Uso da respirometria na obtenção de parâmetros cinéticos e monitoramento de Ete’s
Por Fábio Campos
Edição Nº 5 - fevereiro/março de 2012 - Ano 1
É patente e notória a necessidade de tratamento dos diversos tipos de águas residuárias geradas nas atividades humanas. Seu lançamento in natura nos corpos d’água resulta em importantes impactos ambientais, ocasionando danos muitas vezes de difícil revers
É patente e notória a necessidade de tratamento dos diversos tipos de águas residuárias geradas nas atividades humanas. Seu lançamento in natura nos corpos d’água resulta em importantes impactos ambientais, ocasionando danos muitas vezes de difícil reversão ao ambiente.
Neste ponto, as Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) são ferramentas fundamentais para a prática de Saneamento do Meio.
Das tecnologias existentes e largamente empregadas na estabilização de esgoto nas ETE’s, destacam-se os processos biológicos aeróbios, os quais envolvem a utilização de microrganismos em presença de oxigênio na degradação dos compostos orgânicos e nitrogenados presentes nas águas residuárias.
A compreensão dos fenômenos e o ideal controle operacional destas unidades resultam em melhores índices de tratamento, e, consequentemente, num maior grau de proteção ambiental. Atualmente, diversos grupos de pesquisas dedicam-se ao estudo do tema, gerando ganhos consideráveis no que diz respeito tanto aos aspectos teóricos como práticos de tratamento de esgoto.
Dentro deste contexto, o presente artigo tem por objetivo abordar a técnica de Respirometria, a qual oferece subsídios tanto para a compreensão dos fenômenos microbiológicos desenvolvidos no interior dos tanques de aeração, como para o melhor controle e racionalização dos processos unitários e de proteção das ETE’s.
Necessidade de tratamento das águas residuárias
Em termos percentuais, o esgoto doméstico é constituído por 99,9% de água e 0,1% de impurezas acrescidas durante os diversos tipos de uso humano (Derk, 2007).
De uma forma geral, sua composição média apresenta-se relativamente estável, sendo constituída basicamente de substâncias inorgânicas (areia, argila, compostos minerais dissolvidos etc) e matéria orgânica (proteína, gordura, carboidratos etc), além da presença microrganismos representados principalmente por bactérias (Porto, 2007).
Seu lançamento direto em corpos d’água representa o incremento, sobretudo, de matéria orgânica e nutrientes (nitrogênio e fósforo), os quais desencadearão uma série de ocorrências indesejáveis à vida aquática, tais como: depleção no nível de oxigênio dissolvido, eutrofização, presença de substâncias potencialmente tóxicas etc.
A remoção desses constituintes representa, portanto, principal objetivo a ser buscado no tratamento de esgoto.
A estabilização do material orgânico e nitrogenado em sistemas biológicos aeróbios de tratamento é feita mediante a ação de microrganismos, em geral bactérias heterótrofas, em presença de oxigênio (Rodrigues et al, 2005).
Nas condições ideais, as bactérias heterótrofas utilizam o substrato orgânico e nitrogenado em seus processos metabólicos, a saber:
• Anabolismo: conversão da matéria orgânica em massa bacteriana, através da síntese de novas substâncias (proteínas, hormônios, novas células etc);
• Catabolismo: uso da matéria orgânica na obtenção de energia para manutenção dos processos vitais.
Disso resulta na geração de um efluente final de boa qualidade com baixas concentrações de matéria orgânica e nutrientes, quando a estação é adequadamente projetada e operada.
Entre as condições limitantes do processo de estabilização do esgoto em ETE’s, pode-se citar a presença do Oxigênio Dissolvido (OD) em concentrações mínimas e ideais para que os processos metabólicos (catabolismo) possa se desenvolver sem restrições.
Na maioria dos sistemas de tratamento aeróbio, o OD é mantido na fase líquida mediante transferência da atmosfera por meio de aeradores mecânicos alimentados por eletricidade (Costa et al, 2006).
O monitoramento desse parâmetro é fundamental no controle operacional e, consequentemente, na qualidade do efluente final.
A avaliação da taxa de consumo de oxigênio fornece informações acerca da cinética do processo de tratamento, consistindo em fator primordial para o acompanhamento e compreensão dos fenômenos ligados ao crescimento da biomassa e remoção de compostos orgânicos (Soares, 2001).
A análise de consumo de oxigênio feita pelos microrganismos envolvidos em processos de oxidação do substrato é denominada Respirometria (Rozich e Gaudy, 1992 apud Soares, 2001).
Nas estações de tratamento de esgoto baseadas nos sistemas de Lodos Ativados, faz-se cada vez mais o uso de métodos respirométrico para a determinação tanto das atividades biológicas do sistema, como das características de toxicidade e biodegradabilidade dos afluentes a serem tratados, (Andreottola, 2005; Fernandes, 2001).
Participação do oxigênio na remoção de compostos orgânicos e nitrogenados
Nos sistemas de tratamento biológico aeróbio, o substrato orgânico é metabolizado por bactérias aeróbias, por meio da respiração celular:
C6H12O6 + 6O2 ⇒ 6CO2 + 6H2O + ENERGIA
Parâmetros como Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) ou Demanda Química de Oxigênio (DQO), permitem a medida indireta da concentração da matéria orgânica presente no esgoto, a qual pode ser dividida em:
• Biodegradável: que pode ser metabolizada pelos microrganismos;
• Não biodegradável: que não é utilizada pelos microrganismos.
O material orgânico biodegradável pode ainda ser classificado em dissolvido, o qual é rapidamente utilizado, e particulado, que é lentamente utilizado.
A figura 3 ilustra essa divisão da matéria orgânica no esgoto.
De acordo com van Haandel e Catunda (1983) apud Porto (2007), a fração de matéria orgânica utilizada no catabolismo pode ser medida pelo consumo de OD. Estequiometricamente, 1g de OD equivale ao consumo de 1g de DQO destruída, e a síntese de novas células pode ser estimada mediante a medida de sólidos em suspensão voláteis.
Resultados experimentais indicam que a produção de massa bacteriana no metabolismo oxidativo está na faixa de 0,35 a 0,52gSSV/gDQO (van Haandel e Marais, 1999).
Logo, para que se tenha uma eficiente remoção da matéria orgânica e manutenção da biomassa ativa presente no sistema, faz-se necessário, entre outros fatores, a disponibilidade de oxigênio.
Entretanto, a remoção de matéria orgânica não é o único fator envolvendo o consumo de oxigênio observado nos sistemas aeróbios de tratamento. A Nitrificação também compete pelo OD, e deve ser levado em conta na oferta de oxigênio nos tanques de aeração.
NItrificação é a oxidação biológica de amônia, tendo como produto final a formação de nitratos. A reação requer a participação de bactérias específicas da família Nitrobacteracea sendo os gêneros Nitrossomonas e Nitrobacter os mais frequentemente encontrados (Derks, 2007), além da presença obrigatória de OD, por ser tratar de bactérias estritamente aeróbias (Abreu, 2000)
A nitrificação ocorre em duas etapas sequenciais: nitritação e nitratação. Na primeira etapa, observa-se a oxidação da amônia em nitrito, e na segunda etapa, a oxidação de nitrito a nitrato. As etapas podem ser estequiometricamente descritas como segue:
• Nitritação:
NH4+ + 3/2O2 ⇒ Nitrossomonas NO2- +
H2O + 2H+ + ENERGIA
• Nitratação:
NO2- + 1/2O2 ⇒ Nitrobacter NO3- + ENERGIA
A nitrificação é, portanto, um processo que envolve o consumo de oxigênio, onde, de acordo com van Haandel e Marais (1999), são necessários 4 átomos de oxigênio, o que resulta em um consumo de 4,57mgO2/mgN.
De uma forma geral, o consumo de Oxigênio, evidenciado pelo parâmetro DBO, ocorrido numa estação de tratamento de esgoto pode ser esquematizado como mostra o gráfico 1:
Respirometria
De acordo com Andreottola et al(2005), os primeiros a se ocuparem da técnica respirométrica foram os pesquisadores Jenkins e Montgomery, tendo como base seus próprios estudos experimentais acerca da quantificação do consumo de oxigênio em sistemas de Lodos Ativados.
Ferreira et al (2003) comenta que as medidas respirométricas representam o comportamento da biomassa ao degradarem o substrato presente no esgoto.
A determinação de respirogramas, ou da Taxa de Consumo de Oxigênio – TCO, considera as variações na taxa de respiração do lodo em consequência do tipo de substrato acrescido ao sistema e da velocidade de degradação de parte da biomassa (Andreottola, 2005).
O consumo de oxigênio pode se desenvolver em duas fases principais:
• Respiração Exógena – quando o consumo de oxigênio se dá pela degradação de substrato externo à célula bacteriana;
• Respiração Endógena – quando o consumo de oxigênio se dá pela degradação de substrato presente na própria célula bacteriana.
A equação abaixo representa esse fenômeno:
r = rs + rend equação (1)
onde:
r = taxa de respiração total (mg/L.h-1);
rs = taxa de respiração exógena (mg/L.h-1);
rend = taxa de respiração endógena (mg/L.h-1).
Durante a fase exógena, o consumo de oxigênio pode ser influenciado pelo tipo de substrato presente no esgoto, como apresentado na Figura 3, dessa forma, tem-se:
• Substrato rapidamente biodegradável (solúvel) – elevada velocidade de consumo de oxigênio;
• Substrato lentamente biodegradável (particulado) – menor velocidade de consumo de oxigênio que a anterior, porém, superior a endógena.
Em condições endógenas a respiração do lodo tende a uma contínua utilização de oxigênio a uma velocidade relativamente constante e de pouca relevância (Andreottola, 2005).
Dessa forma, as medidas respirométricas, complementadas por análises físico-químicas, pode ser usada para controle do desempenho e da operação de sistemas de lodo ativado porque permite determinar, entre outros:
• o balanço de massa do material orgânico e nitrogenado;
• a toxicidade de afluentes industriais;
• a atividade de lodo em termos da taxa máxima de utilização do material orgânico;
• o grau de estabilização de lodo em digestores aeróbios;
• a cinética do sistema de lodo ativado.
A obtenção da TCO leva em conta o emprego de equipamentos denominados Respirômetros, os quais consistem em um medidor de oxigênio dissolvido acoplado a um computador, onde os dados da concentração de oxigênio em função do tempo são armazenados e posteriormente tratados estatisticamente por um software, e então apresentados na forma de diagramas da TCO em função do tempo.
De acordo com van Haandel e Marais (1999) apud Costa (2006), são necessários o consumo de oxigênio de 2 a 3 mgO2/L para se ter respirogramas confiáveis.
A figura 4 apresenta um modelo de respirômetro.
O princípio de funcionamento é relativamente simples: através do software instalado no computador é possível controlar o acionamento da aeração ligando os aeradores quando a concentração de OD é menor do que o valor de referência estabelecido para o teste, bem como o desligamento dos aeradores, quando a concentração de OD é superior ao estabelecido ao teste. Dessa forma, ao longo do teste, os aeradores serão ligados e desligados de acordo com a concentração de oxigênio. Nos intervalos dessas ocorrências, a sonda de OD enviará os valores medidos ao computador, determinando-se a TCO de forma semi-contínua. A figura 4a demonstra um esquema de sistema automatizado de aquisição de dados da TCO em função do tempo.
A seguir, serão detalhados alguns testes respirométricos e suas aplicabilidades, a saber: determinação de parâmetros cinéticos do processo de nitrificação, caracterização das frações de matéria orgânica presentes no esgoto, monitoramento de compostos tóxicos e determinação da DQO oxidada.
Testes respirométricos para determinação da atividade de bactérias autotróficas (NItrificação)
De acordo com a cinética utilizada por van Haandel e Marais (1999), a concentração residual de amônia em um sistema de tratamento de esgoto que se desenvolva o processo de nitrificação (representadas pelos gêneros Nitrossomona e Nitrobacter) é dada por:
Na= Kn (bn + 1/Rs)/(µm – (bn + 1/Rs)) equação (2)
Onde:
Na = concentração residual de amônia (mgN/L);
Kn = constante de meia saturação (mgN/L);
bn = constante de decaimento de Nitrossomona (d-1);
µm = taxa máxima de crescimento de Nitrossomona (d-1);
Rs = Idade do lodo no sistema de lodos ativados (d).
Van Haandel e Marais (1999) demonstraram que a constante mais importante das três que descrevem o fenômeno de Nitrificação, é a taxa máxima de crescimento de Nitrossomonas, por esse motivo, a determinação experimental dessa constante é de maior importância, uma vez que indica o quanto a população de microrganismo cresce por dia. Por exemplo, uma µm de 0,6d-1 significa que a massa de microrganismos sintetizada aumenta a uma velocidade de 60 por cento ao dia.
É possível obter experimentalmente a constante µm, de uma forma relativamente fácil e rápida, através do uso de técnicas respirométricas.
Quando, durante o teste respirométrico sem a introdução de substrato externo, o lodo atinge a respiração endógena, é possível se adicionar uma quantidade conhecida de Amônia (Cloreto de Amônio) ou de Nitrito (Nitrito de Sódio). Nessas condições as bactérias nitrificantes irão agir, e o resultado observado será o aumento imediato da atividade metabólica, ilustrado pelo aumento da TCO medida, e a diminuição da concentração do substrato empregado.
A seguir, detalha-se uma possível metodologia para realização do teste;
1) Inicialmente liga-se o respirômetro e aguarda-se 10 minutos para então se calibrar o eletrodo de oxigênio com o valor de saturação da temperatura ambiente e altitude local;
2) Retira-se uma alíquota (2 litros) do licor misto do sistema de lodo ativado sob condições estacionárias, desenvolvendo nitrificação. Esta alíquota será submetida à agitação e aeração controlada (condições previamente configuradas no respirômetro), afim de que todo substrato extracelular disponível no licor misto seja utilizado, estabelecendo uma TCO mínima e constante correspondente à respiração endógena (TCO endógena);
3) Estabelecida a respiração endógena, a alíquota será separada em duas partes sendo (1 litro utilizado para análises de caracterização físico-químicas "usado como controle sem adição de substrato") e a outra alíquota (1 litro) efetivamente para o teste. Assim após atingir a TCO endógena será adicionado o substrato específico (Cloreto de Amônia ou Nitrito de Sódio). Deve-se adicionar uma quantidade suficiente de substrato para que o mesmo não seja limitante do processo (substrato >> Ks), permitindo que a nitritação ou nitratação se desenvolva sob taxa máxima;
4) Determina-se então a TCO em função do tempo, inicialmente tendo-se uma TCO alta e constante (TCO máxima ou exógena), correspondente à taxa máxima de nitrificação e respiração endógena;
5) A TCO permanecerá alta até que se conclua o consumo do substrato, observando-se então uma repentina diminuição, até que se obtenha o valor que existia antes da adição, ou seja, da TCO endógena;
6) Ainda, em paralelo, para efeito de controle, deve-se retirar alíquotas do licor misto (10mL) durante o teste com intervalos de 10 minutos e logo em seguida adicionar sulfato de mercúrio para inibir a atividade biológica. As alíquotas devem ser centrifugadas por 15 minutos à 3500rpm, e o sobrenadante (fase líquida) ser utilizado para a determinação de amônia, nitrito e nitrato em função do tempo.
A constante µm é dada pela seguinte equação:
µm= YnrN,máx/Xn = (TCOn,máx/4,57) (1 + bnRs) (Rh/NcRs) equação (3)
Onde:
Yn = coeficiente de rendimento de Nitrossomona (mgSSV/mgDQO);
rN,máx = taxa máxima de nitrificação (mg/L*h);
Xn = concentração de Nitrossomonas (mgSSV/L);
TCOn = taxa de consumo de oxigênio para nitrificação (mgO2/L*d);
Nc = concentração de amônia nitrificada no sistema de tratamento (mgN/L);
Rh = tempo de permanência hidráulica no sistema de tratamento (d)
Na determinação da constante de crescimento máxima de Nitrobacter, deve-se adotar como constante de proporcionalidade da taxa de oxidação de nitrito e a taxa de consumo de oxigênio o valor de 1,21mgO2/L.
A figura 5 ilustra um respirograma teórico obtido em testes como o descrito
Dentro do mesmo teste é possível, ainda, determinar a constante de meia saturação (Kn), cujo valor é igual à concentração do substrato quando µ= 1/2µm ou TCOn = ½TCOn.máx. A importância dessa constante se deve ao fato de que quando a TCO começa a decrescer, o substrato (amônia ou nitrito) torna-se um fator limitante para o crescimento das bactérias nitrificantes.
Segue uma possível metodologia:
1) Após um teste respirométrico onde se adicionou um substrato de amônia ou nitrito, com uma concentração conhecida, obte-se um respirograma;
2) Através do respirograma e dos dados armazenados no Excel, determina-se o momento em que a TCOn é metade da máxima (TCOn = ½TCOn.máx);
3) Após determinar a TCOn, determina-se a área hachurada que corresponde ao substrato residual em (mgO.L-1), através da soma de trapézios;
4) Por fim, calcula-se a concentração do substrato amônia ou nitrito, como a razão do valor da área hachurada pelos respectivos coeficientes estequiométricos de oxigênio por mol do substrato considerado (Kn = amônia /4,57 e Kn = nitrito /1,14).
O gráfico 2 apresenta um respirograma com área hachurada para cálculo do Kn
De acordo com Abreu et al (2000), os valores obtidos por diversos autores para as constantes cinéticas de nitrificação apresentam uma grande dispersão, tendo-se valores para µm entre 0,1 e 1,0 d-1 com média em torno de 0,4d-1, para bn entre 0,0 a 0,1d-1 com média de 0,04d-1 e Kn entre 0,0 e 2,0mg/L com média de 0,5mg/L. O referido autor sugere que parte dessa grande dispersão possa ser atribuída a técnicas experimentais diferentes empregadas para determinar as constantes, mas que as diferenças na composição das águas residuárias empregadas nos testes, indicam que as constantes variam de uma para outra.
Teste respirométrico para determinação da fração biodegradável de matéria orgânica no esgoto sanitário
A caracterização de esgotos domésticos possui uma forte particularidade regional e pode ser descrita como a avaliação dos componentes presentes no esgoto, bem como dos procedimentos analíticos empregados (Ferreira, 2002).
Os sistemas de tratamento biológico de esgoto envolvem uma variedade de processos que não podem ser dimensionados e operados adequadamente sem que existam dados apropriados do esgoto afluente, como sua vazão e frações componentes. Como exemplo pode-se citar que a remoção biológica de fósforo não pode ser operada sem o monitoramento da fração rapidamente biodegradável presente no esgoto (Ferreira, 2002).
Através de técnicas respirométricas é possível determinar as frações de matéria orgânica presentes no esgoto afluente.
A seguir, apresenta-se uma possível metodologia.
1) Inicialmente liga-se o respirômetro e aguarda-se 10 minutos para então se calibrar o eletrodo de oxigênio com o valor de saturação da temperatura ambiente e altitude local;
2) Retira-se uma alíquota (1litro) do licor misto do sistema de lodo ativado sob condições estacionárias. Esta alíquota será submetida à agitação e aeração controlada (condições previamente configuradas no respirômetro), afim de que todo substrato extracelular disponível no licor misto seja utilizado, estabelecendo uma TCO mínima e constante correspondente à respiração endógena (TCO endógena);
3) Estabelecida a respiração endógena, deve-se interromper a aeração para que o lodo possa sedimentar;
4) Após a sedimentação do lodo deve-se sifonar o sobrenadante, restituindo o volume inicial com o esgoto sanitário afluente;
5) Antes de ser iniciada a aeração do conteúdo do béquer deve-se adicionar 10 mg.L-1 de uma solução de alil-tiouréia para inibir a atividade das bactérias autotróficas;
6) O teste deve ser realizado, sendo controlado pelo respirômetro mantendo a concentração de OD no intervalo adotado;
Na Figura 6, pode-se observar um respirograma experimental onde se vê na janela inferior o gráfico da TCO, expressa em mgO2/L*h. Identificam-se nesse gráfico, logo no começo do teste, a utilização do material biodegradável e solúvel e, portanto, rapidamente biodegradável e a do material biodegradável e particulado (que apresenta valor em declínio) e a TCO endógena que representa o valor medido mais baixo e constante do gráfico. As áreas definidas entre a respiração exógena e endógena dão o valor da DQO utilizada e, assim, determinam-se as frações biodegradáveis do esgoto.
Segundo a teoria de lodo ativado (VAN HAANDEL e MARAIS, 1999) quanto à composição do material orgânico do afluente, a fração não biodegradável e solúvel (fus) pode ser calculada à partir dos valores da concentração da DQO no efluente e no afluente conforme a Equação 4:
fus= Ste/Sta equação (4)
Onde:
Sta = concentração de DQO afluente;
Ste = concentração de DQO efluente.
A fração não biodegradável e particulada (fup) pode ser calculada à partir da concentração de lodo volátil (que é a soma da concentração de lodo ativo (Xa), resíduo endógeno (Xe) e lodo inerte (Xi)). Segundo van Haandel e Marais:
Xv= Xa+Xe+Xi = [(1+fb*Rs)*(1-fus-fup)*Cr+fup*Rs]* Sta / Rh=Xt / fcv equação (5)
Onde:
fb = fração biodegradável do lodo;
Cr = massa de lodo ativo presente no sistema por unidade de DQO;
Xt = concentração de lodo;
fcv = produção de massa bacteriana (gSSV/gDQO).
A concentração de lodo ativo (Xa) pode ser determinada pela TCOend obtida no teste respirométrico, admitindo-se os valores de literatura: bh= 0,25d-1, fcv= 1,5mgDQO.mgSSV-1 e f= 0,2; como demonstra a equação abaixo.
Xa= TCOend/[fcv*(1-f)*bh] equação (6)
Onde:
f = fração de lodo orgânico decaído como resíduo endógeno
A fração biodegradável e solúvel (fbs) pode ser determinada com auxilio da Respirometria. Já a determinação da DQO biodegradável afluente ao sistema (Sba) pode ser determinada segundo a Equação 7:
Sba = (1 - fus - fup) * Sta equação (7)
Teste respirométrico na avaliação de toxicidade num sistema de lodos ativados
Segundo Fernandes et al (2001), a toxicidade no sistema de lodos ativados resulta numa diminuição da capacidade metabólica da biomassa, sem estar relacionada com a carga orgânica aplicada.
A medida contínua da TCO permite o acompanhamento do desempenho do sistema, uma vez que sua diminuição, quando não há limitação de substrato, pode ser indicativa de presença de substâncias tóxicas ou inibidoras no afluente.
O emprego de testes respirométricos na determinação de toxicidade pode ser chamado de Toximetria (van Haandel, 1998 apud Fernandes, 2001).
Para tanto, faz-se necessário que se acople ao sistema real um respirômetro e mantenha-o on-line durante a operação da estação. Tal equipamento gerará respirogramas, perfis de TCO em função do tempo. As variações obtidas nas medições poderão ser interpretadas devido a presença, naquele momento, de substâncias tóxicas ou inibitórias.
O gráfico 3 apresenta um respirograma obtido pelo grupo de estudo de Fernandes et al (2001), no monitoramento de duas pilotos, uma recebendo esgoto industrial equalizado (Ee) e outra esgoto industrial bruto (Ei).
Observa-se uma tendência de maior variação na TCO para o esgoto industrial bruto (Ei) do que no esgoto industrial equalizado (Ee), evidenciando que a presença de eventuais cargas tóxicas tinha um efeito transitório sobre a atividade metabólica do lodo.
O emprego da respirometria na operação de estações de tratamento de esgoto permite um melhor controle e avaliação da atividade biológica do sistema, quando comparado com demais testes.
Teste respirométrico na determinação das frações oxidadas e sintetizadas
A área da curva compreendida entre a TCO endógena e a TCO exógena representa o consumo de oxigênio para a utilização do substrato. Esse consumo de oxigênio é equivalente a DQO do substrato consumido no catabolismo. Para avaliar a DQO catabolizada e anabolizada, são feitos testes respirométricos utilizando-se material totalmente biodegradável e solúvel, a exemplo do acetato de sódio. Dessa forma, ao se determinar a fração de DQO oxidada, por diferença desta com a DQO total do substrato, determina-se a DQO anabolizada (Porto, 2007).
Para determinação respirométrica da DQO oxidada, integra-se a área correspondente à TCO exógena (Figura 7). A área obtida corresponde à quantidade de oxigênio utilizada no catabolismo e, conseqüentemente, à DQO oxidada.
Conclusão
Dada a sua relevância, as análises respirométricas estão sendo empregadas em muitos países, como forma de controle e monitoramento das estações de tratamento de esgoto (Soares, 2001).
Seu emprego oferece inúmeras informações a respeito do comportamento do sistema de tratamento, sendo uma excelente ferramenta, tanto na obtenção de parâmetros cinéticos para modelagem e projetos, como no monitoramento das atividades metabólicas do lodo.
Deve-se ressaltar que devido a peculiaridade dos diversos tipos de água residuária, faz-se necessário o estudo in loco da mesma, uma vez que a alteração de alguns componentes presentes no esgoto podem afetar significativamente o comportamento metabólico da biomassa.
Fábio Campos
Mestre em Engenharia Sanitária - EPUSP, Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP
Referências Bibliográficas:
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