanto, é fundamental que as águas cinzas tratadas atendam a alguns requisitos básicos de qualidade". Isso porque, esclarece a engenheira, quando está fora dos padrões desejados, as águas tratadas podem causar problemas de odor e de saúde pública, comprometendo todo um conceito de reúso. "Daí, a grande importância de se trabalhar com sistemas de tratamento e empresas experientes e confiáveis." O engenheiro químico Allan Sarev, gerente comercial/marketing da Acquasys, concorda quanto às leis: "Sem dúvida alguma, faltam regulamentações quanto à qualidade da água de reúso e também legislações específicas municipais com incentivos fiscais para empreendimentos novos e antigos que façam tratamento e reúso de água no próprio local." A Acquasys, fundada há quatro anos, é outra empresa do setor que atua com prestação de serviços de consultoria, engenharia e equipamentos para tratamento de água, tais como hidrociclones para tratamento de água de chuva e equipamentos compactos sustentáveis para tratamento de águas cinzas, sem o uso de produtos químicos.
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Conscientização
O conceito e a prática precisam ainda ser assimilados pela sociedade até porque, conforme a diretora da AcquaBrasilis, "um dos grandes benefícios de reúso de águas cinzas é, sem dúvida, a preservação dos recursos hídricos naturais. O reúso de águas cinzas permite que se utilize, após um tratamento, mais uma vez, uma água utilizada em lavatórios, chuveiros ou lavagem de roupas em outros usos menos nobres, como descarga de vasos sanitários, lavagem de pisos e calçadas, irrigação de jardins e parques, reposição de água de sistema de ar condicionado e água de reposição de espelho d’água". Dentro do aspecto de preservação ambiental, é importante citar que a garantia do benefício advém, segundo Sarev, da Acquasys, de que "o reúso de águas cinzas permite uma economia de água da rede pública, dependendo do projeto, da ordem de 20% a 30%, permitindo a amortização do equipamento em pouquíssimo tempo. É fundamental a existência de prumadas específicas para a condução de água de reúso aos seus pontos de consumo, a serem previstas no projeto hidráulico de um novo empreendimento sustentável ou em retrofits."
A exploração de uso das águas pluviais para consumo em fins não potáveis também é um caminho. A viabilidade, segundo Sibylle, depende da localização do empreendimento (ou seja, da precipitação do local), da área de cobertura (área de captação) e dos volumes de água potencialmente aproveitáveis. O tratamento e reaproveitamento da água de chuva, para o engenheiro da Acquasys, pode favorecer, apesar da sazonalidade, empreendimentos novos ou retrofits, mas diz também que é preciso fazer uma avaliação técnica e econômica de cada novo projeto para verificar as condições. "Existem fatores limitantes para o reúso de água de chuva, que, normalmente, estão vinculados à capacidade de armazenamento de água em reservatórios ou cisternas, em função de espaço físico disponível’, afirma. "Em alguns casos, há ainda, as águas de drenagem, muitas vezes coletadas em poços e bombeadas para fora dos empreendimentos, que, também, podem ser tratadas e aproveitadas em algumas finalidades", exemplifica a diretora da AcquaBrasilis.
Perspectivas do setor
A AcquaBrasilis aposta no aumento contínuo da demanda por sistemas de tratamento de águas cinzas. Essa certeza, conforme Sibylle, vem tanto pelo aquecimento do setor da construção civil quanto pelo aumento da consciência ambiental, que tem se traduzido na oferta de lançamentos com sustentabilidade ambiental, com ou sem certificação. "A empresa desenvolve projetos e soluções customizadas para cada cliente, procurando apresentar para cada caso o processo mais adequado do ponto de vista técnico e financeiro. Neste sentido, oferece desde soluções para uma residência até projetos para empreendimentos comerciais e residenciais de grande porte, verticais e horizontais, e shopping centers", expõe.
Quanto ao crescimento de mercado do tratamento de águas cinzas, a Acquasys considerou as peculiaridades do segmento que atende cujo custo do metro quadrado é altamente relevante, principalmente nas grandes cidades. Caso da construção civil e empreendimentos novos sustentáveis, principalmente comerciais, tais como prédios inteligentes, hotéis, centros de distribuição logística e hipermercados. Foi, então, buscar tecnologias de equipamentos compactos fora do Brasil que pudessem atender às demandas futuras visualizadas para a economia de água potável, cada vez mais cara e escassa. Levou-se em conta, segundo Sarev, principalmente o reúso da água cinza tratada para aplicações onde não se necessita de uma água potável.
"Pela previsão de aumento da demanda futura, equipamentos que hoje importamos poderão ter escala suficiente para ser fabricados localmente", aponta o gerente comercial/marketing da Acquasys. Na opinião de Sarev, ainda não há no Brasil fabricantes locais com tecnologia inovadora em equipamentos para tratamento de águas cinzas que possam atender a este mercado de uma forma sustentável. Isso quer dizer, segundo ele, que não existem fabricantes que disponham de equipamentos com baixo custo, alta performance, sem o uso ou o descarte de produtos químicos no meio ambiente, compactos, de fácil operação e manutenção e baixo consumo energético. Apesar disso, acredita que está havendo um avanço, conforme analisa, "nos últimos três anos, pudemos observar uma maior maturidade e conhecimento das incorporadoras, construtoras, empresas de engenharia, empresas certificadoras e centros de pesquisa sobre tecnologias, equipamentos e ganhos reais que o tratamento de água e seu reúso podem prover aos empreendimentos novos, antigos que sofram retrofit e aos usuários finais."
A estimativa de crescimento para este mercado para os próximos cinco anos, segundo Sarev, é da ordem de 20% a 30% ao ano. Para Sibylle, pode-se afirmar que as estações de tratamento de água cinza de hoje, trabalho iniciado há cerca de dez anos, já são a quarta geração em termos de evolução dos conjuntos de tratamento. E financeiramente, conforme diz, as previsões de retorno de investimento entre um e dois anos são confirmadas pelos sistemas de reúso implementados em edifícios residenciais. Conhecedora e inserida nesse mercado, a AcquaBrasilis, conforme a diretora, investe em melhoria contínua, seja dos equipamentos, seja da qualidade final da água tratada, que deve atender, na falta de requisitos públicos, uma especificação própria da empresa. Também atuante no mercado, a Acquasys busca, conforme o engenheiro químico, novas tecnologias para tratamento de águas e seu reaproveitamento através de contato com centros de pesquisa no Brasil e no exterior, procurando as melhores soluções técnicas que sejam viáveis comercialmente a seus clientes potenciais.