As Barreiras Para A Universalização Do Saneamento No Brasil
Por Carla Legner
Edição Nº 17 - fevereiro/março de 2014 - Ano 3
Saneamento básico é direito essencial garantido pela constituição brasileira, mas nem todo cidadão tem acesso a esse item tão importante.
Saneamento básico é direito essencial garantido pela constituição brasileira, mas nem todo cidadão tem acesso a esse item tão importante. A falta desse serviço pode trazer doenças, como Diarreia, Hepatite A, Verminoses, Esquistossomose, Dermatites, entre outras. O Governo brasileiro estabeleceu como meta universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico até 2030, provendo a toda população acesso a abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem das águas de chuva. A revista TAE traz um especial sobre o tema, trazendo a opinião, de especialistas e do governo, de como anda os processos para a universalização.
Um estudo do Instituto Trata Brasil, divulgado em fevereiro de 2013 mostrou que em 2011 quase 400 mil brasileiros foram internados com diarreia, a maior parte crianças de 0 a 5 anos. De acordo com Édison Carlos, presidente do Instituto, o atendimento em água potável, quando consideradas as áreas urbanas e rurais do país, é de 82,4% da população. O atendimento em coleta de esgotos chega a 48,1%; e do esgoto gerado, apenas 37,5% recebem algum tipo de tratamento.
"Hoje, no Brasil, os responsáveis por garantir este direito básico à população são, em grande parte, da prefeitura. São os prefeitos quem tem a titularidade desses serviços, desta forma cabe ao cidadão cobrar dos chefes de sua cidade que este descaso com o saneamento básico seja resolvido. É inaceitável que em 2014 ainda estamos discutindo saneamento básico num país com uma projeção econômica positiva, como é o Brasil. Portanto, cobrem os prefeitos, exija o seu direito, pois o Saneamento Básico é um direito seu e de todos. Infelizmente, no entanto, a população não cobra seus governantes por obras de saneamento e isso ajuda a perpetuar o problema", enfatiza.
De acordo com Édison, a situação do nosso país é muito ruim e ainda temos muito para avançar, 52% da população não é atendida com serviços de coleta de esgotos, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas não são beneficiadas com este serviço. Para ele, quando pensamos em tratamento dos esgotos temos a certeza de que o Brasil está muito longe de se comparar a países europeus, Estados Unidos e mesmo alguns países sul americanos. Somente 37,5% do esgoto do país é tratado, ou seja, a maior parte dos esgotos seguem para a natureza sem tratamento.
O presidente do Instituto Trata Brasil explica ainda que um dos desafios mais agravantes é que apenas algumas obras saem do papel e mesmo assim quando saem elas são paralisadas por algum motivo. Exemplo disso são as obras do Programa de Aceleração e Crescimento (PAC), implantado pelo Governo Federal. Hoje, o Instituto Trata Brasil monitora 138 cidades acima de 500 mil habitantes que estão no PAC e infelizmente apenas 14% estão prontas após quase cinco anos da assinatura dos contratos. 65% destas obras não estão cumprindo os cronogramas originais; muitas delas permanecem paralisadas.
O problema é que o ritmo de avanço do saneamento está muito lento, pensando em cumprir o prazo de 20 anos estipulado. Os Planos Municipais de Saneamento Básico, exigência legal para todas as outras cidades, tinham que ter sido entregues até o dia 31 de dezembro de 2013, mas de acordo com Édison, estima-se que menos de 30% dos municípios entregaram estes planos, ou seja, temos aproximadamente 3.800 municípios que nem se quer elaboraram projetos.
"Esta deficiência de entrega pode ser justificada pela falta de preparo das prefeituras em fazer os planos, isto é, em muitos casos, não há profissionais capacitados que possam elaborar os planos e entregar para o Governo Federal. E como a lei é bem contundente, aqueles municípios que não entregaram os planos não serão beneficiados com os recursos financeiros, o que prejudica toda a população que mais uma vez ficará sem os serviços básicos de água e esgotos", ressalta.
Para a engenheira Ambiental e Sanitária da Ingá Engenharia, Leandra Spezzano, todos em conjunto devem cobrar dos políticos uma posição quanto a providencias a serem tomadas para as melhorias, mas lembra que cada um deve cumprir a sua parte antes de cobrar algo. "O Plansab - Plano Nacional de Saneamento Básico, exigiu dos municípios a entrega de um plano de saneamento, porém como é de se esperar, muitos representantes responsáveis por suas cidades não cumpriram este prazo nem o pedido, dessa forma, as cidades que não efetuaram esse procedimento não irão receber o recurso federal disponível para obras necessárias ou inacabadas que ainda precisem deste recurso e sabemos que quem acaba perdendo com isso é o cidadão", completa a engenheira.
Nossas cidades
De acordo com o Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil, que monitora vários indicadores nas 100 maiores cidades do país, publicado em outubro de 2013, Uberlândia (MG) é a melhor cidade, seguida de cidades dos estados São Paulo e Paraná que apresentam ótimos números, como Santos (SP) e Maringá (PR). Os municípios do norte, principalmente no Estado do Pará, são os mais problemáticos; temos Belém, Santarém e Ananindeua nas cinco últimas posições do ranking do Instituto Trata Brasil com 0% em tratamento de esgoto.
As capitais brasileiras não apresentam dados otimistas. São Paulo, por exemplo, configura a 23ª posição do ranking e é um município com muitas áreas irregulares, aonde a concessionária responsável pelos serviços de água e esgotos não podem atuar. O Rio de Janeiro é outro problema, a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Baía de Guanabara estão em condições precárias, pois as cidades que estão nas cabeceiras despejam quase todos os esgotos nos dois lugares. Entre as capitais, Curitiba (PR) é a melhor posicionada e que oferece mais serviços para a população.
"O Instituto Trata Brasil continuará exercendo seu papel de informar o brasileiro sobre a situação do saneamento nas diversas regiões; seu progresso, mas também sua lentidão. Continuaremos monitorando a situação das 100 maiores cidades, atualizaremos a situação das obras do PAC, das perdas de água e um novo estudo mostrando os possíveis benefícios econômicos que o Brasil teria com a expansão do saneamento. Em paralelo, mantemos nossos projetos em comunidades vulneráveis visando mostrar em situações reais os ganhos de qualidade de vida trazidos com o saneamento", explica Édison.
As dificuldades
Priorizaram-se muito os serviços de água desde os anos 70 e toda estrutura para os serviços de esgotos foi deixada de lado. A questão é que o abastecimento de água traz necessariamente os esgotos. Não tem como separar, mas o não investimento criou um déficit muito grande e hoje há uma necessidade de grande volume de recursos para resolver o problema. Mais do que recursos, muitos municípios perderam a capacidade de fazer projetos de saneamento e ficam dependentes de terem recursos para contratarem consultorias ou especialistas para fazer os projetos. Há também um excesso de burocracia para se acessar os recursos federais, lentidão nas licenças ambientais, entre outros gargalos. Muitas vezes também o saneamento, que é um tema técnico, se transforma numa questão política e fica em segundo plano por conta da baixa visibilidade das obras frente a obras de transporte, hospitais, rodovias, etc.
Para Leandra existem diversos projetos para a melhoria das condições sanitárias no Brasil, porém além de atrasados, não são suficientes. "Essa questão é muito complexa, pois segundo a ONU a água potável é direito de todos os cidadãos. A falta de saneamento é um dos maiores problemas no Brasil, principalmente em regiões onde o serviço de coleta e tratamento de esgoto ainda são muito precários e existe uma carência muito grande de educação ambiental para a população. Saneamento é uma política pública que está diretamente ligada com a saúde, se não ocorre o
saneamento logo existe a carência na área da saúde", enfatiza.
Outra grande questão que atrapalha bastante o acesso ao Saneamento Básico é o elevado custo para tratamento do esgoto. A Prof Maria Aparecida Marin Morales, do Instituto de Biociências da UNESP, campus de Rio Claro, explica que o tratamento correto do esgoto é muito caro e que muitas vezes não existe dinheiro suficiente para esse trabalho, mas que a partir dessa dificuldade pode-se conseguir um bom retorno. "Muitas empresas privadas sabem fazer esse tipo de serviço, e mais do que isso, é possível transformar o resíduo do lodo retirado dos esgotos em uma espécie de adubo para recuperar o solo danificado. Além de reaproveitar esse material e ajudar o meio ambiente é possível vendê-lo para produtores agrícolas e amenizar o custo elevado do tratamento do esgoto", ressalta.
Outros projetos
No verão, é quando começa a grande temporada de banhistas no litoral de São Paulo, e essa época logo é associada a calor, praia e diversão, mas nos últimos anos a situação não é bem essa. Sem planejamento, essas regiões estão sendo sinônimo de problemas ambientas e doenças. Com aumento de pessoas e de lixo, cresce o risco de contaminação através de bactérias existentes na água e na areia. A maioria das águas não está apta para banho e mergulho.
Para resolver problemas como esses, o ideal é investir em saneamento básico, redes de coletas de esgoto e estações de tratamento. O Programa Onda Limpa é um projeto do Governo de São Paulo, por meio da Sabesp, de recuperação ambiental para garantir o afastamento e tratamento dos esgotos. No total será investido R$ 1,9 bilhão, sendo R$ 1,4 bilhão na Baixada Santista e R$ 500 milhões no Litoral Norte. Na região da baixada santista será ampliado de 53% para 95% o índice de coleta de esgoto, além de tratar 100% do coletado. Ao final de todo plano serão beneficiados três milhões de pessoas, entre moradores e visitantes nas cidades de Santos, São Vicente, Praia Grande, Guarujá, Itanhaém, Peruíbe, Mongaguá, Cubatão e Bertioga.
Na primeira etapa da obra, foram construídas sete estações de tratamento de esgotos, duas estações de pré-condicionamento de esgotos, além do emissário submarino de Praia Grande com quatro quilômetros de extensão e da ampliação do emissário submarino de Santos em 425 metros, além da construção de 865 quilômetros de redes coletoras, 47 quilômetros de coletores tronco, 71 quilômetros de linhas de recalque, 87 estações elevatórias, 2,2 quilômetros de interceptores, além de seis sistemas de admissão de água dos canais e em torno de 80 mil ligações domiciliares.
Mas os trabalhos não terminam por ai, a segunda parte do projeto, previsto para conclusão em 2016 incluem a instalação de 260 quilômetros de redes coletoras, coletores tronco de recalque, 29 estações elevatórias, duas estações de pré-condicionamento de esgotos sete quilômetros de emissários terrestres e ampliação de 1,3 quilômetro de emissários submarinos, possibilitando 37 mil novas ligações domiciliares ao sistema de esgotamento.
Contatos:
Ingá Engenharia: www.inga.eng.br
Instituto de Biociências da UNESP: www.ib.rc.unesp.br
Instituto Trata Brasil: www.tratabrasil.org.br
Saneamento básico: um serviço universal
por Vicente de Aquino
O Brasil tem um plano ousado para os próximos 16 anos: universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico como um direito social até 2030, contemplando os componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem das águas da chuva. É isto o que prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Entre as metas previstas estão a instalação de unidades hidrossanitárias em todo o território nacional até final de 2030, o abastecimento de água potável nas áreas urbana e rural das Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, e a erradicação dos lixões até 2014. Até o fim do prazo, propõe-se abastecimento de água potável em 98% do território nacional, 88% dos esgotos tratados e 100% dos resíduos sólidos coletados.
O plano prevê investimentos na ordem de
R$ 420 bilhões para populações urbanas e rurais do país, sendo 60% do governo federal e 40% de estados, municípios e iniciativa privada. Desse total, R$ 157 bilhões vão para esgotamento sanitário, R$ 105 bilhões para abastecimento de água, R$ 87 bilhões para melhoria da gestão no setor, R$ 55 bilhões para drenagem e R$ 16 bilhões para resíduos sólidos.
Dentro desse montante já estão incluídos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na primeira edição do programa, foram previstos o total de R$ 40 bilhões, R$ 36 bilhões do Ministério das Cidades e
R$ 4 bilhões da Fundação Nacional de Saúde. Esses recursos foram repassados a municípios, estados e companhias prestadoras de serviços de saneamento, que por sua vez devem licitar e gerenciar a execução das obras.
A segunda etapa do Programa (PAC 2) foi lançada em 2010, e o Ministério das Cidades recebeu mais R$ 41,1 bilhões para aplicar em ações de saneamento de 2011 a 2014. Desse total, R$ 16 bilhões já estão contratados ou em fase de contratação.
Muita dedicação
E quem tem se dedicado de corpo e alma para que os planos do governo federal alcancem sucesso é a ministra-chefe da Casa Civil Gleisi Helena Hoffmann, que saiu de férias em 13 de janeiro, mas falou para a revista TAE sobre o que considera um dos planos mais audaciosos do governo da presidenta Dilma Housseff.
A ministra, que não volta mais ao governo, pois vai disputar o governo do Paraná, nasceu em Curitiba no dia 6 de setembro de 1965 e sempre foi uma das maiores entusiastas do Plano Nacional de Saneamento Básico: "É um trabalho muito árduo, que não dá votos, mas que é necessário. Levar água potável, coletar e tratar o esgoto significa mais saúde e, por consequência, menos doença. O governo investe numa área que, em algumas décadas, reverterá em menos gastos com a saúde no caso de doenças endêmicas. O governo precisa pensar nas populações mais carentes e, principalmente, nas periferias das grandes cidades", disse Gleisi Hoffmann.
O plano, instituído pela Lei 11.445/2007, no último dia 6 de dezembro, prevê alcançar nos próximos 20 anos, 99% de cobertura no abastecimento de água potável, sendo 100% na área urbana; e de 92% no esgotamento sanitário, sendo 93% na área urbana. Em resíduos sólidos, o Plansab prevê a universalização da coleta na área urbana e a ausência de lixões ou vazadouros a céu aberto em todo o país. Para águas pluviais, outra meta é a redução da quantidade de municípios em que ocorrem inundações ou alagamentos, na área urbana de 11%.
"Mas o governo também precisa pensar em incentivos para a área industrial. Somente com parcerias firmes e fortes com o setor privado conseguiremos vencer essa batalha desigual que é a falta de saneamento básico para uma grande parcela do povo brasileiro’’, disse a ministra.
E continua enfática: "O planejamento nesta área é condição indispensável para o Brasil avançar nos níveis de cobertura e na qualidade dos serviços prestados à população brasileira. Saneamento básico representa mais saúde, qualidade de vida e cidadania", acrescenta a ministra.
|
Parceria ideal
Gleisi Hoffmann fez questão de deixar claro que o Plansab é um plano coordenado pelo Ministério das Cidades e que sempre contou com o apoio incondicional do ministro Aguinaldo Ribeiro para que um sonho se tornasse realidade: "Não posso falar sobre o futuro de colegas e amigos, mas pelo que sei o ministro Aguinaldo também irá deixar o governo Dilma Rousseff até abril. É uma pena, pois ele estava perfeitamente entrosado com o Plansab. É necessário não perder o foco em um dos programas sociais mais importantes da presidenta Dilma", afirma Gleisi.
Quando fala do novo plano de saneamento, a ministra faz questão de citar um estudo feito pela Organização Mundial de Saúde: "Se considerarmos o levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada R$ 1,00 investido em saneamento, são gerados R$ 4,00 de economia na saúde. E para cada R$ 1 milhão investidos em obras de esgotamento sanitário, são gerados 30 empregos diretos e 20 indiretos, além dos empregos permanentes quando o sistema entrar em operação. Com um investimento médio de R$ 30 bilhões por ano, calcula-se que será gerado potencialmente quase 1,5 milhão de novos empregos no mesmo período’’, garante.
Gleisi diz que o empenho da presidenta Dilma Rousseff sempre foi essencial para que o Plansab saísse do papel e ganhasse contornos reais: "A presidenta Dilma Rousseff sempre esteve vivamente empenhada em enfrentar a questão de saneamento – sobretudo a de esgoto, para universalizar esses serviços até 2030. Essas propostas, feitas em conjunto com a Caixa Econômica Federal e com a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), têm o propósito de mobilizar empresas públicas estaduais e capital privado nesse sentido", explica.
A ministra salientou que as conversas com os empresários do setor industrial seguem aceleradas e que o projeto de parcerias público-privadas são a única forma de fazer com que o Plansab decole de uma vez e tenha um vôo de cruzeiro tranquilo: "A universalização é o sonho de todo o cidadão de ter água na sua porta, esgoto tratado, com os resíduos sólidos coletados e tratados adequadamente. As metas do Plano Nacional de Saneamento, Plansab, são ambiciosas mas a decisão política do governo permite que esse sonho esteja cada vez mais perto de se tornar uma realidade", fala Gleisi.
De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2012), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil possui 62,8 milhões de domicílios. Deste total, apenas 57,1% tem acesso a rede de esgoto, dado que demonstra o grande desafio que os governos têm de enfrentar e que devem ser uma prioridade.
"Colocar canos embaixo da terra não garante votos. Esse é um consenso que está se desmistificando dentro da classe política. Hoje sabemos que os investimentos na área de saúde pública geram empregos diretos e indiretos. Os diretos são aqueles relacionados com as empresas contratadas pelo governo para tocar as obras. Os indiretos são os criados pelas empresas que vão vender produtos para que a construção e conclusão das obras seja uma realidade. E estamos completamente focados em dar uma excelente qualidade de vida para todos os brasileiros. E para que isso aconteça é necessário mudar a forma e a maneira de se pensar em saneamento básico no Brasil’’, finaliza Gleisi Hoffmann.