Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

Não é novidade o impacto que as atividades humanas têm sobre o ecossistema terrestre. Seja no setor primário, secundário ou terciário a expansão do negócio traz sempre um ônus que deve ser manejado de forma inteligente para minimizar seus efeitos e garant


Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

 

Não é novidade o impacto que as atividades humanas têm sobre o ecossistema terrestre. Seja no setor primário, secundário ou terciário a expansão do negócio traz sempre um ônus que deve ser manejado de forma inteligente para minimizar seus efeitos e garantir a disponibilidade dos recursos naturais para uso futuro. Por este motivo a sustentabilidade, ou seja, o conjunto de medidas que permita o desenvolvimento econômico e social ao mesmo tempo em que ameniza as interferências negativas sobre o meio ambiente é tão discutida pelos meios de comunicação, universidades, política e sociedade em geral.
O uso racional dos recursos passa também pelo estímulo à produção de energias alternativas renováveis que possam substituir os combustíveis fósseis diminuindo não só a dependência direta deles, mas também seus efeitos sobre as mudanças climáticas, já que eles têm relação direta com a emissão antrópica de gases associados ao efeito estufa (GEE).
Dentre estas novas fontes energéticas disponíveis destaca-se a biomassa que inclui uma grande variedade de resíduos vegetais, dejetos animais, resíduos sólidos urbanos, lodos de esgotos e microrganismos fotossintéticos. A biomassa através de uma série de processos biotecnológicos pode auxiliar na produção de combustíveis líquidos e gasosos que são potenciais fontes de energia. O uso dos resíduos de esgoto, por exemplo, a partir da digestão anaeróbia e do tratamento do gás produzido geram o biogás (biometano) que pode ser então aproveitado para a geração de energia elétrica.
O biogás é composto primariamente de metano e dióxido de carbono, com pequenas quantidades de ácido sulfídrico e amônia. Traços de hidrogênio, nitrogênio, monóxido de carbono, carboidratos saturados ou halogenados e oxigênio estão ocasionalmente presentes.
Embora poucas pesquisas tenham sido desenvolvidas no Brasil até o momento há boas perspectivas para o futuro. "Nos últimos anos, algumas estratégias foram adotadas e prometem contribuir para o desenvolvimento do setor", relata André Luiz Zanette, engenheiro no Departamento de Energia Elétrica no BNDES.
Zanette estudou durante o seu mestrado no Programa de Planejamento Energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro o potencial para a produção de biogás no país. "Dentre as recentes iniciativas está a chamada nº 14/2012 para os Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento Estratégico da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em que foram apresentadas diversas propostas para serem desenvolvidas em parcerias entre as concessionárias de energia elétrica, universidades, centro de pesquisas e empresas e que visam o aproveitamento energético do biogás no tratamento de efluentes e resíduos. Em relação aos projetos para o aproveitamento de biogás de efluentes domésticos destacam-se os da COPEL e CELPE", complementa.
Estes estudos diferentemente da pesquisa acadêmica pura que permite a liberdade de investigação devem ter resultados e metas bem definidos e o tema "Fontes alternativas de geração de energia elétrica" é considerado prioritário por constituir um desafio ao sistema energético brasileiro.
E parte desta matéria-prima para estas pesquisas cruciais estão justamente nas companhias de saneamento básico estaduais.
Nesta área, a Sanepar (Companhia de Abastecimento do Paraná) é uma referência por atuar na produção de energia limpa através de sua estação de tratamento de esgoto Ouro Verde. "Há um protótipo em operação na ETE Ouro Verde, em Foz do Iguaçu, que desde 2008 gera energia elétrica e está interligado ao sistema da cidade (geração distribuída), ora fornecendo ora subtraindo energia. Ambos os sistemas são supervisionados em tempo real para verificar padrões de funcionamento e geração e conhecer melhor os problemas operacionais que por ventura ocorram", conta Charles Carneiro, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa.

 

Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

 

Tratamento de efluentes
Geralmente o esgoto produzido pode ser tratado de duas formas: aeróbia ou anaeróbia. No processo aeróbio se utiliza um fluxo de ar orbital em um sistema denominado "Carroussel" desenvolvido na Holanda e que apesar de permitir uma alta eficiência no tratamento (resultados acima de 95%) gerando efluentes de melhor qualidade tem as desvantagens de necessitar de grandes espaços físicos, consumir mais energia e não possibilitar o aproveitamento dos gases.
Já os processos anaeróbios apresentam grandes vantagens quando comparado ao método anterior. Segundo Metcalf e Eddy (2003), citados por Zanette, dentre as vantagens destacam-se o balanço energético favorável, a menor produção de biomassa, menor necessidade de nutrientes, maior carga volumétrica e a possibilidade de tratamento da maioria dos compostos orgânicos. O balanço energético favorável é possível porque a energia, na forma de metano, pode ser recuperada a partir da conversão biológica de substratos orgânicos, ao invés de apenas consumirem energia, como é o caso dos processos aeróbicos. Além disso, a menor produção de biomassa (redução de 80 a 90%) reduz substancialmente os custos com processamento e disposição de lodo.
E é esta a técnica utilizada pela Sanepar. "O tratamento é feito essencialmente com tecnologias anaeróbias (RALF/UASB - reatores anaeróbios de leito fluidizado), afirma Carneiro.
Resumidamente, o esgoto vem da rede coletora, passa pela estação elevatória onde as partículas grosseiras são retidas e então é enviado a ETE por meio de bombas onde sofre um tratamento preliminar e onde os sólidos são separados e enviados ao aterro sanitário. Posteriormente, o líquido passa pelo RALF (Reator Anaeróbio de Manto de Lodo e Fluxo Ascendente) onde ocorre a digestão anaeróbia pelas bactérias ali presentes e então segue para o pós-tratamento, enquanto que o lodo digerido vai para secagem.
O gás produzido no processo pode então ser queimado e transformado em gás carbônico ou ser reaproveitado. Em tese todas as aplicações desenvolvidas para o gás natural podem utilizar o biogás, mas as aplicações mais comuns são o aquecimento e a geração de eletricidade, dois dos processos utilizados pela Sanepar, conforme explica Charles Carneiro. "A empresa já iniciou os trabalhos com o aproveitamento do biogás, quer seja térmico (secagem/higienização/combustão de lodos) ou elétrico (geração de energia elétrica)".

 

Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

 

Aproveitamento do biogás
Nos processos térmicos, o gás produzido é utilizado para gerar calor que é injetado no leito de secagem. Dessa forma, pode ser garantida a higienização do lodo, eliminando os seus riscos sanitários e permitindo a sua utilização como adubos, por exemplo.
Na produção de eletricidade a cogeração de energia a partir do uso de microturbinas na faixa de 25 a 100 kW é um dos métodos empregados. Elas possuem eficiência comparável a de motores pequenos com injeção por centelha com baixas emissões, permitindo também a recuperação de vapor de baixa pressão, o que é interessante para aplicações industriais. Além disso, os custos de manutenção são muito baixos. As especificações para o gás são comparáveis as dos sistemas de co-geração.
Além dessas aplicações, a utilização como combustível veicular e a injeção na rede de gás natural são aplicações que vêm atraindo interesse cada vez maior.
Para alguns usos, entretanto, o biogás deve ser tratado, pois existem diferenças consideráveis entre os requerimentos nas aplicações estacionárias do biogás e como combustível ou para a distribuição em tubulações.

 

Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

 

Aspectos econômicos da produção e aproveitamento
A produção depende da quantidade de matéria orgânica presente nos efluentes e das características do processo de tratamento. A quantidade de material biodegradável está ligada ao número de pessoas atendidas pelos serviços de coleta, ao tipo de tratamento realizado e a produção de matéria orgânica biodegradável por pessoa (expressa na forma de DBO – demanda bioquímica de oxigênio). METCALF e EDDY (2003), citados por
Zanette, relatam que a produção de DBO no Brasil varia de 55 a 68 g por pessoa/dia. Assim, a escala assume importância fundamental.
"Para a geração de eletricidade o custo diminui com o aumento de escala do projeto, o que é explicado pela redução do custo unitário do investimento em projetos maiores. Caso exista a possibilidade de aproveitamento do calor produzido, especialmente na cogeração utilizando o biogás em indústrias, o custo da eletricidade gerada diminui consideravelmente, aumentando a atratividade econômica do projeto", relata André Luiz. Em seu estudo, ele observou que há viabilidade para as estações que atendem a uma população superior a 50.000 habitantes.
Carneiro também ressalta a importância da escala. "Os impactos econômicos estão diretamente relacionados à escala, ou seja, a quantidade de biogás gerada no processo. Quanto maior a produção de biogás mais viável economicamente torna-se o sistema. O aproveitamento térmico é o que apresenta a maior eficiência (energia gerada/m3 biogás), seguido pelo elétrico e depois o automotivo. Portanto, é preciso sempre fazer uma análise técnica de viabilidade econômico-ambiental antes de se iniciar qualquer tipo de aproveitamento, começando pelo monitoramento full-time do gás e conhecimento dos padrões de geração em termos de quantidade e qualidade. A Sanepar criou um programa chamado ‘Quantibio’ para monitorar o biogás de maiores estações.", afirma.
Impactos ambientais da produção e aproveitamento
Do ponto de vista ambiental, sabe-se que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e ácidos, especialmente nos setores energético e de transportes são preocupantes e requerem ações imediatas. A importância desse assunto amplamente discutido no Rio e em Quioto estimulou diversos governos a lançarem programas e regulamentações para reduzir as emissões. E, neste caso, a utilização de biogás como combustível tem enorme potencial para diminuir as emissões de gases do efeito estufa, material particulado e de óxidos de nitrogênio.
"O grande ganho do aproveitamento é evitar que o CH4 (metano) um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento global 21 vezes superior ao do CO2 e o H2S (gás sulfídrico), que é odorífero, cheguem à atmosfera. Portanto, além de evitar o desperdício de uma fonte importante de energia, se evita também o impacto em termos de aquecimento global e garante-se o bem-estar da população ao redor das plantas de tratamento", explica Carneiro. Desde que o projeto foi iniciado cerca de 1,5 tonelada de gás metano deixou de ser lançada, por ano, no meio ambiente.
A partir de 2007, a Sanepar também começou a realizar os inventários de carbono de todos os seus processos e participou do primeiro Registro Público de Emissões de Gases de efeito Estufa durante o Encontro Anual do Programa Brasileiro GHG Protocol onde as emissões para o ano de 2009 foram apresentadas.
É importante ressaltar que a adoção de outras ações que melhorem a qualidade do efluente que chega à estação também são importantes, pois interferem positivamente com a eficiência do processo de tratamento e de geração da energia. Trabalhos educativos junto a população orientando sobre a ligação correta do esgoto e uso adequado da rede pode reduzir a poluição dos rios e solos e interferir de forma benéfica com a performance da produção de gás metano.

 

Biogás: Ótima Fonte De Energia Que É Pouco Aproveitada

 

Situação atual do aproveitamento do biogás e perspectivas futuras
Apesar de boa parte das companhias de saneamento no Brasil trabalharem com sistemas anaeróbios de tratamento de esgoto, poucas realizam o aproveitamento do biogás gerado no processo. Diante dos potenciais econômicos e ambientais da utilização de fontes renováveis de energia e da disponibilidade da matéria-prima nas ETEs é inevitável se perguntar: o que impede um maior aproveitamento do biogás? O que falta para que as pesquisas produzidas nas universidades e nas estações de pesquisa sejam aplicadas em maior escala? Em sua dissertação, defendida no final de 2009, Zanette alertava para a necessidade de políticas específicas e coordenação entre as partes. "Apesar dos mecanismos de incentivo existentes ao aproveitamento energético do biogás, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e os incentivos às fontes alternativas renováveis de energia no Brasil, diversas barreiras regulatórias, institucionais, econômicas e tecnológicas dificultam o efetivo aproveitamento desta fonte no Brasil. Assim há a necessidade de uma maior coordenação entre as diferentes esferas do governo, o setor privado e instituições de pesquisa e desenvolvimento para a formulação de políticas efetivas que promovam o melhor aproveitamento energético do biogás no Brasil", concluiu.
De 2009 para cá houve o lançamento de chamadas específicas por agências de fomento a pesquisa em parceria com as companhias de saneamento ou também pelas agências reguladoras através dos programas de pesquisa e desenvolvimento. Mas temos ainda potencial para progredir bastante nesta área.

Contato das empresas:
Departamento de Energia Elétrica no BNDES

Sanepar: www.sanepar.com.br

 

Referências bibliográficas:

METCALFe EDDY. INC., 2003. Wastewater Engineering Treatment Disposal Reuse. 4. ed. New York, McGraw - Hill Book, 1815p.

SANEPAR- Companhia de Abastecimento do Paraná. www.sanepar.com.br

ZANETTE, A. L. Potencial de Aproveitamento Energético do Biogás no Brasil. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009. 97 p.


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