Análise De Água Mineral Em Porto Alegre
Por Alan Da Silva, Paulo José Menegasso, Michele Kimieciki E Dr. Luciano Peske Ceron
Edição Nº 16 - dezembro de 2013/janeiro de 2014 - Ano 3
O objetivo desse trabalho é verificar por meio de análises instrumentais, as concentrações de componentes presentes em sete marcas de água disponibilizadas no mercado de Porto Alegre/RS.
O objetivo desse trabalho é verificar por meio de análises instrumentais, as concentrações de componentes presentes em sete marcas de água disponibilizadas no mercado de Porto Alegre/RS. No entanto, surgem questões como: Quais seriam os procedimentos impostos para que essa água finalmente chegue ao consumidor? Quais órgãos competentes padronizariam os requisitos para o consumo dessa água? Será que ingerimos realmente o que é descrito no rótulo das garrafas? Se sim, será que estão dentro dos padrões previstos por lei? Até que ponto o consumo de água envasada se justifica em termos de qualidade? Esta e outras questões o artigo pretende responder.
Introdução
Atualmente no Brasil, o consumo de água envasada1 apresenta crescimento de aproximadamente 15% ao ano2. Isso ocorre porque a maioria dos consumidores encontra na água mineral envasada o que procuram uma água insípida e inodora, o que não ocorre na água distribuída pela rede de abastecimento público.
Tendo em vista a enorme dimensão de negócios, e de lucros que o mercado de águas envasadas abrira, foram investidos neste, cerca de 13,69 milhões reais, para fins de pesquisas, às quais caberiam as funções de intensificar, aprimorar e melhorar a produção dessas águas, para que fosse possível suprir a demanda que em pouco tempo intensificaria. Os maiores investimentos deram-se no período de 2005-2006, onde foram creditados a este setor cerca de 8,3 milhões de reais. Já o menor índice de investimento deu-se no período de 2007-2008, apenas 5,3 milhões de reais. Essa significativa queda de investimentos de pesquisa deu-se devido a este setor apresentar-se consolidado, restando apenas buscar alcançar novos consumidores3.
A produção brasileira de águas envasadas passou de 3,73 milhões de litros para 4,37 milhões de litros, durante o período de 2001-2008. Em 2005 houve o maior índice produtivo de água envasada, até então. Certamente isso ocorreu devido ao forte investimento nesse setor, durante o mesmo ano, aproximando-se de 4,2 milhões de reais4.
Devido às condições de distribuição desta água pelas redes públicas, há o "preconceito" de que a mesma não seja boa, sendo que na maioria das vezes atende aos padrões, pré-estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Devido ao tratamento da água potável ocorrer em grande escala, essa, apresenta muitas vezes um gosto mais forte, isso remete ao cloro presente, adicionado à mesma, com o intuito de melhor purificá-la. Diante destas características organolépticas da água potável, muitas famílias optam pela água envasada, buscando consumir uma água de qualidade superior. Mas será mesmo que estariam dentro dos parâmetros de qualidade?
Segundo o art. 35 da Portaria nº 374 de 1º de outubro de 20095, serão classificadas, quanto sua composição química, em:
I - oligominerais, quando, apesar de não atingirem os limites estabelecidos, forem classificadas como minerais pelo disposto nos §§ 2° e 3°, do art. 1º da presente lei;
II - radíferas, quando contiverem substâncias radioativas dissolvidas que lhes atribuam radioatividade permanente;
III - alcalino-bicarbonatadas as que contiverem, por litro, uma quantidade de compostos alcalinos equivalentes, no mínimo, a 0,200 g de bicarbonato de sódio;
IV - alcalino-terrosas as que contiverem, por litro, uma quantidade de compostos alcalino-terrosos equivalente, no mínimo, a 0,120 g de carbonato de cálcio, distinguindo-se:
a) alcalino-terrosas cálcicas, as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,048 g de cationte Ca sob a forma de bicarbonato de cálcio;
b) alcalino-terrosas magnesianas, as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,030 g de cationte Mg sob a forma de bicarbonato de magnésio;
V - sulfatadas, as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,100 g do anionte6 SO4 combinado aos cationtes Na, K e Mg;
VI - sulfurosas as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,001 g de anionte S;
VII - nitradas, as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,100 g do anionte NO3 de origem mineral;
VIII - cloretadas, as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,500 g do NaCl (Cloreto de Sódio);
IX - ferruginosas as que contiverem, por litro, no mínimo, 0,005 g do cationte Fe;
X - radioativas as que contiverem radônio em dissolução, obedecendo aos seguintes limites:
a) francamente radioativas, as que apresentarem, no mínimo, um teor em radônio compreendido entre 5 e 10 unidades Mache7, por litro, a 20°C e 760 mm de Hg de pressão;
b) radioativas as que apresentarem um teor em radônio compreendido entre 10 e 50 unidades Mache por litro, a 20°C e 760 mm Hg de pressão;
c) fortemente radioativas as que possuírem um teor em radônio superior a 50 unidades Mache, por litro, a 20°C e 760 mm de Hg de pressão.
XI - Toriativas, as que possuírem um teor em tório em dissolução, equivalente em unidades eletrostáticas, a 2 unidades Mache por litro, no mínimo.
XII - Carbogasosas, as que contiverem, por litro, 200 ml de gás carbônico livre dissolvido, a 20°C e 760 mm de Hg de pressão.
§ 1º - As águas minerais deverão ser classificadas pelo DNPM de acordo com o elemento predominante, podendo ser classificadas mistas as que acusarem na sua composição mais de um elemento digno de nota, bem como as que contiverem iontes8 ou substâncias raras dignas de nota (águas iodadas, arseniadas, litinadas, etc).
§ 2º - As águas das classes VII (nitratadas) e VIII (cloretadas) só serão consideradas minerais quando possuírem uma ação medicamentosa definida, comprovada conforme o § 3° do Art. 1º da presente Lei.
Essa pesquisa tem como principal finalidade, analisar algumas das marcas de águas minerais engarrafadas, encontradas no mercado porto alegrense, para que deste modo seja possível verificar se as mesmas encontram-se dentro dos padrões legais estabelecidos pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº. 274, de 22 de setembro de 2005, CONAMA nº 357/2005 e a Portaria 518 do Ministério da Saúde.
Metodologia e materiais
Para o estudo como materiais e métodos foram adquiridos no comércio de Porto Alegre sete amostras de águas envasadas, de diferentes fornecedores, listadas na Tabela 1. Foram submetidas a análises instrumentais, tendo como objetivo os conhecimentos qualitativo e quantitativo dos íons e ânions dispostos nestas.
No período de leitura das amostras, as mesmas foram analisadas visando todos os parâmetros que os instrumentos analíticos utilizados fossem capazes de detectar, por mais que não constassem nem mesmo no rótulo.
As análises foram realizadas no laboratório da Bioensaios Análises & Consultoria Ambiental, localizado em Viamão, utilizando os seguintes equipamentos:
Espectrofotômetro de Emissão Óptica
As determinações dos elementos foram realizadas por ICP-OES (espectrofotômetro de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado, marca Perkin Elmer, modelo Optima 7300DV), equipadas com câmara de nebulização Mira Mist, tocha com tubo injetor de quartzo e amostrador automático.
O plasma foi gerado a partir de argônio e suas vazões otimizadas para as determinações foram de 0,6 L/min para o gás nebulizador, 0,2 L/min para o gás auxiliar e 15 L/min para o gás principal, com o emprego da potência de 1300 W. As leituras foram realizadas no modo axial de visualização do plasma, nos comprimentos de onda de cada parâmetro, mostrados na Tabela 2.
Cromatógrafo
Para análise de ânions comuns na água: cloretos, fluoretos, sulfetos e nitratos foi utilizado Cromatógrafo de íons acoplados a diferentes dectetores IC Compacto Pro 881, Dectetor condutométrico (µS), amperométrico contínuo ou pulsado (nA), UV-VIS (absorbância) ou índice de refração.
Canal: Condutividade
Tempo de Registro: 20 minutos
Tipo de Coluna: Metrosep A Supp 5 – 150/4.0
Composição do Eluente: A Supp 5 – 1,0 Mm NaHCO3/3,2 Mm Na2CO3
Fluxo: 0,700 mL/min.
Pressão: 8,05 Mpa
Temperatura: 28,1 °C
pHmetro
Com o auxílio do pHmetro de campo portátil denver up25 ph/mv/ise/temp foi possível a determinação de alcalinidade, a partir da titrimetria. Com o uso do pHmetro observou-se a quantidade de titulante gasto até atingir o pH 8,4.
Resultados e discussão
Os resultados na Tabela 3 representam as variações das concentrações de determinados parâmetros analisados, ilustrando as discrepâncias (alguns aceitáveis em função da não uniformidade da fonte), com o que está descrito no rótulo da água mineral comercializada. As análises detectaram alguns elementos em concentrações que ultrapassam os limites da legislação.
Observa-se nas amostras 1 e 4 teor elevado de fluoreto, acima dos limites impostos pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e Ministério da Saúde, sendo contra indicada às crianças, gestantes e pessoas que façam uso de medicamentos contendo flúor.
O fluoreto de águas naturais pode ser originado pela dissolução de minerais como a fluorita, apatita, micas e anfibólios, e também pela desadsorção em argilominerais, principalmente em águas de natureza mais alcalina (Hounslow, 1995).
Ao analisar o rótulo das amostras 1 e 4 constatou-se outra inadequação, de acordo com o item 7.2.2 da Resolução de diretoria colegiada nº 274, de 22 de setembro de 2005, o rótulo desta água comercializada encontra-se irregular, diante das seguintes exigências:
7.2.2. Devem constar, obrigatoriamente, as seguintes advertências, em destaque e em negrito:
a) "Contém Fluoreto", quando o produto contiver mais que 1 mg/L de fluoreto;
b) "O produto não é adequado para lactentes e crianças com até sete anos de idade", quando contiver mais que 2 mg/L de fluoreto;
c) "O consumo diário do produto não é recomendável: contém fluoreto acima de 2 mg/L", quando contiver mais que 2 mg/L de fluoreto;
Uma vez que a água comercializada não contém as informações necessárias, a mesma põe em risco a integridade física do consumidor, pois dentre danos causados pelo excesso de flúor ingerido está a fluorose dentária ou óssea.
Na amostra 2 observa-se a presença de nitrato com concentração acima do permitido pelo CONAMA, e nitrito dez vezes acima do limite máximo imposto pelo DNPM. É alarmante, uma vez que o nitrato se reduz para nitrito, que compete com o oxigênio do sangue, desenvolvendo no consumidor uma doença rara, a metahemoglobina, conhecida como doença do sangue azul.
Na amostra 2 e 3 apresentaram teor de nitrato acima do limite máximo permitido pelo CONAMA.
A amostra 4 contém concentrações de nitrato, nitrito e fluoreto acima do permitido pelos órgãos regulamentadores. Assim como as amostras 1, 2 e 3, essa também pode acarretar em desenvolvimento de fluorose e metahemoglobinemia, consideradas doenças graves.
Na amostra 5 não foram detectados teores de nitrato nem nitrito durante as análises, mas a concentração máxima de vanádio ultrapassou o limite permitido pelo CONAMA, que é o único órgão legislador no Brasil que impõe limite máximo permissível a este elemento. A ONU recomenda limite máximo de 0,1 mg/L de vanádio para as águas de irrigação.
A amostra 6 não possui excessos de limites permissíveis em nenhum dos parâmetros analisados, logo, esta água obedece a todos os requisitos impostos pelos órgãos regulamentadores, estando apta ao consumo.
A amostra 7 apresenta-se dentro dos limites impostos pela órgãos regulamentadores. Assim como a água da amostra 6, está adequada ao consumo por qualquer pessoa, sem oferecer riscos à saúde da mesma.
Conclusão
No decorrer das análises detectaram-se irregularidades significativas nas composições das amostras, tanto dentre os parâmetros analisados por meio de espectrofotometria de emissão óptica, quanto na cromatografia iônica.
Após as séries de análises que foram submetidas as sete amostras de águas minerais comercializadas em Porto Alegre e região metropolitana, dessas, apenas duas amostras estão completamente adequadas para consumo, enquanto as outras cinco amostras apresentam alguma irregularidade, segundo os padrões impostos pelo DNPM, CONAMA e Ministério da Saúde.
Mediante análises comparativas entre as cinco amostras constatadas como impróprias para consumo, a amostra de água mineral nº 4 apresenta maior risco em potencial à saúde dos consumidores. Visto que a água nº 4 possui concentrações de fluoreto, nitrato e nitrito, acima dos limites máximos aceitáveis pelas organizações regulamentadoras, essa, propicia em grau elevado, o desenvolvimento de algumas doenças, como as citadas acima. Desta forma, a água da amostra nº 4, a partir dos conhecimentos químicos é vista como imprópria e gravemente prejudicial ao consumidor, devendo ter sua comercialização proibida, sua qualidade restaurada, ou sua fonte de exploração desativada, se assim for julgado necessário pelos órgãos competentes.
Ao contrário das outras amostras, as águas das amostras 6 e 7, não apresentaram concentrações excessivas, estando plenamente próprias ao consumo. Dentre essas duas águas, a da amostra nº 6 é a mais recomendada, por apresentar menor dureza (Cálcio e Magnésio), fazendo com que a água seja mais saborosa, de fácil ingestão, livre de gostos e odores, além de uma textura mais leve.
Este estudo indica que deveria haver maior rigor pelos órgãos de fiscalização, com amostragens periódicas, pois os resultados apresentam elementos acima do limite permitido em algumas marcas.
1 Segundo normas legais da Anvisa define-se o termo "água envasada" como caracterização do engarrafamento de águas minerais naturais, naturais ou adicionadas de sais.
2 www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/ set1107.pdf – agosto, 2012).
3 DIDEM/DNPM. Valores investidos
4 Anuário Mineral Brasileiro – AMB 2001 a 2008.
5 Disponível http: www.dnpm-pe.gov.br/Legisla/Port_374_09.htm.
6 Termo utilizado no Brasil para designar um átomo ou grupo de átomos com carga negativa, íon com carga negativa, ânion.
7 Mache, (símbolo ME de l’ alemão Mache-Einheit, plural Maches) é uma unidade de medida da radioatividade volúmica anteriormente utilizada como indicação da concentração de rádio nas águas de nascentes e litro de ar. Desde 1985, esta unidade foi substituída por Becquerel (símbolo Bq) por litro e n’ é utilizado mais. O nome da unidade é uma homenagem ao físico austríaco Henrich Mache.
8 Átomo ou grupo de átomos que tem uma carga elétrica e que provém da dissociação eletrolítica de um composto ou da ação de certas radiações.
Dr. Luciano Peske Ceron
Doutor em Engenharia de Materiais (Filtração/Particulados), Mestre em Polímeros (Não tecidos), Engenheiro Químico, Especialista em Gestão Ambiental. Professor na PUCRS / Engenharia Química.
e-mail.: luciano.ceron@pucrs.br
Tel.: (51) 9972-6534
Referências Bibliográficas:
ANVISA/RDC. - regulamento técnico disponível em www.anvisa.org.br
Decreto-Lei 7841 de 08/08/1945. Código de Águas Minerais, DNPM. nº 76, 2007.
HOUNSLOW, A.W. Water Quality Data: Analysis and interpretation. CRC Press, 1995. 416 p.
PROGRAMA NACIONAL DE DISTRITOS MINEIROS - ÁGUAS MINERAIS DO BRASIL: DISTRIBUIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E IMPORTÂNCIA ECONÔMICA – DNPM.
Portaria 518 do Ministério da Saúde.
Resolução CONAMA nº 357/2005.
Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº. 274, de 22 de setembro de 2005.
http://www.abq.org.br/cbq/2009/trabalhos/5/5-244-5918.htm
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/ set1107.pdf
http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=46
http://www.dnpm-pe.gov.br/Legisla/Port_374_09.htm