Digestão biológica do lodo
Por Carla Legner
Edição Nº 14 - agosto/setembro de 2013 - Ano 3
O tratamento de água é um conjunto de procedimentos físicos e químicos que são aplicados para que ela fique em condições adequadas para o consumo, ou seja, para se tornar potável, livrando o líquido de qualquer tipo de contaminação.
O tratamento de água é um conjunto de procedimentos físicos e químicos que são aplicados para que ela fique em condições adequadas para o consumo, ou seja, para se tornar potável, livrando o líquido de qualquer tipo de contaminação. Uma das etapas que pode ser utilizada no tratamento de água é a digestão biológica de lodo, utilizada para o tratamento de resíduos provenientes das estações de tratamento de esgoto (ETE’s), ou em biodigestores, mecanismos que usam o potencial energético da matéria orgânica descartada para gerar energia na forma de biogás.
O lodo é o resíduo do tratamento, dessa forma, a principal característica de um tratamento biológico de efluentes com lodo ativado é a ocorrência de microrganismos que usam a poluição como alimento. A água é o principal componente do lodo e seu conteúdo depende se é lodo primário (sólidos), secundário (digestão biológica) ou terciário (precipitação química). Existem basicamente dois tipos de digestores, o anaeróbio e o aeróbio. São compostos em geral por um único tanque que opera em regime continuo ou batelada.
De acordo com Henrique Martins Neto, engenheiro químico da EQMA Engenharia, Química e Meio Ambiente, empresa especializada em fornecer as melhores soluções para sistema de tratamento de água, esgoto e efluentes industriais, o tratamento biológico de lodo é uma das quatro etapas necessárias para a correta separação de resíduos sólidos da fase líquida, ou seja, separar a sujeira da água. A quantia de matéria orgânica e atividade celular são muito elevadas, desta forma sua principal função é estabilizar a biomassa ainda ativa que é removida do sistema de tratamento da fase líquida, desse modo em poucas horas após a remoção do excesso de lodo do tanque de aeração, inicia-se o processo de putrefação do lodo, que exala maus odores.
Além da putrefação, o processo seguinte de secagem do lodo com equipamentos como filtros e prensa é brutalmente prejudicado, pois a biomassa produz um biopolímero que não permite a extração de água, mesmo com elevada pressão fornecidas pelos equipamentos, produzindo assim uma torta com muita umidade e pouco uniforme.
Normalmente quando o lodo de excesso é encaminhado para a unidade digestora ainda na forma fluida apresenta a concentração de sólidos da ordem de 5%, sendo que após secagem em leitos ou em centrifugas o teor de sólidos varia entre 20 a 25% já para filtros prensa são comuns valores de 30 a 35%, ou seja em ambos os casos o lodo se apresenta como torta semi-sólida que ainda possui mais da metade do seu peso composto por água intersticial, porém com o volume extremamente reduzido.
Tipos de digestores
Podemos considerar tratamento anaeróbio de esgotos qualquer tipo de processo de digestão que resulte na alteração da matéria orgânica biodegradável, na ausência de oxidante externo, com produção de metano e dióxido de carbono, deixando na solução aquosa subprodutos como amônia, sulfetos e fosfatos.
No sistema de digestão anaeróbio, o conteúdo do reator pode ou não ser homogeneizado através de misturadores mecânicos e também pode contar com sistema de aquecimento comum em um país de clima temperado, pode-se dizer que a digestão anaeróbia ocorrerá com melhor desempenho em torno de 40oC e para temperatura abaixo de 5oC é praticamente inexistente. "Um destaque importante para este tipo de sistema é a formação do biogás ou gás natural, composto por aproximadamente 50% de metano e 50% de gás carbônico, que é uma ótima fonte de energia limpa e barata, existem diversas plantas deste tipo operando em países como Alemanha e Holanda", completa o engenheiro.
O processo de digestão é desenvolvido por uma sequência de ações realizadas por vários tipos de bactérias, no qual se podem distinguir quatro fases subsequentes: hidrólise, etapa de quebra das moléculas mais complexas em carboidratos mais simples, aminoácidos e ácidos graxos (reação com a água). A acidogênese, onde é feita a conversão dos compostos solúveis produzidos na hidrólise para ácidos graxos voláteis. Depois a acetogênese, onde bactérias acetogênicas oxidam os ácidos graxos de cadeia longa para acetato, CO2 e H2. E por fim a metanogênese, onde bactérias metanogênicas produzem gás metano.
Na ausência de oxigênio encontramos somente bactérias anaeróbias, que podem aproveitar o oxigênio combinado. As bactérias acidogênicas destroem os carboidratos, proteínas e lipídios transformando-os em ácidos voláteis. As bactérias metanogênicas convertem grande parte desses ácidos em gases, predominando a formação de gás metano. A estabilização de substâncias instáveis e da matéria orgânica presente no lodo fresco também pode ser realizada através da adição de produtos químicos. Esse processo é denominado estabilização química do lodo.
Já em sistemas de digestão aeróbia são utilizados aeradores mecânicos ou difusos que promovem a mistura e fornecem o oxigênio necessário a biomassa, seu principal benefício é o menor tempo requerido para o processo e, portanto apresenta menor volume do tanque, porém deve-se mencionar que o custo energético é maior. Henrique explica que em ambos os processos o fenômeno é muito similar, ou seja, o lodo ainda muito ativo e com excesso de matéria orgânica é enviado ao digestor, ficando submetido à condição de pouco alimento, no caso fazendo referência ao material presente na água residuária já previamente removido no tratamento da fase líquida.
"Desse modo o pouco material biodegradável disponível está localizado nas reservas internas das células, que passam a ser a única fonte de alimento, este fenômeno é também conhecido por respiração endógena, que ocorrem de maneira fermentativa ou oxidativa, respectivamente em digestores anaeróbios e aeróbios. Ao passar do tempo, em geral de 15 a 45 dias de detenção dentro do digestor a concentração de matéria biodegradável se esgota por completo e o lodo está praticamente inativo, pronto para a próxima etapa de desidratação", enfatiza Henrique.
Outras etapas de tratamento
As outras três etapas necessárias para o tratamento são: o adensamento, anterior a digestão, que consiste na redução do volume do lodo através de processos físicos, desidratação posterior a digestão, que emprega processos de evaporação ou ação mecânica (prensagem ou centrifugação), e a última etapa, responsável pela higienização, em geral efetuada através de aquecimento convectivo, capaz de reduzir a concentração de patógenos como bactérias, vírus e parasitas (nematódeos e helmintos) a níveis aceitáveis.
"Em geral ambos os sistemas possuem ótima eficiência e a diferença básica na escolha do melhor ou projeto mais indicado está no estudo entre o arranjo geral da estação de tratamento de efluente, volume de lodo produzido e custos energéticos", explica Henrique. O engenheiro explica ainda que alguns arranjos de estação de tratamento de efluentes possibilitam a eliminação completa do digestor de lodo, porém requerem a adição de sistemas mistos compostos por reator anaeróbio seguido de aeróbio. Os esquemas mistos mais comuns são reatores UASB seguido de lodo ativado, filtro biológico, ou lagoa de estabilização.
No sistema misto, o lodo de excesso oriundo do filtro biológico ou lodo ativado é direcionado para o reator UASB, que pode realizar até três processos ao mesmo tempo, são eles: tratamento da água residuária, adensamento e digestão do lodo. Essas funções extras do UASB estão relacionadas com a robustez e a elevada eficiência no processamento de elevadas cargas orgânicas devido à formação do manto de lodo, que origina seu nome.
De acordo com Henrique existe também outra alternativa ao regime misto, que é o processo de lodo ativado modalidade aeração prolongada, recomendado para sistema de médio a pequeno porte com baixa produção de resíduos. Neste a digestão do lodo de excesso ocorre dentro do próprio tanque de aeração, juntamente com o esgoto afluente.
No lodo ativado modalidade aeração prolongada não há o decantador primário, que é responsável pela remoção de parte dos sólidos em suspensão e matéria orgânica afluente, portanto a biomassa recebe o esgoto bruto e requer tempo de detenção mais longo, originando assim tanques de grandes dimensões, se comparado ao convencional, por isso a denominação aeração prolongada. Nesta condição a relação entre a quantidade de alimento disponível para os microrganismos é muito baixa (fator A/M), obrigando-os a utilizar a respiração endógena para prosperar, desse modo o lodo de excesso é praticamente estabilizado junto com a água residuária afluente, porém ainda deve ser adensado e desidratado.
Como escolher o melhor processo?
A EQMA Engenharia, Química e Meio Ambiente trabalha com projetos para atender toda a demanda dos clientes, porém Henrique ressalta que antes da escolha do melhor processo, a empresa sempre faz uma avaliação crítica do arranjo geral da estação de tratamento de efluente, volume de lodo gerado, consumo de energia, insumos químicos, espaço disponível etc.
"Em geral os digestores são mais utilizados em estações de médio e grande porte, sendo quase que obrigatórios em estações de tratamento de esgoto domésticos municipais ou grandes instalações industriais, portanto a demanda de mercado acaba sendo praticamente a mesma das estações de tratamento. Já para sistemas de pequeno porte a demanda é muito pequena, tendo em vista a baixa geração de lodo e possibilidade de se eliminar o digestor através de arranjos no sistema de tratamento do efluente líquido", completa Henrique.
Apesar de ser um processo pouco utilizado, o sistema de digestão de lodo tem suas vantagens: é uma alternativa que propicia o aproveitamento energético do lodo (geração de biogás com elevado conteúdo de metano), a digestão anaeróbica combinada com a queima do biogás é uma alternativa ecológica sem emissões gasosas e com redução de sólidos voláteis de até 70% e é uma solução que propicia um lodo final de volume muito reduzido e isento de patogênicos.
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