Os Desafios Do Tratamento De Lodo
Por Cristiane Rubim
Edição Nº 14 - agosto/setembro de 2013 - Ano 3
Veja um pouco dos tipos, etapas, alternativas, soluções e novidades
O tratamento adequado do lodo é realizado em diversas etapas e processos que dependem de tecnologia, da disposição final e do espaço físico disponível. O importante é que cada uma delas altera ou melhora as características físicas, químicas e biológicas do lodo, já que passam pelo crivo de questões técnicas, econômicas, ambientais e de saúde pública.
O lodo é o sedimento composto por uma mistura de substâncias que apresentam minerais, colóides e partículas advindas de matéria orgânica decomposta em suspensão no meio aquoso. Em uma ETA, por exemplo, é um resíduo constituído de água e sólidos suspensos somados a produtos dos reagentes aplicados nos tratamento da água. Já em uma ETE, é uma mistura sólida e semi-sólida de substâncias orgânicas e inorgânicas, tem aspecto desagradável e mau cheiroso, elevada concentração de água (95%) e trata-se do principal subproduto do tratamento de efluentes.
Por motivos técnicos e econômicos, o destino final dos resíduos dos sistemas de tratamento de água e esgoto é um grande desafio para os países. De acordo com o Programa de Pesquisas em Saneamento Básico (Prosab), trata-se de processo complexo que necessita de intercâmbio entre diversos conhecimentos, representando de 20% a 60% dos custos operacionais de uma ETA/ETE. O Prosab aponta que, no Brasil, a coleta de esgotos atende a 40,12% da população urbana e, deste volume coletado, apenas 40% recebe tratamento adequado, o que gera perspectivas significativas de crescimento e de geração de lodo. Grande parte destes resíduos é lançado em rios.
William Seiti Okada, M.Sc. e analista de processos no departamento de engenharia da Huber Technology, empresa alemã presente em mais de 60 países que atua no tratamento e reúso de esgoto sanitário municipais, efluentes industriais e tratamento de resíduos, diz que existe uma preocupação com o condicionamento do lodo para sua disposição final, já que a presença, em sua composição química, de metais pesados, substâncias endócrinas e outros pode representar perigo para o meio ambiente e a sociedade. "Por estas razões procura-se reduzir ao máximo o volume e armazenar o lodo da melhor maneira possível, de modo que possa ser descartado de forma segura. Sistemas de adensamento, estabilização, desidratação e secagem têm por objetivo separar a fase líquida da sólida, reduzindo o teor de água deste lodo, bem como eliminar possíveis ameaças ao meio ambiente" afirma.
Mas com as exigências das leis ambientais atuais, que obrigam as operadoras a dar um destino apropriado a estes resíduos provenientes do tratamento de água e efluentes, novas alternativas e soluções vêm sendo debatidas e pesquisadas. Quanto a essas normas, se referem ao manejo de lodo, tanto industrial quanto doméstico. É comum, em várias cidades do país, que as indústrias transportem o lodo resultante dos processos produtivos a aterros sanitários, o que acaba contaminando os solos e exalando um odor desagradável. Para evitar isso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) publicou em novembro de 2002 uma resolução que estabelece normas e diretrizes para a produção de resíduos sólidos industriais. Também cabe às Secretarias Estaduais do Meio Ambiente estabelecer e fiscalizar o cumprimento das normas e é permitido que cada município aprove suas próprias leis sobre o tema.
Para dar suporte à sustentabilidade dos sistemas de água e esgoto, uma das saídas encontradas é a utilização dos resíduos sólidos do saneamento básico como matéria-prima alternativa, que se mostra uma solução ambiental e econômica adequada. As características do lodo fazem com que ele tenha valor agregado potencial, alto teor de matéria orgânica, macro e micro nutrientes e deve ser encarado como insumo e não como resíduo perigoso. Adubos orgânicos, substratos, tijolos cerâmicos, concretos, óleos, combustível estão entre os vários produtos que podem ser produzidos pelo uso dos lodos de água e esgoto como matéria-prima. Sobre a importância da higienização do lodo, os principais patógenos que podem colocar em risco a saúde humana e animal são os ovos de helmintos, bactérias e cistos de protozoários.
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Tipos e etapas
Segundo Anna Carolina Raposo Camelo Motinaga, D.Sc. e química de processos II da Centroprojekt, empresa que fornece componentes, equipamentos e sistemas completos, além de engenharia, projeto e construção (EPC) para tratamento de água e efluentes, o principal objetivo do tratamento de lodo é gerar um produto mais estável e com menor volume para facilitar seu manuseio e, consequentemente, reduzir os custos nos processos subsequentes.
Os tipos de tratamento de lodo existentes no mercado, estão divididos pelos objetivos a serem alcançados em grupos como: adensamento, estabilização, desaguamento, secagem térmica e incineração.
Digestão anaeróbia - Produz energia através do gás metano gerado. Também chamada biogasificação ou metanização, é um tratamento por decomposição que gera biogás, formado por cerca de 60% de metano, que pode ser queimado ou utilizado como combustível. As bactérias anaeróbicas, que sobrevivem na ausência de oxigênio, decompõem rapidamente os resíduos orgânicos. O resíduo sólido pode ser tratado aerobicamente para formar composto orgânico.
Digestão aeróbia (ATAD) - É um processo simples e voltado para pequenas instalações. As bactérias aeróbicas, que sobrevivem apenas na presença de oxigênio, decompõem rapidamente os resíduos orgânicos, tendo como produtos gás carbônico e água. Começa com uma fermentação ácida na qual os açúcares simples da matéria são fermentados, transformando-se em acetato. No final, após o consumo de todo o oxigênio, vem a digestão anaeróbica, que irá produzir metano.
Incineração - É indicada para grandes volumes, quantidades acima de 2.250 ton/ano, restrita a grandes áreas metropolitanas. Serve para estabilização, redução de volume e recuperação de energia. Proporciona maior redução no volume para disposição final e exige balanço de massa e energia detalhada. Com o uso de sofisticados sistemas de filtros de ar, tem incinerador de múltiplas câmaras. O lodo bruto possui alto poder calorífico (autocombustível).
O tratamento do lodo, após a sua geração, inclui uma ou mais das seguintes etapas: adensamento, estabilização, condicionamento, desidratação e disposição final. "Mas o uso destas etapas vai sempre depender da tecnologia a ser utilizada, do que o cliente quer e necessita e do espaço físico disponível", adverte. Cada etapa do tratamento do lodo tem um objetivo específico que provoca uma alteração ou melhoria das características físicas, químicas e biológicas do lodo. Para atender à forma escolhida e adotada como foi citado acima, estas etapas de tratamento também passam normalmente por questões técnicas, econômicas, ambientais e de saúde pública.
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Digestão anaeróbia
Anna Carolina nos explica o tratamento de lodo através da digestão anaeróbia, que inclui as etapas de adensamento, digestão, cogeração e desaguamento. O adensamento normalmente é a primeira fase do manejo do lodo. É a etapa em que há redução do volume do lodo. "Como contém muita água, o adensamento é exatamente o processo para aumentar o teor de sólidos do lodo e, consequentemente, reduzir o volume." Um dos métodos utilizados é o adensamento por centrífugas, mas existem outros, conforme diz, como por gravidade e ainda por flotação.
Adensamento por centrífugas - O lodo com água é introduzido, sob a força centrífuga, os sólidos em suspensão se depositam na parede interna do tambor. Depois, são empurrados para o menor diâmetro, onde são descarregados. O líquido sai do tambor pelo diâmetro maior.
Adensamento por gravidade – Há presença de partículas flocosas com elevado teor de sólidos em suspensão, que sedimentam em uma massa única (manta de lodo).
Adensamento por flotação – A separação do líquido-sólido é feita com injeção de bolhas de gás na massa líquida. As bolhas de gás aderem às partículas sólidas, como óleos ou graxas, diminuindo a densidade, e promovem o arraste ou flutuação até a superfície.
Com o lodo adensado, segue para a etapa de digestão, onde é feita a estabilização de substâncias instáveis e da matéria orgânica presente no lodo. Os objetivos da digestão são estabilizar total ou parcialmente as substâncias instáveis e matéria orgânica, reduzir o volume do lodo através de fenômenos, como liquefação, gaseificação e adensamento, e dotar o lodo de características favoráveis à redução de umidade, com processo sólido-líquido. "Com a digestão anaeróbia, quando estabilizado, será possível a sua utilização como fonte de húmus, condicionador de solo para fins agrícolas e ainda destruir ou reduzir a níveis previamente estabelecidos os micro-organismos patogênicos", explica Anna Carolina.
Na etapa específica de cogeração, há o processo composto de um motor de combustão interna no qual o biogás (ou qualquer outro combustível auxiliar) pode ser queimado, gerando energia elétrica. "O calor dos gases de combustão e do arrefecimento do motor é utilizado para aquecer água até 95°C e ainda apresenta eficiência de 80% a 90%", especifica Anna Carolina. Na etapa final, ocorre o desaguamento, que consiste em esgotar a água ainda presente no lodo. "O desaguamento pode ser realizado em diversos tipos de sistemas de desidratação, como leito de secagem, filtro-prensa de esteira (belt press), filtro-prensa de placas, filtro a vácuo, centrífugas, etc."
Com o lodo desidratado, ele se torna um resíduo sólido e, dependendo da sua classificação, pode ser de classe I (perigosos), II (não inertes) ou III (inertes), de acordo com Anna Carolina. Segundo ela, cada classificação em que os lodos se encontram tem um destino final definido. "Se os lodos forem classificados como não perigosos, por exemplo, podem ter as seguintes destinações finais: Landfarming, incineração ou compostagem", indica.
Dentro das etapas usuais de tratamento de lodo no mercado, fazem parte o adensamento, a estabilização e a desidratação. Já citamos sobre adensamento, Okada nos explica um pouco melhor sobre a estabilização e diz que esta etapa visa à atenuação ou eliminação de algumas características indesejadas do lodo que envolve processos físicos, químicos ou biológicos. "Processos geralmente aplicados nesta operação são a digestão aeróbia, estabilização química (adição de produtos químicos) e o tratamento térmico", acrescenta.
Complementando sobre a desidratação, o objetivo desta etapa, segundo Okada, é reduzir o volume de lodo por meio da redução de teor de água. O processo de desidratação varia de acordo com o tipo de lodo a ser tratado.
Outros métodos
Existem vários métodos de pré-tratamento de lodo atualmente, segundo Anna Carolina. Ela destaca que a empresa dispõe do ultrassom, que tem demonstrado alta eficiência e excelentes resultados. "O ultrassom facilita a hidrólise nas membranas das células, reduzindo, assim, o tempo requerido para a digestão anaeróbia. Além disso, a matéria não facilmente degradável é convertida em matéria facilmente degradável", aponta. Outras vantagens observadas com a utilização do ultrassom também foram: aumento da redução de sólidos voláteis (de 40% a 55%), aumento da geração de biogás em 50% e melhora da capacidade de desaguamento do lodo em 5% do ST com a redução de consumo de polímero em cerca de 1/3.
Quanto ao processo utilizado de digestão anaeróbia, segundo ela, é importante destacar que há a geração de biogás, onde é estimada em função da quantidade de sólidos voláteis destruídos durante a digestão (0,75 a 1,12 m³ gás/kg de sólidos voláteis destruídos ou ainda 28 m³/1.000 habitante por dia).
Contato das empresas:
Huber: www.huberdobrasil.com.br
Centroprojekt: www.centroprojekt-brasil.com.br