Captação De Águas Subterrâneas É Rentável, Mas Requer Atenção À Legislação
Por Dayane Cristina Da Cunha Fernandes
Edição Nº 38 - agosto/setembro de 2017 - Ano 7
Aquíferos são formações geológicas constituídas por rochas capazes de armazenar e transmitir quantidades significativas de água. Em outras palavras, são reservatórios naturais subterrâneos que podem ser poucos a milhares de quilômetros quadrados
Aquíferos são formações geológicas constituídas por rochas capazes de armazenar e transmitir quantidades significativas de água. Em outras palavras, são reservatórios naturais subterrâneos que podem ser poucos a milhares de quilômetros quadrados, ou também, podem apresentar espessuras de poucos metros a centenas de metros de profundidade.
Existem três tipos de aquíferos: os fraturados ou fissurados, que como o nome diz, sua capacidade está baseada na quantidade de fraturas existentes para o acúmulo de água. A possibilidade de se ter um poço produtivo dependerá tão somente, de o mesmo interceptar fraturas capazes de conduzir a água. Um exemplo são as rochas Basálticas. Também existem os aquíferos cársticos, formados em rochas carbonáticas. Constituem um tipo peculiar de aquífero fraturado, onde as fraturas, devido à dissolução do carbonato pela água, podem atingir aberturas muito grandes (cavernas), criando verdadeiros rios subterrâneos. Um exemplo são as regiões com grutas calcárias. Além destes, existem os porosos, que ocorrem nas chamadas rochas sedimentares e constituem os mais importantes aquíferos pelo grande volume de água que armazenam e por sua ocorrência em grandes áreas. O maior exemplo dele é o Aquífero Guarani.
Segundo estudos, para a produção de 1.000 m3 de água potável, é preciso um investimento de US$ 80 mil, representando, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, um negócio mundial de cerca de US$ 320 bilhões anualmente. Neste mercado, a participação brasileira é de US$ 9 bilhões. A captação de água subterrânea, no entanto, se mostra a mais viável. Enquanto somente a armazenagem de rios custa entre $ 123 e $ 246 por m3, a captação de águas subterrâneas, por poços tubulares, custa entre $ 80 e $88.
Assim, investir em alternativas que viabilizem o uso racional e rentável da água de fontes subterrâneas pode ser um bom negócio, mas é preciso vencer alguns entraves, que vão desde o desconhecimento até a legislação vigente.
Para a captação de águas superficiais, é preciso pesar na balança os benefícios de ganhar autonomia com relação às concessionárias, e respectiva redução de custos com a responsabilidade pela adequada gestão das águas, o que envolve além do investimento inicial na implantação do sistema de captação superficial, a necessidade de se implantar um sistema de tratamento da água, dada a incerteza e variabilidade, tanto da quantidade, mas especialmente da qualidade destas águas, bem como uma manutenção constante.
Em termos de exploração das águas subterrâneas, realizada por meio de poços tubulares profundos, que geralmente apresentam uma qualidade superior às águas superficiais, mas não necessariamente potáveis, também acabam requerendo análises periódicas e sistemas de tratamento adequados para sua posterior utilização, em função da qualidade requerida para as diferentes finalidades, especialmente para uso em caldeiras e consumo humano. Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), as águas subterrâneas estão se tornando uma fonte alternativa muito utilizada, por todos os grandes usuários de água, e por cerca de 95% das indústrias, que possuem poços próprios ou água fornecida através de contratos de risco.
O contrato de risco é aquele em que as empresas perfuradoras são responsáveis pelo projeto, locação, perfuração e operação do poço e sistemas associados, sendo remuneradas pelo volume de água fornecida. Essa modalidade exime o contratante dos riscos associados: geológicos e construtivo dos poços, assim como do ônus operacional e de manutenção do sistema durante a vigência do contrato.
Legislação
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a água é um bem de domínio público pertencendo aos estados e à União. No caso das águas superficiais elas podem ser de domínio do Estado ou da União quando forem rios de divisa ou que atravessam mais de um estado. No caso das águas subterrâneas elas pertencem exclusivamente aos estados.
Sendo assim, em termos do aproveitamento de águas subterrâneas para consumo humano, mais especificamente à exploração de águas minerais, sua utilização é regulamentada por legislação federal específica, sendo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o órgão responsável pelas autorizações correspondentes.
Na Constituição do Estado de São Paulo, Art. 206, as águas subterrâneas são consideradas como reservas estratégicas para o desenvolvimento econômico-social e valiosas para o suprimento de água às populações, devendo ter programa permanente de conservação e proteção contra poluição e superexploração, com diretrizes estabelecidas por lei. O Estado de São Paulo foi pioneiro na implementação de leis relativas a recursos hídricos e águas subterrâneas através da Lei nº 6.134/88 que dispõe sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas do Estado de São Paulo. Dentre outros dispositivos, estabelece a necessidade de elaboração de programas permanentes de conservação, a obrigatoriedade de cadastramento de todo poço perfurado, tendo sido regulamentada pelo Decreto no 32.955 de 07/02/91.
Além disso, a Lei Estadual nº 7.663/91, que instituiu o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, atribuiu responsabilidade ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) para o estabelecimento dos procedimentos de licenciamento e outorga do uso de águas subterrâneas e superficiais, regulamentadas pelo Decreto 41.258/96. O DAEE, portanto, é o órgão gestor dos recursos hídricos do Estado de São Paulo. Atua de maneira descentralizada, com diversas unidades espalhadas pelo estado, e é o responsável pela outorga de utilização de recursos hídricos, bem como o licenciamento de poços profundos, conforme o Decreto 41.258 de 31/10/96, que regulamenta a Outorga dos Direitos de Uso dos recursos Hídricos e a Portaria 717/96.
Para os especialistas da Acquabrasilis, a engenheira Sibylle Muller, a geóloga Fernanda Cecília Dias Barros e o engenheiro Cesar Argentieri Ferreira, a legislação acerta em exigir uma renovação da licença a cada cinco anos, além de exigir o monitoramento da qualidade da água durante esse período. Mas alertam.
"Atualmente, o controle é feito pelo DAEE de forma independente da Vigilância Sanitária.
O controle qualitativo centralizado poderia otimizar o monitoramento da qualidade do lençol freático, bem como para garantir o uso sustentável dos recursos hídricos. Uma melhor fiscalização da qualidade e volume das águas seriam também importantes para confirmar as premissas passadas durante a fase de licenciamento e atualizar as bases de dados".
Já para a geóloga Marília Costa Miranda, da General Water, a maior falha está na falta de cumprimento dos usuários.
"De modo geral, acredito que a maior falha não está na regulamentação, mas na ausência de seu cumprimento por grande parte dos usuários, e de acompanhamento das ações por parte dos órgãos gestores. Sabemos que, atualmente, os técnicos se dirigem a obras ou sistemas em operação somente mediante denúncia". Mas conclui que o processo pode ser facilitado em benefício do uso racional do bem.
Para o pesquisador de Pós-Doutorado no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, Bruno Pirilo Conicelli, a falta de investimento dos estados atrapalha a gestão das águas subterrâneas. "A regulação que existe no setor das águas subterrâneas coloca nas mãos dos estados a outorga e a fiscalização. Entretanto, como os estados não investem na estruturação do setor de gestão, há poucos funcionários para poder executar estas as tarefas, ademais este setor não conta com investimentos públicos em estrutura para informatizar os serviços, muito menos para realizar trabalhos educativos".
O presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, José Paulo Godoi Martins Netto, defende o uso de mecanismos próprios e inteligentes para a facilitação das outorgas.
"Temos que criar mecanismos que facilitem a outorga de uso destes recursos, pois como já demonstrado, não vivemos sem eles, e os erros estão na restrição e impedimentos ao uso sem critérios técnicos". Segundo ele, o Rio Grande do Sul conta com um sistema de outorga de uso eletrônico muito rápido. Em outro sentido, Netto alerta para as restrições baseadas em interesses econômicos. Segundo ele, alguns estados têm impedido o uso de águas subterrâneas onde há rede pública de abastecimento de água.
"Obrigar este usuário a comprar água da concessionária é o mesmo que dizer que não se pode ter um gerador de energia elétrica, ou placas solares ou outra forma de geração de energia, onde se tem uma rede elétrica". E conclui.
"Não podemos tirar do usuário o seu direito de escolher a forma que melhor lhe convier, de suprir suas necessidades".
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Falta de informação
A gestão das águas subterrâneas enfrenta o desafio de proteger um bem oculto, que envolve os dois principais recursos de natureza política: água e solo. Tais recursos consubstanciam relações de poder por excelência e criam alguns entraves, segundo Sibylle Muller, engenheira da AcquaBrasilis.
"Entendemos, como entraves importantes para o uso de água subterrânea, as faltas de políticas públicas voltadas ao incentivo e propagação do uso desta fonte de água, falta de incentivos para o desenvolvimento do setor e de investimentos em pesquisas, deficiência de capacitação profissional para a correta e responsável atuação no mercado. Além disto, existe, ainda, certa morosidade dos órgãos licenciadores, principalmente, por conta de falta de corpo técnico. Os comitês de bacias também têm mostrado pouco envolvimento no assunto".
A morosidade é citada também pela geóloga Marília Costa Miranda, da General Water, que alerta para a clandestinidade por falta de rapidez nas outorgas. "Os maiores entraves ao uso das águas subterrâneas em São Paulo consistiam no excesso de burocracia e morosidade para a emissão das outorgas de direito de uso, levando inclusive muitos usuários a optarem pela clandestinidade, visto que estudos acadêmicos recentes dão conta de que cerca de 40% dos poços em operação são ilegais na Bacia do Alto Tietê".
O presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, José Paulo Godoi Martins Netto, afirma, no entanto, uma mudança no cenário.
"Estamos passando neste momento por uma alteração importante na legislação relativa ao licenciamento dos recursos hídricos no Estado de São Paulo, através da publicação das novas Portarias do DAEE. Com estas publicações, o DAEE prevê que haverá uma simplificação e celeridade no andamento dos processos de Outorga de direito de uso dos recursos hídricos".
No entanto, além da legislação lenta e fiscalização morosa, Fernanda Cecília Dias Barros e Cesar Argentieri Ferreira, geóloga e engenheiro da Acquabrasilis, respectivamente, falam sobre a importância de mais estudos e profissionais qualificados."Por ser bem oculto, seria de fundamental importância para um uso mais seguro, aumentar a base de dados sobre o assunto, com informações técnicas importantes, que pudessem auxiliar na tomada de decisões. Neste aspecto, universidades e centros de pesquisa poderiam assumir maior importância para garantir a confiabilidade e a rastreabilidade dos dados, garantindo, ainda o uso sustentável dos recursos hídricos".
Estudos não faltam. Em 2014, Conicelli, sob a supervisão do Prof. Dr. Ricardo César Aoki Hirata, vice-diretor do Centro de Pesquisa sobre Águas Subterrâneas (Cepas-USP), divulgou sua tese de Doutorado em Ciências, pela Universidade de São Paulo. Com o título "Gestão das Águas Subterrâneas na Bacia Hidrográfica do Rio Tietê (SP)", o pesquisador ratifica a importância do poder público para esta questão.
"Os gestores públicos precisam ter a real noção do que é e como funcionam os aquíferos para melhor tomar decisões. É necessário investir no processo de gestão: profissionais capacitados para acelerar a outorga e realizar a orientação, educação e a fiscalização". E complementa.
"É preciso popularizar o conhecimento sobre este importante e estratégico recurso natural: o que é um aquífero, como funcionam as águas subterrâneas, como melhor fazer sua explotação, quem faz e para que se utiliza dessas águas. Comparado com as águas superficiais o desconhecimento é colossal".
Neste ponto, Marília Costa Miranda, geóloga da General Water, defende a informação correta em todos os níveis de ensino e divulgação ampla à sociedade.
"Como estamos tratando de um recurso ‘invisível’, seria interessante contemplar mais informações sobre os recursos hídricos subterrâneos desde a educação infantil, para que a sociedade como um todo possa ser mais bem esclarecida sobre o assunto. Grande parte do preconceito que ainda existe sobre a utilização de águas subterrâneas é resultante de informações errôneas e trabalhos mal executados. Muitas pessoas acreditam que somente a água proveniente dos rios é utilizada para abastecimento público, e desconhecem o fato das águas subterrâneas apresentarem, de modo geral, qualidade superior do que a das águas superficiais".
Netto concorda com a geóloga e defende a organização das informações.
"Temos que aumentar a quantidade e organizar as informações entre os órgãos gestores, facilitando assim o entendimento da questão e criando um ambiente que facilite o uso sustentável e sem restrições infundadas baseadas em interesses econômicos".
Para Osvaldo Aly, pesquisador do Centro de Estudos em Águas Subterrâneas (Cepas-USP), existe uma falha na regulação do uso da água em geral. Ele, Conicelli e Hirata explicam que a Lei de Águas fala da importância da conservação de mananciais e que a água deve retornar com a qualidade que foi extraída, mas isto não acontece.
"No caso da água subterrânea, dado que sua explotação (extração) não é perceptível, não se tem a noção de onde e o quanto de água estão sendo retirados. Também não se tem uma noção dos processos de recarga dos aquíferos. Esses dados, juntamente com o conhecimento aproximado do volume de água de um aquífero, são básicos para se obter uma explotação sustentável prolongando a vida útil dos aquíferos, uma vez que existem aquíferos cujo processo de recarga é muito lento (de milhares de anos)".
Aquífero Guarani
Considerado o maior reservatório subterrâneo de água doce do planeta, o Aquífero Guarani possui cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, estendendo-se desde a Bacia Sedimentar do Paraná até a Bacia do Chaco–Paraná, estando presente em quatro países da América do Sul: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. No Brasil, esse aquífero se estende pelo subsolo de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Não se sabe com precisão a quantidade de água armazenada no Aquífero Guarani, no entanto, conforme a Agência Nacional de Águas (ANA), as reservas permanentes de água são da ordem de 45 mil quilômetros cúbicos, sendo que aproximadamente 65% desse total está localizado no território brasileiro.
Em maio de 2017, o Senado aprovou o Projeto Legislativo (PDS) que confirma o Acordo sobre o Sistema Aquífero Guarani (SAG), assinado em 2 de agosto de 2010, em San Juan, na Argentina. No acordo, está determinado que a utilização dos recursos hídricos deva ser baseada em "critérios de uso racional e sustentável", além de respeitar a obrigação de não causar prejuízos aos demais países, nem ao meio ambiente.
Para isto, foi criado um conjunto de ações de conservação e aproveitamento sustentável, respeitando o domínio territorial de cada parte sobre as porções do aquífero, prevendo transparência e troca de informações entre os países, de modo que dados técnicos e avaliações de impactos relativos a intervenções em qualquer dos países sejam compartilhados com os demais. Trata-se de uma forma de tentar proteger outros países sempre que um deles se dispuser a realizar a extração de água do aquífero.
Hirata, em conjunto com Francesco Sindico, da Universidade de Surrey, e Alberto Manganelli, diretor executivo do Centro Regional para Gestão de Águas Subterrâneas (Ceregas), com sede no Uruguai, desenvolveram um documento sobre o acordo. Segundo ele, o acordo contribuirá para o cumprimento de importantes metas, indicadores e requerimentos processuais de tratados internacionais que os quarto países já assinaram, tais como as do Desenvolvimento Sustentável e do Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas Globais.
O informativo sugere que "até que o Acordo não entre em vigor, será mais difícil que atores nacionais e internacionais estejam dispostos a financiar ações no Aquífero Guarani. Na verdade, além de projetos internacionais esporádicos, que não avaliam o aquífero em profundidade, e de outras poucas cooperações bilaterais entre cidades fronteiriças, tem havido um declínio substancial nas atividades em sua abrangência, desde o final do Projeto Aquífero Guarani, que teve financiamento da Organização dos Estados Americanos e do Banco Mundial, através do Fundo das Nações Unidas para o Ambiente (GEF), em 2009". Hirata, Sindico e Manganelli defendem que "com a entrada em vigor do Acordo Guarani será mais fácil desbloquear fundos internacionais, nacionais e mesmo privados".
A assinatura do acordo foi vista como positiva aos especialistas entrevistados nesta reportagem. "Tendo em vista o uso cada vez maior e consequente esgotamento crescente dos recursos hídricos superficiais na parte do Sudeste e Sul do País, os recursos hídricos subterrâneos do Aquifero Guarani assumem importância enorme no que se refere a fontes de água para o futuro", segundo os especialistas da Acquabrasilis.
Netto, presidente da Abas, também fala sobre a importância do uso racional do Aquífero Guarani. "Toda forma de proteção à exploração predatória e que possa causar prejuízo a exploração dos vizinhos, quanto a qualidade e quantidade, é bem vinda". O presidente também é favorável à aprovação do acordo.
"A aprovação pelo Senado Brasileiro é uma demanda antiga do segmento, e favorecerá a troca de informações, aumentando o nível de segurança do uso, e preservará o aquífero como um todo".
Miranda, da General Water, alerta no entanto, para mais questões envolvendo o Aquífero.
"Ainda é necessária maior organização do poder público no Brasil visando um controle mais eficiente dos recursos hídricos subterrâneos. Atualmente, percebemos que o assunto é colocado em pauta apenas em momentos de crise, como a que vivenciamos recentemente em São Paulo, e estamos enfrentando nas regiões Centro-Oeste e Nordeste". E ressalta.
"É importante que haja maior interação entre o poder público e entidades de pesquisa, que detém o conhecimento técnico do tema, auxiliando na tomada de ações mais eficientes. Vemos, por exemplo, que os bancos de dados existentes são incompletos e desatualizados, dificultando o planejamento e tomada de decisões. A tecnologia disponível nos dias de hoje poderia servir de forte aliado nesta atividade de gestão dos recursos hídricos subterrâneos, mas para isso, é necessário o auxílio de um corpo técnico preparado e competente". A geóloga acredita que o acordo trará benefícios.
"O Acordo do Sistema Aquífero Guarani é um exemplo de iniciativa que pode fortalecer a gestão do poder público, uma vez que atrairá mais investimentos e financiamentos para projetos de estudo do aquífero, além da troca de informações sobre as melhores práticas utilizadas em cada país participante (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) na gestão das águas subterrâneas".
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Uso sustentável
Independente do tipo de poço utilizado, ou de onde pretende-se retirar a água, especialistas concordam unanimemente: é preciso fazer o uso sustentável deste recurso.
Em sua tese de doutorado, Conicelli afirma "que a água subterrânea passou a ser uma das grandes reservas disponíveis para suprir à crescente demanda na região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (BAT). Nessa trajetória, onde atualmente existem aproximadamente 12 mil poços fornecendo cerca de 10m³/s. Na BAT este cenário de dependência ao recurso hídrico subterrâneo se acentua, na medida em que a disponibilidade de água superficial diminui. Dessa forma, a intensa extração de água, concentrada na área urbana da bacia, tem causado rebaixamentos nos níveis dos aquíferos".
O estudo aponta que a situação se agrava porque parte da água disponível acaba sendo contaminada na captação, tornando-a indisponível.
"Hoje na BAT são reconhecidas 2.018 áreas onde os aquíferos e os solos são contaminados, ademais de existirem outras 53 mil atividades com potencial para gerar contaminação aos aquíferos".
O pesquisador fez um mapeamento das áreas críticas integradas de qualidade e quantidade, onde a área da BAT foi dividida em células de 500x500m. De um total de 23.867 áreas em toda a BAT, foi possível identificar, 943 áreas de alta, 1876 áreas de média e 3120 áreas de baixa criticidade. Situação, segundo ele desconhecida pelos usuários dos recursos hídricos.
"Apesar desse cenário, a gestão das águas subterrâneas ainda é bastante incipiente na bacia. A limitação é ainda maior, pois a identificação dos poços é difícil e os problemas, quando detectados, não são de responsabilidade de apenas um, mas de um conjunto de usuários. Assim, como em outras regiões metropolitanas do Brasil, a BAT possui uma alta densidade de poços ilegais, onde a sua explotação acarreta em um rebaixamento excessivo nos níveis dos aquíferos, reduzindo a oferta de água, diminuindo assim, a segurança hídrica da bacia".
O estudo, que está disponível para leitura na íntegra pela Internet, aponta para novas formas de se relacionar com este bem.
"Experiências na gestão das águas subterrâneas têm indicado que o gerenciamento desse recurso terá mais sucesso quanto maior for a participação do usuário, portanto a gestão da água, aplicada nesse trabalho através da integração de informações relativas ao meio físico, uso e ocupação do solo, aspectos sócios econômicos, do balanço hídrico, e os aspectos hidrogeológicos torna-se fundamental para prover o conhecimento e as ferramentas gerenciais para a tomada de decisões e conscientização dos usuários, que levarão à proteção e ao uso controlado dos recursos hídricos subterrâneos".
E a frase, muito utilizada em programas de Educação Ambiental, parece ser mais propícia que nunca, no que diz respeito à águas subterrâneas: "sabendo usar, não vai faltar".
Mitos e verdades
Águas subterrâneas são de qualidade inferior às superficiais? Mito.
A água potável captada tradicionalmente em nosso país em mananciais superficiais está cada dia mais cara, seja pela sua escassez e necessidade de busca cada vez mais distante dos locais de consumo, ou pelo tratamento a que deve ser submetida para garantir a saúde pública.
A água subterrânea é geralmente captada em locais próximos ao consumo, não necessitando de redes de transporte, o que resulta em redução de custos. Por ser captada em profundidades, normalmente não sujeitas a contaminações causadas pelas atividades humanas, é, em geral, água de boa qualidade, necessitando pouco tratamento para ser considerada potável.
"Muitas vezes usamos águas de poços subterrâneos de excelente qualidade para fins não potáveis, como por exemplo, em lavagens de veículos, que poderiam usar águas de menor qualidade, e deixamos de abastecer a população com esta água, barata e de boa qualidade". Especialistas da Acquabrasilis.
Os poços vão acabar com a água subterrânea e secar os aquíferos? Mito.
"O uso racional de poços pode contribuir com a preservação dos aquíferos. As companhias de saneamento têm milhares de poços em operação e fazem uso combinado de água superficial e subterrânea todos os dias. Somente áreas contaminadas, regiões superexploradas e outras condições particulares devem ser tratadas de maneira diferenciada. Nestas condições, restrições técnicas devem ser aplicadas, mas não de forma geral e em todo o território brasileiro". José Paulo Godoi Martins Netto, da Abas.
"Muitas pessoas sequer imaginam que é possível captar expressivos volumes de água de ótima qualidade a grande profundidade, e que este é um recurso infinito, quando sua captação é realizada dentro das normas de boas práticas de construção e gestão". Marília Costa Miranda, da General Water.
Contatos:
Acquabrasilis: www.acquabrasilis.com.br
Associação Brasileira de Águas Subterrâneas: www.abas.org
Bruno Pirilo Conicell: Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo
General Water: www.generalwater.com.br
Referências bibliográficas:
HIRATA R., SINDICO F., MANGANELLI A. A importância da entrada em vigor do Acordo do Sistema Aquífero Guarani. 2017. Disponível em https://www.strath.ac.uk/media/1newwebsite/departmentsubject/law/strathclydecentreforenvironmentallawandgovernance/pdf/policybriefs/SCELG_Policy_Brief_No_8.pdf. Acesso em 15 de julho de 2017.
CONICELLI, B. P. Gestão das Águas Subterrâneas na Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (SP) 2014. 163 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Geocências – Universidade de São Paulo. Disponível em < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44138/tde-09102014-140000/pt-br.php>. Acesso em 15 de julho de 2017.