Poluentes Emergentes: Risco À Saúde E Ao Meio Ambiente
Por Carla Legner
Edição Nº 26 - agosto/setembro de 2015 - Ano 5
A falta de água e má distribuição dos recursos hídricos são problemas que atingem, atualmente, grande parte da população. Devido à baixa oferta de água, alguns municípios buscam alternativas para suprir a demanda e a necessidade da região,
A falta de água e má distribuição dos recursos hídricos são problemas que atingem, atualmente, grande parte da população. Devido à baixa oferta de água, alguns municípios buscam alternativas para suprir a demanda e a necessidade da região, recorrem às águas subterrâneas, que podem apresentar qualidades e vazões variáveis.
Outra possibilidade é o uso de reservatórios para acumular água no período de cheia pensando em suprir a necessidade nos períodos com mais dificuldade. No entanto, este tipo de recurso depende da ocorrência de volumes adequados de precipitação para se restabelecer.
Algumas regiões ainda não tem saneamento básico, sofrem com condições inadequadas para a manutenção da higiene da população e para a proteção do ambiente, incluindo os manejos de resíduos sólidos e águas pluviais, esgotamento sanitário e abastecimento público de água. O crescimento populacional é um dos problemas para melhoria na área de saneamento básico, pois dificilmente acompanham o ritmo do crescimento demográfico.
Em situações em que não há rede pública de coleta de esgoto, os dejetos recebem vários destinos onde diversas alternativas para a disposição e tratamento do esgoto, são colocadas em prática, como por exemplo, as fossas sépticas, rudimentar ou seca e lançamento em corpos d’água. Nesses casos as empresas responsáveis pela rede coletora realizam apenas o serviço de afastamento do esgoto da região metropolitana. Essa prática é bastante empregada nas cidades litorâneas, nas quais as empresas de saneamento realizam o lançamento dos efluentes por emissários submarinos.
Ao lançar o esgoto diretamente nas águas superficiais, sua qualidade é bastante prejudicada e, em alguns casos, contaminando até os mananciais. Uma vez impactado, o manancial precisa receber um tratamento adequado para atingir a qualidade necessária para o uso pretendido. No Brasil a água de abastecimento público deve apresentar um padrão de potabilidade regulado pelo Ministério da Saúde, atualmente estabelecido pela portaria MS nº 2.914 de 2011. Este padrão serve para garantir que a água não ofereça riscos à saúde humana.
Tratamento do esgoto
O esgoto industrial e seus contaminantes são mais fáceis de serem controlados e combatidos, quando comparado ao esgoto sanitário, pois as indústrias dispõem de estações de tratamento, as quais são dedicadas para a conversão dos contaminantes gerados, ou para o atendimento à legislação vigente. Em contra partida, no caso do esgoto sanitário, o mesmo possui uma extensão que dificulta a identificação, tratamento e controle dos contaminantes.
O esgoto quando coletado, é encaminhado para as Estações de Tratamento de Efluentes (ETE), a fim de reduzir a carga de contaminantes. O efluente líquido tratado é lançado nas águas superficiais, e o resíduo sólido, tal como areia e biomassa, são encaminhados para aterros sanitários. Os solos impactados podem contaminar tanto as águas superficiais, pelo escoamento de água na superfície do solo, quanto as águas subterrâneas, pela infiltração dos contaminantes.
Os mecanismos de recarga das águas subterrâneas também podem ser vias de transporte para que os de contaminante se transportem entre os corpos d’água. O lançamento de efluentes de ETE é apontado como a principal via de contaminação de corpos aquáticos. No Brasil, alguns municípios abastecem a população com água captada em mananciais impactados por diferentes tipos de contaminações, como esgoto sanitário, despejos industriais, descarte inadequado de lixo, entre outros.
Dentro desta perspectiva, a não eficiência
de remoção de contaminantes pelos processos empregados nas estações de tratamento pode expor a população às substâncias tóxicas, como, por exemplo, os poluentes emergentes, considerados os novos contaminantes ambientais.
Contaminantes emergentes
Em sua tese de doutorado, Igor Cardoso Pescara define contaminantes emergentes (CE) como substâncias naturais ou sintéticas e microrganismos que recentemente têm sido encontrados no ambiente em concentrações, que podem afetar tanto a vida selvagem como à saúde humana. São substâncias químicas usadas no nosso dia a dia que acabam indo para os esgotos dando origem a outras substâncias.
Quando os esgotos são tratados, muitas vezes estas substâncias não são removidas e acabam contaminando também o ambiente e as águas.
De acordo com Magda Bereta, professora e coordenadora dos Laboratórios de Análise de Água e Efluentes, e Biotoxicologia do DEA/EP-UFBA, os contaminantes emergentes são caracterizados por não estarem especificados em legislações e o conhecimento sobre eles, tais como formas de contaminação, rotas, matrizes ambientais e remoções ainda é escasso. A descoberta destes compostos no meio ambiente se tornou possível através da evolução de equipamentos de amostragem e análises.
Dentre os grupos de compostos que podem ser classificados como contaminantes emergentes, podem-se citar os hormônios (endógenos e sintéticos), os fármacos, os produtos de higiene pessoal, os agrotóxicos, as nanopartículas, entre outros. A pouca informação sobre os possíveis efeitos crônicos que estas substâncias podem causar aos seres humanos é a maior preocupação quanto a estes contaminantes. Não existe controle sobre o que é destinado e quais os efeitos que esses resíduos podem causar.
Estas substâncias têm sido introduzidas no ambiente em larga escala e, devido às suas propriedades físico-químicas, como persistência, volatilidade, lipofilicidade etc, são amplamente distribuídas no ambiente e podem causar grandes impactos à saúde ambiental por um período de tempo indeterminado, em longo prazo. Muitas possuem caráter lipofílico, ou seja, têm afinidade com lipídios, logo, com os hormônios humanos.
Mas se engana quem diz que os poluentes associados aos problemas de contaminação são de responsabilidade apenas dos resíduos industriais. Muitos são usados como aditivos em uma série de produtos de consumo, e sendo também de responsabilidade humana, quando não damos o descarte correto a eles, tais como: embalagens de alimentos e bebidas; produtos de limpeza; móveis; xampus, cosméticos, cremes de barbear e outros produtos relacionados e pesticidas de uso doméstico ou agrícola.
Existe também o caso dos poluentes gerados como subprodutos de forma não intencional através de processos industriais ou de sistemas de manejo de resíduos. Resultados de vários processos de produção, uma série de compostos tóxicos podem ser encontrados como contaminantes no ar e na água próximos a incineradores, aterros sanitários, usinas elétricas, siderúrgicas e outras plantas industriais, além dos contaminantes em alimentos como carnes, peixes, ovos e leite.
Risco à saúde
Alguns contaminantes emergentes, devido a sua estrutura química, podem atrapalhar e modificar o funcionamento ideal do sistema endócrino, tanto de seres humanos quanto de outros seres vivos. Estes compostos podem ser reconhecidos como hormônios ou podem ativar ou desativar os sítios dos receptores celulares, e são denominados interferentes endócrinos (IE). Esta classe de compostos também é conhecida como perturbadores endócrinos, agentes hormonalmente ativos e, erroneamente, disruptores endócrinos.
Alguns problemas são apontados como consequência da exposição crônica aos interferentes endócrinos, tais como a diminuição na eclosão de ovos, disfunções no sistema reprodutivo e alterações no sistema imunológico de mamíferos. Nos seres humanos também pode ocasionar diferentes tipos de câncer, como de mama, de ovário, de testículo e de próstata, redução da quantidade de espermatozoides, entre outros.
Em pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA) do instituto de Química da Unicamp, a progesterona e o estradiol foram algumas das substâncias comuns encontradas em amostras de água de torneira colhidas em 16 capitais brasileiras. O corpo absorve apenas uma parte do medicamente que é ingerido, cerca de 70% são excretados e eliminados na urina, posteriormente parando no sistema de esgoto e, ao final dos processos de limpeza da água, ainda está presente na água potável, sendo assim, um dos itens mais comuns entre os poluentes emergentes.
No caso da progesterona e o estradiol correspondem a hormônios presentes nas pílulas anticoncepcionais. A presença dessas substâncias na água comum pode estar relacionada a casos de infertilidade, especialmente a masculina, e também à menarca, cada vez mais precoce nas mulheres entre outros problemas. É claro que esses efeitos não se apresentam em curto prazo, mas ao longo de vários anos, efeito cumulativo e crônico da ingestão dessas e outras tantas substâncias em quantidades mínimas durante toda a vida.