Avaliação do cultivo de girassol por meio de fertirrigação com efluente gerado por sistema de tratamento do tipo vermifiltro
Por Camila Haruna Vatanabe Hosoi, Larissa Henrique Vilella e Fábio Campos
Edição Nº 54 - abril/maio de 2020 - Ano 9
A representação da agricultura irrigada engloba 40% da produção agrícola e ocupam aproximadamente 17,7% da área total cultivada
A representação da agricultura irrigada engloba 40% da produção agrícola e ocupam aproximadamente 17,7% da área total cultivada (VELOSO, DUARTE e SILVA, 2004); os levantamentos apontados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) confirmam que a agricultura é a principal atividade responsável por demandar maiores quantidades de recursos hídricos.
Em função de tal demanda por água, a reutilização de águas residuárias para irrigação agrícola (fertirrigação) seria uma alternativa potencial de racionalizar esse bem natural constituindo-se de um instrumento para a gestão dos recursos hídricos no Brasil. (CAVALCANTE, 2015).
O conceito da fertirrigação com águas tratadas de efluente baseia-se no sistema de aplicação de fertilizantes advindos do próprio esgoto às plantas, havendo assim, o progressivo aumento da produtividade agrícola sem gerar danos ambientais e promovendo uma alternativa sustentável ao próprio efluente (DAMASCENO, 2008). Na perspectiva da fertirrigação, é possível abordar o assunto com vistas ao paradigma da sustentabilidade por meio do uso de sistemas de tratamento de esgoto que não gerem “resíduos”, permitindo a reciclagem de seus constituintes finais com baixo ou nulo custo energético, por meio da aproximação de sua configuração aos processos naturais, dentro do chamado Ecossaneamento (EAWAG e SANDEC, 2000; CORTEZ, 2009), e assim, fechando o ciclo do saneamento.
Dentre os processos desenvolvidos sobre essa premissa, há o denominado por Vermifiltração, o qual se constitui como um filtro biológico aeróbio sem geração de lodo, formado por uma camada superior contendo uma população de minhocas detritívoras, responsáveis, juntamente com a microbiota presente no substrato, pela degradação da matéria orgânica presente nos esgotos, transformando-as em vermicomposto (adubo) (KUMAR et al, 2014).
Sendo assim, o presente estudo buscou avaliar o potencial uso de efluentes gerados em um sistema de vermifiltração, na fertirrigação de uma cultura de girassóis, de forma a verificar os impactos no desenvolvimento da planta, quando comparados com uma cultura irrigada de forma convencional.
2. Material e Métodos
O experimento foi realizado em uma região de clima do tipo BSh (classificação de Köeppen e Geiger) com temperatura média de 24,4 ºC e pluviosidade média anual de 469 mm (Climate-Data.org). O monitoramento iniciou-se em 16 de abril de 2019 mantendo-se até 16 de julho de 2019, totalizando 92 dias de operação.
O sistema de vermifiltro que gerou os efluentes empregados nesse estudo, construído e operado por Lee e Naruse (2019), era constituído por 3 reatores: Reator 1 operou como vermifiltro, sendo composto por uma camada de 4 centímetros de seixos (meio suporte para as conexões hidráulicas de saída de efluente), seguida de uma camada de 17 centímetros de brita (leito filtrante) e 14 centímetros de substrato (solo de floresta primária) onde foram alocadas as minhocas da espécie Eisenia sp, conhecidas popularmente como minhocas californianas, mantendo-se, inicialmente, uma população de 90 minhocas. O fluxo sub-superficial vertical nesse reator não foi saturado para evitar o acúmulo de esgoto que poderia comprometer o hábitat das minhocas; o Reator 2 operou como leito filtrante, sendo constituído pela camada de 4 centímetros de seixos como meio suporte, seguido de uma camada de 30 centímetros de argila expandida; e o Reator 3, operou, também como leito filtrante, sendo formado pelo mesmo meio suporte seguido de uma camada de 30 centímetros de fibra de coco. Ambos os reatores 2 e 3 operaram com o fluxo sub-superficial vertical saturado. Foi aplicado vazão média de 36 L/dia, gerando um tempo médio de detenção hidráulica (TDH) global de 1,4 dias. O esgoto que alimentou a piloto era oriundo do CRUSP – Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, e passou por um tratamento preliminar constituído por gradeamento, canal de areia e caixa separadora de água/óleo.
Para o estudo do efeito da fertirrigação no crescimento e desenvolvimento de culturas de plantas ornamentais foram escolhidos dois tipos de Girassol, o Heliantitus annuus (uma planta de grandes dimensões) e o Sungold dobrado, (uma planta anã), sendo construídos dois canteiros, um irrigado com efluente do vermifiltro (fertirrigação) (CA) e o outro com água e fertilizante (CB) para servir de base de comparação. Os canteiros eram feitos de plástico de 0,1 m2 de área e 0,008 m3 de volume (25x39x8 cm), tendo como meio suporte uma camada de argila expandida, seguida por uma camada de 7 cm de solo orgânico. As sementes foram acomodadas em duas colunas com três linhas de disposição, com 2,5 cm de profundidade e um distanciamento de 10 a 12,5 cm entre elas. A água de fertirrigação usada no canteiro A, efluente do vermifiltro, era coletado ao longo do dia e armazenado em um garrafão de 5 L, sendo aplicado ao canteiro por meio de um sistema de gotejamento; a água de irrigação aplicada ao canteiro CB era constituída por uma solução aquosa contendo sais de nitrogênio e fósforo (cloreto de amônia e fosfato bibásico de sódio), igualmente mantida em um garrafão de 5 L e ligado ao sistema de gotjamento, com uma concentração baseada na média histórica desses elementos obtidos no efluente do vermifiltro. Ambos os canteiros foram mantidos com uma vazão média de 1 L/d.
Com o intuito de avaliar o desenvolvimento dos girassóis foram realizadas análises métricas nas plantas; as águas de irrigação tiveram os parâmetros demanda química de oxigênio (DQO), nitrogênio amoniacal, ortofosfato, alcalinidade, condutividade, pH e sólidos em suspensão total (SST) medidos duas vezes por semana. Os solos dos canteiros foram monitorados em termos de pH, condutividade e temperatura. Todas as metodologias seguiram a 21ª edição do Standard Methods for Examination of Water and Wastewater, da APHA / AWWA / WEF (2005).
3. Resultados e Discussões
3.1 Caracterização das águas de irrigação
A unidade piloto de vermifiltração apresentou uma boa remoção de sólidos em suspensão e matéria orgânica, expressa em termos de DQO, com valores médios de 77% e 81% de eficiência, respectivamente, porém, não se observou o mesmo desempenho para remoção de nutrientes (médias de remoção de 14% de conversão de nitrogênio amoniacal e 23% para ortofosfato); quanto ao pH, manteve-se em 7,5±0,2 e 286±51,8 mgCaCO3/L de alcalinidade; gerando um efluente final clarificado, com baixa concentração de matéria orgânica e valores expressivos para nitrogênio amoniacal e ortofosfatos da ordem de 60±15,1 mgN-NH3/L e de 4,0±2,0 mgP-PO4-3/L (LEE e NARUSE, 2019).
Sendo assim, o monitoramento da água de irrigação, coletado diretamente do garrafão de 5 L, aplicado no canteiro CA apresentou os seguintes valores médios: para DQO 36±11 mgO2/L, para SST 22±11 mg/L, de nitrogênio amoniacal 56±13,5 mgN-NH3/L, para ortofosfato de 5,2±0,9 mgP-PO4-3/L, de pH 7,6±0,3, para alcalinidade de 232,4±22,3 mgCaCO3/L e condutividade de 1974±14,1 µS/cm. No canteiro CB, obteve-se as médias: para DQO 17±1 mgO2/L, para SST 10±8 mg/L, de nitrogênio amoniacal 79±4,2 mgN-NH3/L, para ortofosfato de 7,6±1,2 mgP-PO4-3/L, de pH 7,2±0,3, para alcalinidade de 30,7±4,1 mgCaCO3/L e condutividade de 1177±14,1 µS/cm.
Deve-se ressaltar que, por volta do 71º dia de monitoramento, em função da verificação da diferença observa nas concentrações de nitrogênio e fósforo aplicados aos canteiros, atrelado ao bom desenvolvimento das plantas no CB, como será apresentado, optou-se por acrescentar uma massa extra dos sais de nitrogênio e fósforo à água de fertirrigação do CA, a fim de igualar as concentrações utilizadas.