Controle De Odores Nas Estações De Tratamento De Efluentes: Medida Ambiental, Sanitária E Econômica
Por Vicente De Aquino
Edição Nº 19 - junho/julho de 2014 - Ano 4
Nos últimos anos o aumento populacional fez com que o volume de esgoto tratado no país aumentasse. No entanto, as condições operacionais fazem com que maus odores sejam produzidos
Nos últimos anos o aumento populacional fez com que o volume de esgoto tratado no país aumentasse. No entanto, as condições operacionais fazem com que maus odores sejam produzidos e este fator aliado à localização e a ocupação urbana próxima as áreas das instalações das estações torna essencial o seu controle, já que além do incômodo há riscos à saúde e possíveis prejuízos econômicos provenientes de alguns gases responsáveis pelo odor. Benedito Ayres Neto, gerente de assistência técnica e desenvolvimento da Bauminas Ambiental, alerta: "O gás sulfídrico, por exemplo, em determinadas concentrações é tóxico, explosivo e letal para os seres humanos, em especial aos funcionários e operadores das ETEs. Além disso, as bactérias do gênero "Thiobacillus" podem metabolizar o H2S na fase aquosa para ácido sulfúrico tornando-se corrosivo para metais e concreto. Este fenômeno pode causar grandes prejuízos em máquinas e equipamentos provocando até mesmo o rompimento de redes coletoras de esgotos".
A maior conscientização da população em relação aos seus direitos do contribuinte também influi na necessidade de que as empresas saneadoras implementem a gestão dessas emissões, seja a partir da prevenção de sua produção ou no tratamento dos gases.
Segundo Fabio de Santi, engenheiro da empresa Dux Controle de Odor, diversos fatores devem ser considerados ao avaliar o bom funcionamento de uma ETE: "Do ponto de vista do leigo, a eficiência é geralmente medida pelo visual externo agradável, a clarificação do efluente final antes do lançamento no córrego e a ausência de maus odores, mas tecnicamente são outros parâmetros que interessam, como a capacidade de redução de DBO (demanda biológica de oxigênio), fósforo total, coliforme fecal, sólido em suspensão, nitrogênio, entre outros fatores", explica.
Composição química e origem dos odores
Segundo Luiz Carlos da Silva, gerente de produto da Produquimica, a geração de maus odores em esgoto sanitário se dá desde sua origem, quer em residências ou indústrias. "O esgoto quando lançado em redes coletoras fica em ambiente anaeróbio, propiciando o desenvolvimento de bactérias sulfato redutoras (BSR). Algumas substâncias químicas, como o sulfato, são "atacados" por elas e reduzidos até a formação do gás sulfídrico, que se desprende para a atmosfera através de aberturas existentes nas redes coletoras de esgoto, tipos poços de visitas, tubulações danificadas e até na chegada das estações de tratamentos, tornando locais pontuais de maus odores", diz.
Dessa forma, o mau odor é composto principalmente por gás sulfídrico e mercaptanas (que tem enxofre), amônia e aminas (moléculas nitrogenadas), mas também pode ter fenóis, aldeídos, ácidos, entre outras substâncias. De acordo com o Dr. Helvécio Carvalho de Sena da Sabesp a concentração de elementos derivados do enxofre tem papel importante. "No caso do sistema de esgotamento sanitário doméstico a prevalência está em compostos que contenham o elemento enxofre, tanto que o controle da concentração de sulfeto nos interceptores e coletores da cidade de Santos é voltado a manter a concentração de sulfeto de hidrogênio em níveis baixos evitando a percepção da população que vive ou transita em torno das unidades de tratamento. Para os odores emitidos pelas ETEs 80 a 90% são causados por compostos sulfurosos tais como sulfeto de hidrogênio, metilmercaptanas, dimetil sulfeto e dimetil dissulfeto, diz. A relevância do H2S é confirmada por Antonio B.F. Öberg da Wastec Brasil: "O principal componente que contribui para a sensação de mau cheiro é o gás sulfídrico ou sulfeto de hidrogênio, pois o limite de detecção pelo nariz humano é muito baixo", considera.
A liberação desses compostos fétidos para a atmosfera depende de alguns fatores "A concentração e a área superficial do líquido exposta à atmosfera bem como o grau de turbulência do fluxo e o pH do meio são condições a serem consideradas. Em ambientes ácidos, sulfetos e ácidos orgânicos são facilmente liberados. Já em pH alcalino, amônia e aminas são favorecidas", explica Santi.
A prevenção pode ser realizada através de controles na rede coletora de esgoto e em todo o sistema de esgotamento sanitário. "Os principais pontos de emanação de maus odores são geralmente- estações elevatórias, unidades pré-tratamento (grades, caixas de areia), adensadores de lodo, lagoas anaeróbicas e no processo de secagem de lodo", complementa Fábio Santi.
A tabela abaixo apresenta os principais pontos de emissão e os níveis de concentração dos odores em uma estação de tratamento de esgotos sanitários.
Para a avaliação destes compostos e caracterização dos odores podem ser usadas técnicas químicas e olfatométricas. "As análises químicas identificam e quantificam os compostos responsáveis pelos odores, enquanto que a olfatometria qualifica e apresenta as intensidades, sendo que os métodos mais utilizados para detecção dos gases causadores de odor são lodométrica, gravimétrica, volumétrica, cromatografia gasosa/espectrometria de massa. Os compostos com enxofre possuem seus limites de detecção e percepção olfativos em reduzidas concentrações. Em segundo grau de importância apresentam–se os compostos com nitrogênio" explica Santi.
Tecnologias físico-químicas para o tratamento de odores
Dentre as tecnologias físico-químicas utilizadas no tratamento de odores podem ser citadas a utilização de produtos para a neutralização, oxidação, sequestro ou com o objetivo de mascarar o cheiro. "Na neutralização os produtos reagem com compostos que causam os odores criando um componente que o olfato não detecta. A grande vantagem deste método é a capacidade de controlar a sua aplicação e sua eficácia, além de seu excelente custo-benefício, mas apresenta como desvantagem a necessidade de equipamentos de preparo e aplicação adequados", conta Öberg.
Na oxidação são usados produtos químicos como o peróxido de hidrogênio, cloro, ozônio que possuem ação rápida ao agir com o sulfeto de hidrogênio levando à formação de sulfato, além de minimizar as condições anaeróbicas para o metabolismo bacteriano. "No entanto, geralmente é difícil controlar este processo que ainda requer grandes quantidades de reagentes e que oxida qualquer composto orgânico", ressalta Antonio Öberg. "O peróxido de hidrogênio oferece alto risco de manipulação, estocagem e explosão, sendo necessário armazenamento em locais extremamente adequados e monitorados", complementa Luiz Carlos, da Produquimica.
Porém quando a quantidade de produtos químicos é insuficiente para promover a oxidação completa, o sulfeto de hidrogênio é liberado para a atmosfera e uma das maneiras de eliminá-lo é através da tecnologia de limpeza química em torres de lavagens. "Nestas torres há a absorção dos compostos geradores de odor por uma solução química, sendo que a absorção é o primeiro mecanismo de remoção. A configuração mais comum das torres é um sistema vertical com o fluxo de gás subindo e sendo lavado por uma solução química que está no sentido inverso. Esta configuração promove uma grande área de contato e a solução química é recirculada utilizando um sistema de bombeamento. Além disso, deve ser renovada para manter a eficiência de remoção", explica Helvécio.
Segundo Mohanakrishna et al. (2008) no caso da aplicação de nitrato de cálcio ou de cobre a vantagem é a prevenção na geração do sulfeto, posto que afeta adversamente a taxa de formação do gás, que em certas condições atinge valores na ordem de 4,6 mgS/L.h. Nas condições de aplicação de nitrato há o estimulo da oxidação biológica do sulfeto através das bactérias nitrato-redutoras/sulfeto oxidativas (NR-SOB) que incluem os gêneros e espécies Thiomicrospira denitrificans, Thiomicrospira sp., Thiobacillus sp e Arcobacter sp. "Com isto, além de evitar a geração de odores, ganha-se a proteção dos coletores de esgoto contra a corrosão acelerada devido a formação de ácido sulfúrico. Os lavadores químicos, eliminam o sulfeto de hidrogênio liberado em um determinado local, porém não trata o sulfeto durante o transporte do esgoto, acarretando em corrosão e liberação do odor em outros locais", complementa Helvécio.
Ainda entre as tecnologias químicas estão os sequestrantes que se combinam com o sulfeto formando compostos solúveis e prevenindo a sua volatilização e os mascarantes que proporcionam um odor não ofensivo que encobre o primário. "O método dos sequestrantes é de fácil aplicação, mas difícil quanto ao controle das dosagens. Já os mascarantes não são efetivos em níveis moderados de sulfeto e não minimizam os possíveis efeitos do gás sobre a saúde humana", diz Antonio Öberg.
Benedito Ayres Neto destaca a importância do uso dos complexos metálicos aditivados na inibição de odores e corrosão. "A facilidade de aplicação aliada ao baixo custo de implantação operacional está fazendo com que a aplicação desta técnica venha crescendo no Brasil com excelentes resultados em diversas companhias de saneamento", acrescenta.
Luiz Carlos da Silva ainda destaca a tecnologia Odorcap (blend a base de nitratos) oferecida pela Produquimica/Reluz Química que atua antes da formação do gás sulfídrico (o que não gera subprodutos), além de ter a vantagem de fácil estocagem e manuseio.
Tecnologias biológicas para o tratamento de odores
Dentre as técnicas biológicas os biofiltros e as enzimas devem ser citados, mas segundo Öberg por não haver divulgação suficiente sobre o assunto o mercado atual não faz distinção entre os dois denominando ambos como produtos biológicos que tem como mecanismo de ação a redução da DBO.
Os biofiltros baseiam-se na capacidade que os microrganismos possuem de oxidarem diversos compostos orgânicos odoríficos em compostos simples não agressivos como CO2 e água. "O bom funcionamento dos biofiltros exige um meio de contato (turfa) para o crescimento da biomassa bacteriana e suficiente suprimento de ar. Como grande vantagem está a sua fácil manutenção, mas é indicado apenas para tratamento de baixas vazões de ar contaminado.", conta Santi. Antonio Öberg acrescenta que a ação dos microrganismos é muito mais eficiente do que a das enzimas na redução da DBO embora não eliminem 100% do odor.
Além disso, há necessidade de grandes áreas para implantação. "A ação microbiológica especificamente de Thiobacillus sp tem a desvantagem da necessidade de grandes áreas que em unidades denominadas como elevatórias (EEEs) geralmente é escassa", destaca Helvécio.
Já as enzimas são proteínas que agem como catalizadores naturais auxiliando as bactérias a manterem-se saudáveis através da melhora no transporte de nutrientes através da membrana celular porém não reagem diretamente com o H2S, mas sim indiretamente através do seu efeito sobre a atividade bacteriana. Apresentam como vantagem o menor custo por quilo quando comparado às bactérias. No entanto Helvécio alerta para trabalhos que não mostram resultados positivos para aplicação desta técnica. "Testes conduzidos por Sena (2014) demonstraram que um determinado produto biotecnológico com base em enzimas não foi efetivo para o controle da geração de sulfeto de hidrogênio. Ganigue et.al.(2011) relata que em testes realizados no laboratório do Centro Avançado de Gerenciamento de Águas da Universidade de Queensland (Austrália) com diversos produtos denominados de biomateriais e bioprodutos também não apresentaram bons resultados na remoção de sulfeto de hidrogênio".
Avanços recentes nas tecnologias para o tratamento de odores
Na opinião de Benedito Ayres Neto o maior avanço no controle dos maus odores deve-se ao monitoramento dos gases odoríficos. Em especial o monitoramento "online" - em tempo real, no qual antes mesmo de se adotar qualquer solução, pode-se avaliar o comportamento dos gases causadores dos maus odores ao longo do tempo. "Em função desta análise, é possível definir e otimizar as dosagens bem como o período de aplicação, evitando assim o consumo desnecessário de produtos químicos e proporcionando economias significativas ao cliente", ressalta.
A importância do monitoramento também é destacada por Öberg. "Hoje há sistemas de monitoramento e de dispersão atmosférica de odores disponíveis no mercado. Até antes do surgimento destas ferramentas não havia como mensurar e monitorar a dispersão (pluma de odor). Sabia-se apenas que alguém havia reclamando do mau cheiro. O monitoramento de odor permite que os clientes monitorem e visualizem a dispersão de sua pluma de odor 24 horas por dia, além de possibilitar a consulta de dados históricos a qualquer momento. O principal desafio é a conscientização dos agentes geradores de odor (geralmente empresas) a investirem para se adequarem às normas vigentes referentes a emissões atmosféricas relacionadas ao odor".
Santi chama atenção para o avanço tecnológico que, hoje, efetivamente trata os gases provenientes da decomposição do esgoto e não apenas mascara o cheiro. "A tecnologia existe e está consolidada a custos viáveis. Acredito que a maior resistência na sua aplicação é que no passado eram oferecidos outros produtos que funcionavam apenas como ‘perfume’ escondendo o odor por tempo limitado. Em função dessa prática os operadores de ETEs apresentam desconfiança para a utilização de produtos inovadores. Mas a resistência tem diminuído e as empresas de saneamento que utilizam os novos produtos estão satisfeitas assim como as comunidades vizinhas."
Luiz Carlos destaca que os avanços são por uma combinação de fatores. "Atualmente a melhor tecnologia agrega produto químico, transporte, estocagem, sistema de dosagem e equipamentos de última geração para monitoramento do gás gerado, além de acompanhamento da eficiência do tratamento", explica.
Helvécio ressalta que os avanços são derivados de uma série de fatores combinados. "O avanço neste tema tem se dado pela condução de processos em que é conjugado o controle de odores com a aplicação de produtos químicos sem deixar de considerar os custos envolvidos. Daí o desenvolvimento de novos produtos como o Nitrato de Cobre que tem um potencial incrível visto que além de propiciar um ambiente anóxico e o estimulo às bactérias NR-SOB promove um efeito tóxico inibidor das bactérias redutoras de enxofre que se desenvolvem no biofilme. Um olhar atento deve ser posto nos sistemas anaeróbios de tratamento como os UASB. Há diversos relatos de reclamações de vizinhos das unidades de tratamento que operam com esta tecnologia e a aplicação de molibdato é uma alternativa segura e economicamente viável".
Helvécio e Luiz Carlos contam que estamos na quarta onda do saneamento básico. A primeira foi a necessidade de levar água de qualidade à população, a segunda foi a coleta de esgoto e a terceira o tratamento do esgoto gerado por essa coleta. O tratamento do odor - gás sulfídrico- passa a ser a quarta onda do saneamento. "Esta fase atual ocorre especialmente pela cobrança da população e dos órgãos de fiscalização. Dessa forma os gestores, sejam eles públicos ou privados, devem se preparar e se conscientizar desta nova demanda. O odor é consequência de uma substância que é tóxica e afeta adversamente a saúde devendo ser controlado.", alerta Helvécio.
Contatos:
Bauminas Ambiental: www.bauminas.com.br
Dux Controle de Odor: www.duxsaudehumana.com.br
Dr. Helvécio Carvalho de Sena, Sabesp: www.sabesp.com.br
Produquímica: www.produquimica.com.br
Wastec Brasil: www.wastecbrasil.com.br