Tratamento de água salobra com eficiência energética
Por Carla Legner
Edição Nº 55 - Junho/Julho de 2020 - Ano 10
A escassez de água é um problema que afeta todo o mundo
A escassez de água é um problema que afeta todo o mundo. Essa situação até parece contraditória, pois sabemos que 75% do planeta Terra é constituído por H2O. O fato é que a água, em si, está longe de ser um bem escasso.
O real problema está na falta de água potável. Mais de 97% dessa água não pode ser usada para consumo humano simplesmente porque é salgada.
Então, por que não tornar potável esse imenso volume de água, hoje salgada e imprópria, para consumo? Essa prática, ainda não tão popular, já é realizada em todo mundo, há, inclusive diversas técnicas para purificar a água salina ou água salobra, mas para muitos ainda é considerada uma ação bastante cara e inviável.
A dessalinização é basicamente um processo físico-químico de retirada de sais minerais, microrganismos e outras partículas sólidas presentes na água tornando-a potável e própria para o consumo. Atualmente existem vários tipos de processos para esse tipo de recurso, sendo a destilação térmica e a osmose reversa os métodos convencionais.
Evaporação ou destilação térmica: Podemos dizer, que a destilação térmica imita o ciclo natural da chuva. É o método mais antigo no processo de dessalinização. Da década de 1960 até o fim dos anos 1980, quase 85% de toda água do mar purificada passava por esse procedimento.
Através de energia fóssil ou solar, a água em estado líquido é aquecida. O processo de evaporação transforma a água de estado líquido para gasoso e as partículas sólidas ficam retidas, enquanto o vapor d’água é captado pelo sistema de resfriamento. Ao ser submetido a temperaturas mais baixas, o vapor se condensa, retornando ao estado líquido.
Na primeira etapa do processo, a água é armazenada em um tanque coberto por algum material transparente e essas temperaturas variam de 80°C a 100°C. O vapor acumulado na parte superior do tanque vai gradativamente se condensando, a água evapora, separando-se das partículas sólidas.
Em seguida a água é captada e remanejada para outro tanque, onde o vapor é posteriormente decantado e filtrado, para após ser armazenada e direcionada para o consumo. A melhor maneira de realizar esse método é por intermédio do aquecimento solar natural, pois outras formas de gerar calor podem ocasionar prejuízos ambientais e um alto consumo de energia.
Osmose reversa: A osmose reversa ou inversa, por sua vez, procura fazer o processo contrário ao fenômeno natural da osmose.
Na natureza, a osmose é o deslocamento de um fluido por meio de uma membrana semipermeável, no sentido do meio menos concentrado para o mais concentrado, buscando o equilíbrio entre os dois fluidos.
Esse processo é um pouco mais complexo, começa com a remoção de grandes partículas de impurezas da água salobra, como areia e lama. Sua ação requer o bombeamento da água por uma série de filtros que fazem esse trabalho deixando a água limpa, mas ainda salgada.
O líquido é, então, encaminhado para a dessalinização. Esse processo acontece com o trânsito da água salgada por uma membrana semipermeável, permitindo a passagem da água, mas não dos sais.
Na realização da osmose reversa é necessária uma forte pressão sobre a água, para deslocá-la em direção a as membranas osmóticas capazes de separar praticamente toda a água dos sais minerais e outras impurezas presentes no volume original. A maior parte das usinas de dessalinização atuais utiliza esse método, que demanda apenas custos na limpeza e reposição das membranas.
Destilação multiestágios: Nesse método, a água é aquecida em uma tubulação. Em de ebulição passa por sucessivos processos de destilação, sendo sequencialmente aquecida e transferida para pontos com diferentes níveis de pressão. Esse processo garante uma maior pureza da água, porém é mais caro, podendo ocorrer de duas maneiras: a destilação convencional ou a destilação artificial.
Congelamento: A água possui pontos de fusão e ebulição diferentes em relação a outras substâncias. Assim, da mesma forma que a evaporação garante que apenas a água evapore, separando-se dos sais e impurezas, o congelamento segue o mesmo princípio. No entanto, essa técnica ainda precisa de mais testes e aplicações.
Eletrodiálise: Esse processo separa os íons (ânions e cátions) de soluções aquosas na presença de um campo elétrico através de uma membrana semipermeável. Diferente da osmose reversa, a eletrodiálise separa o sal da água, entretanto, não elimina bactérias e fungos.
É evidente que cada processo tem suas características, vantagem e desvantagens, mas quando o assunto é eficiência energética, comparado os dois métodos mais utilizados hoje, a osmose ganha destaque. Sua principal vantagem é o consumo reduzido de energia. O processo térmico exige cerca 9 kw/h dessalinizar 1.000 litros de água.
Já os processos osmóticos de membrana mais modernos conseguem dessalinizar o mesmo volume com 3 kw/h quando a água inicial é do mar e até até 1,5 kw/h quando a água é salobra. Trata-se de, pelo menos, três vezes mais eficiência energética. Em alguns casos podendo chegar a até seis vezes mais.
Sem falar que a destilação térmica também é menos eficiente em termos de produção. Em média, o processo térmico resulta em 25% de água potável e 75% de salmoura. Já o osmótico de membrana tem rendimento de 50% a 50%.
Quando o assunto é dinheiro, no comparativo de custo/benefício, o processo que usa evaporação tem um custo de 10 a 15 vezes superior ao de técnicas com membranas. Com a osmose inversa, é possível gastar apenas R$ 1 para dessalinizar mil litros de água salobra e entre R$ 1,50 e R$ 2 para água do mar.
Além disso, ainda existe outro fator agravante, o processo térmico retira todos os sais e, se for direcionado para água potável, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) há a necessidade de sais minerais na água para o consumo.
É importante ressaltar que cada vez mais a destilação térmica e a osmose reversa estão sendo combinadas no processo de dessanilização, uma inovação que permite a otimização do uso da eletricidade e reduz os custos de produção.
A dessalinização como caminho para água potável
Com a preocupação pela falta de água por todo o mundo e com o tema dessanilização em alta, diversas ações e programas são realizados a fim de minimizar esse problema e levar o acesso a água potável para as regiões que mais sofrem com a sua escassez.
De acordo com a Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 83,5% da população brasileira tem acesso a água potável, ou seja, 35 milhões de pessoas ainda não são atendidos por este serviço básico.
O Projeto Mais Água é uma solução social humanitária que tem como principal objetivo viabilizar soluções hídricas justamente nesses municípios e em comunidades rurais do polígono das secas, região do sertão que mais sofre com os longos períodos de estiagem, onde a população não tem acesso a esse bem tão precioso.
No combate à falta de água no sertão, o projeto tem explorado diversas alternativas como soluções sociais, entre elas estão Sistema Dessalinizador; Limpeza e manutenção de barragens já existentes; Construção de barragens subterrâneas; Perfuração de poços artesianos; Fornecimento de água a partir de caminhão “pipa” para comunidades onde não há viabilidade para essas soluções, entre outras.
Pensando no custo/benefício alinhado com a efetividade, o projeto tem operacionalizado com mais frequência a instalação de sistemas de dessalinização junto aos poços de água salobra. Tais sistemas são capazes de filtrar os sais da água e, com apenas um equipamento, fornecer água potável a milhares de pessoas por mais tempo.
Hoje, são ao todo 10 sistemas de dessalinização e 2 barragens instalados que atendem a 19 comunidades e mais de 1.375 famílias que somam aproximadamente de 7.000 mil pessoas. Com o projeto, o volume de água já tratado e distribuído, ideal para consumo e preparo de alimentos para população, é aproximadamente 30,5 milhões de litros de água.
Em paralelo, o Programa Água Doce (PAD), uma ação do Governo Federal, visa estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano. Além disso, foi formulado com o intuito de construir uma metodologia para dar uma maior sustentabilidade na implantação dos sistemas de dessalinização.
Um dos principais diferenciais do Programa é a destinação ambientalmente adequada do efluente gerado no processo de dessalinização. Na maioria dos casos, o efluente é lançado num tanque de contenção para evaporação, evitando a degradação do solo. No entanto, dependendo das características físico-químicas deste concentrado, o mesmo poderá ser destinado a outros usos como dessedentação animal ou irrigação para agricultura biossalina.
As comunidades que possuem poços com vazões superiores a 5.000 litros/hora e solos com profundidade superior a 1,00m podem receber um sistema de produção integrado.
Outro diferencial é a gestão compartilhada dos sistemas de dessalinização, com participação efetiva das comunidades e representantes dos municípios, estados e governo federal. Em cada comunidade são construídos os “acordos de gestão compartilhada”, instrumentos que definem as reponsabilidades das partes na gestão.
Os sistemas de dessalinização implantados até o momento possuem capacidade instalada para produzir cerca de 2 milhões de litros de água potável por dia e beneficiar aproximadamente 200 mil pessoas.
As iniciativas dos projetos Mais Água e o Programa Água Doce promovem o acesso à água potável, o uso sustentável da água, contribuem para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas. É um esforço em conjunto com a comunidade para minimizar essas preocupações, disseminando boas práticas de uso sustentável da água e boas práticas de solidariedade e cidadania.