Perdas De Águas: Como Reduzir O Desperdício Dos Recursos Hídricos?
Por Suzana Sakai
Edição Nº 40 - dezembro de 2017/janeiro de 2018 - Ano 7
As perdas de água representam um grande problema para os sistemas de saneamento e as empresas que operam esses serviços, independentemente de serem públicas ou privadas. Mais do que o impacto econômico, as perdas de água resultam em um grande desperdício
As perdas de água representam um grande problema para os sistemas de saneamento e as empresas que operam esses serviços, independentemente de serem públicas ou privadas. Mais do que o impacto econômico, as perdas de água resultam em um grande desperdício dos recursos hídricos, além de trazer o risco de contaminação da água. Dados de 2013 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que as perdas na distribuição estão em 37% e que as perdas financeiras totais estão em 39%.
Com a recente crise hídrica que afetou algumas regiões do país, em especial Sudeste e Nordeste, este problema ganhou ainda mais evidência, movimentando autoridades, formadores de opinião e companhias do setor em busca de uma solução para a perda de águas.
Nesse sentido, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, realizou o estudo "Perdas de Água - Desafios ao Avanço do Saneamento Básico e a Escassez Hídrica".
O levantamento desenvolve um diagnóstico detalhado da situação das perdas de água no Brasil, com o objetivo de informar ao público sobre a situação das perdas no país, mostrando análises como situação e evolução dos índices de perdas (com informações de 2013) e cálculo do impacto atual das perdas em termos monetários e os possíveis ganhos da sua redução para diferentes cenários. "Observa-se que apesar dos avanços do Brasil na redução de perdas, ainda são necessários muitos esforços para atingir níveis eficientes, tendo-se em vista que os índices de perdas de faturamento total e na distribuição em 2013 foram de 39,07% e 36,95%, respectivamente. A evolução da redução de perdas médias no período de cinco anos (2009-2013) foi de 3,30 p.p. para perdas de faturamento e 3,68 p.p. em relação à distribuição. Ou seja, as perdas têm caído menos de 1 p.p. ao ano. Isso mostra a preeminência de mais velocidade no ritmo da redução" - afirmam Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, e Pedro Scazufca e Álvaro Menezes, sócios da GO Associados.
Perdas de água
Para entender os desafios das perdas de água é preciso primeiramente compreender como elas ocorrem. Em qualquer processo de abastecimento de água por meio de redes de distribuição no mundo acontecem perdas do recurso hídrico, que podem ser classificadas como reais ou aparentes.
As chamadas perdas reais equivalem ao volume de água perdido durante as diferentes etapas de produção - captação, tratamento, armazenamento e distribuição - antes de chegar ao consumidor final. Já as perdas aparentes correspondem aos volumes de água consumidos, mas não autorizados nem faturados. "Todas essas perdas trazem vários impactos negativos, para a sociedade, ao meio ambiente, à receita das empresas e mesmo aos investimentos necessários aos avanços do saneamento" - enfatizam Édison, Pedro e Álvaro.
Em outras palavras, pode-se dizer que as perdas reais são aquelas decorrentes de vazamentos na rede de distribuição de água, ou também causado por extravasamento de reservatórios, e as perdas aparentes se referem ao volume de água que não é contabilizado no faturamento devido às falhas na medição de consumo (hidrômetro), ou também pela sua imprecisão de leitura. As ligações clandestinas e outros tipos de fraudes também entram na contabilização das perdas aparentes. "Caso o cadastro comercial tenha falhas, o erro causado também influi nesse tipo de perdas. Essas perdas impactam na disponibilidade de recursos hídricos e no custo total da água tratada, ainda mais quando há volume de água consumida e sem o devido faturamento, influenciando no balanço financeiro da empresa responsável pelo abastecimento" - explica Douglas Miranda de Almeida, consultor técnico da Bentley Systems Brasil.
Estas perdas trazem graves consequências tanto para as empresas do setor, como para a população em geral. As perdas reais resultam em efeitos no meio ambiente como: desperdício do recurso hídrico, necessidades de ampliações de mananciais e desnecessárias pressões sobre as fontes de abastecimento do recurso hídrico.
Em termos financeiros, as perdas reais e as aparentes prejudicam amplamente as distribuidoras de água, gerando um maior custo dos insumos químicos, energia para bombeamento, entre outros fatores de produção, além dos gastos com manutenção da rede e de equipamentos. O estudo desenvolvido pelo Instituto Trata Brasil e a GO Associados calcula que durante o ano de 2013 dos 16,6 bilhões de m3 de água produzidos, 6,52 bilhões de m3 correspondem a água não faturada. A título ilustrativo, o volume total da água não faturada é equivalente a: 6,5 vezes a capacidade do Sistema Cantareira 2 (1 bilhão de m3); ou 7.154 piscinas olímpicas perdidas ao dia; ou 17,8 milhões de caixas de água de 1.000 litros perdidas por dia; ou a produção de água de 5 anos da cidade de São Paulo e 6 anos do Rio de Janeiro, tendo como referência os valores de 2013. "Em particular, foram calculadas perdas 2,36 bilhões de m3 de perdas aparentes com custo de R$ 6,74 bilhões e 3,55 bilhões de m3 de perdas reais com custo de R$ 1,086 bilhões" - afirmam Édison, Pedro e Álvaro.
Soluções
A boa notícia é que já existem no mercado sistemas e tecnologias que, aliadas a uma mudança cultural e a uma boa gestão dos recursos, podem mudar o panorama atual. Experiências nacionais e internacionais mostram que com as estratégias corretas é possível reduzir o impacto das perdas de água.
Entre as medidas necessárias para minimizar o desperdício dos recursos hídricos se destacam: aumento do nível de macro e micro medição; adoção de hidrômetros de maior precisão (novas tecnologias); melhora dos procedimentos cadastrais e de faturamento; manutenção preventiva aos hidrômetros; implementação de programa de redução de perdas sociais; monitoramento constante do sistema; manutenção preventiva das redes e plantas; incremento da eficiência operacional nas fases de tratamento e transporte; adoção de novas tecnologias para monitoramento da produção e redes; setorização de redes e monitoramento da pressão; implementação de quadrilhas de detecção de vazamentos (experiência Japão).
No mercado existem diversas tecnologias e metodologias para a redução das perdas de água. A aplicação de cada uma delas deve ser criteriosamente avaliada, levando-se em consideração as características dos sistemas de abastecimento onde essas tecnologias e metodologias serão adotadas e a relação custo-benefício de cada uma delas. "As tecnologias disponíveis e em uso têm atuação definida para cada situação de combate às perdas, sejam elas reais ou aparentes. No caso das reais, as ações relacionadas com a redução e pesquisa de vazamentos, controle operacional, eficiência energética e automação, por exemplo, podem ser bem desenvolvidas com os equipamentos disponíveis. Por outro lado, para combater as perdas aparentes, pode se observar os avanços que houve na micromedição, mostrando que há equipamentos de melhor qualidade e precisão, porém de elevado preço ainda para aplicação na maior parte dos consumidores brasileiros. Desta forma, não se pode entender que a redução de perdas no Brasil esteja a depender de tecnologias e sim, muito mais, da capacidade de acessá-las ou trazê-las do exterior quando é o caso"- destacam Édison, Pedro e Álvaro.
A implantação de válvulas redutoras de pressão (VRPs) para controle de pressão da rede de distribuição é umas das principais ações para redução de perdas reais. "Juntamente com esse plano, o estudo de troca seletiva de redes para renovação é outra ação a ser destacada. A pesquisa por pontos de vazamentos para reparos é outro ponto importante. Essas três ações são apoiadas de forma direta pela modelagem hidráulica. Ferramentas como o Pressure Zone Manager, Darwin Calibrator e o SCADAConnect do Bentley WaterGEMS apoiam nas ações para redução de perdas reais e das aparentes também" - recomenda Douglas.
Para as perdas aparentes, algumas das ações que costumam ser tomadas é a troca de hidrômetros antigos por modelos mais precisos e seguros; regularização de ligações em áreas carentes como favelas; combate a fraudes e sinistros; e a medição efetiva de cada economia (residencial, comercial, industrial e pública). "O software WaterGEMS também apoia essas ações de redução das perdas aparentes, através de suas ferramentas de calibração dos dados de demanda e conexão direta com o banco de dados comercial de consumo efetivo" - indica o consultor técnico da Bentley Systems Brasil.
Além destes recursos, existem tecnologias no mercado que apoiam o estudo de redução de perdas em vários aspectos: softwares para simulações hidráulicas; ferramentas de escuta e escaneamento; equipamentos de leitura de dados (hidrômetros; loggers); materiais de redes. A aplicação de tecnologias para a redução de perdas visa ao apoio e ao aumento da efetividade das ações tomadas para ter os resultados alcançados. "O emprego de novas tecnologias requer mão de obra capacitada, para que seja feito de maneira correta. A tecnologia está cada vez mais ganhando espaço nessa área, como o uso de softwares para modelagem hidráulica operacional, já que visam colocar o sistema de distribuição de água simulado de forma calibrada para que os operadores possam estudar os possíveis locais de perdas de águas pela simulação matemática, conectado a dados de campo"- ressalta Douglas.
Apesar das tecnologias disponíveis, o combate às perdas depende muito mais de uma ação gerencial que integre recursos, competências, habilidades e modelos de gestão. "Sem dúvidas, ter objetivos e metas empresariais bem definidos e gerenciados, incluindo aí a meta da redução das perdas, é uma das formas de mudar o panorama atual e avançar.
A mudança é mais de hábitos que de métodos, de modo que se incentive permanentemente a busca da eficiência gerencial de forma profissional para desenvolver projetos, implantar soluções viáveis e controlar seus resultados com indicadores de qualidade" - afirmam Édison, Pedro e Álvaro.
Controle das perdas
A Sabesp é uma das empresas brasileiras que tem investido fortemente em ações de combate à perda de recursos hídricos. Em 2009, a companhia criou o Programa Corporativo de Redução de Perdas de Água para atingir resultados consistentes em longo prazo, através da integração e uniformização das ações e da garantia do suporte financeiro que assegure a continuidade destas ações ao longo dos anos. Desde então, já foram aplicados R$ 4,4 bilhões. Além disso, em 2012 a companhia assinou um contrato de financiamento, em parceria com o governo japonês, através da sua Agência de Cooperação Internacional (JICA – Japan International Cooperation Agency) para buscar soluções de combate à perda de água. "Essa parceria com a JICA é fundamental, pois, além de garantir ótimas condições de financiamento, tem proporcionado a transferência de conhecimento das melhores práticas utilizadas no Japão, que tem os sistemas de abastecimento com os menores índices de perdas do mundo" - conta o engenheiro Alex Orellana, gerente do departamento de gestão do Programa Corporativo de Redução de Perdas de Água.
A estruturação do programa corporativo de combate às perdas é a principal estratégia da Sabesp para atingir resultados consistentes em longo prazo, através da integração e uniformização das ações e da garantia do suporte financeiro que assegure a continuidade destas ações ao longo dos anos. Entre as ações adotadas pela companhia para redução das perdas reais estão: a substituição de ramais e redes de distribuição (em especial aqueles que já têm histórico de vazamentos) por tubulações de PEAD (Polietileno de Alta Densidade), material que permite a implantação por métodos não-destrutivos, exige menor quantidade de juntas e possui características mecânicas adequadas; a subdivisão de setores de abastecimento em áreas menores, chamadas de Distritos de Medição e Controle (DMC), o que facilita a operação, gestão da pressão e localização de vazamentos; a pesquisa e reparo de vazamentos não-visíveis, que são responsáveis pelos maiores volumes de perdas reais, em varreduras realizadas em pelo menos 75% da extensão total de rede por ano; e a implantação e adequação de Válvulas Redutoras de Pressão (VRP) e macromedidores, que possibilitam a estabilização das pressões nas redes de distribuição, o planejamento das ações de combate às perdas e a apuração dos resultados provenientes delas.
Já para reduzir as perdas aparentes foram priorizados projetos como: combate a irregularidades, como fraudes e furtos de água por meio de ligações clandestinas, que prejudicam o meio ambiente e geram perda de faturamento para a empresa prestadora do serviço; e a substituição constante de hidrômetros, evitando a submedição do consumo real do cliente, ocasionado pelo desgaste mecânico natural dos equipamentos.
Desde o início do programa, o Índice de Perdas relativo à Micromedição (IPM) caiu 2,9 pontos percentuais, de 34,1% para 31,2%. Esta redução corresponde a uma economia de cerca de 109 bilhões de litros, volume suficiente para abastecer, durante um ano, uma população de mais de 1,2 milhões de habitantes, equivalente à soma dos municípios de Osasco, Diadema e Bragança Paulista.
A meta é que em 2020 o índice de perdas relativo à micromedição chegue a 27,6%, que corresponde a um nível de perdas reais (vazamentos) em torno de 17,9% - comparável aos melhores sistemas de abastecimento do mundo. "Após atingir níveis satisfatórios, o trabalho para mantê-los deve ser constante, pois as estruturas sofrem desgaste naturalmente com o uso e, sem um maior controle, as perdas aparentes (fraudes e ligações clandestinas) tendem a aumentar. Portanto, as ações de combate a perdas devem ser aplicadas de forma contínua, ou seja, sempre será necessário realizar manutenções preventivas e corretivas, e, em alguns casos, realizar a renovação ou substituição da infraestrutura instalada. Também é importante esclarecer que, quanto menor o patamar das perdas, maior o esforço e o volume de recursos exigidos para sua redução. Assim, a redução das perdas não é uma tarefa fácil, demandando sempre grandes esforços e aplicação de recursos" - afirma Alex.
Contatos:
Bentley: www.bentley.com.br
GO Associados: www.goassociados.com.br
Instituto Trata Brasil: www.tratabrasil.org.br
Sabesp: www.sabesp.com.br