Décadas atrasado, Brasil corre atrás do saneamento, sem fórmula, tarifas de água e esgoto é que bancam
Por Cristiane Rubim
Edição Nº 57 - Outubro/Novembro de 2020 - Ano 10
Entre essas e outras, o Plano para o cumprimento das metas de universalização está saindo do papel. Debates e opiniões à parte, o fato é que não há fórmula para colocá-lo em prática
Entre essas e outras, o Plano para o cumprimento das metas de universalização está saindo do papel. Debates e opiniões à parte, o fato é que não há fórmula para colocá-lo em prática. O que banca a expansão do saneamento são as tarifas de água e esgoto pagas pelo consumidor, que está mais exigente, percebendo valor no saneamento. Para pô-lo funcionando como se deve, com eficácia, é preciso monitorar o cronograma de metas, obras efetivas entregues e serviços ativos. Não dá para dormir no ponto agora. Com a pandemia do Coronavírus, deu para perceber a importância do saneamento para a saúde da população. Então, só para lembrar: são 100 milhões de brasileiros sem esgotamento sanitário devido ao atraso de décadas fomentado pelo baixo investimento feito pelo Poder Público no saneamento.
Na prática
Quatro pilares formam o saneamento básico: distribuição de água, coleta e tratamento de resíduos sólidos, coleta e tratamento de esgotamento sanitário e águas pluviais. E a principal mudança com a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento é que as concessionárias de saneamento públicas ou privadas devem cumprir as metas de universalização até o final de 2033: cobertura de 99% para fornecer água potável e de 90% para a coleta e tratamento de esgoto.
O município é quem faz a concessão e fará a escolha da melhor proposta para atingir seus objetivos administrativos. “O modelo atual de contrato por concessão entre os municípios e as empresas públicas estaduais ou municipais será extinto. A nova concessão será feita obrigatoriamente por meio de processo licitatório aberto para disputas entre empresas públicas e privadas nas quatro áreas distintas” – explica o engenheiro civil Cláudio Henrique Milfont de Magalhães, diretor técnico-comercial da Water Gold Engenharia e mestre em Recursos Hídricos/Hidráulica.
O concedente pode ter uma empresa especializada em cada pilar. “O que pode trazer melhores resultados para a população, que saberá a quem cobrar e o que cobrar, sem ficar no famoso jogo do empurra-empurra de responsabilidades” – diz.
Será dado um tempo entre a possível saída da empresa atual e o início das operações da empresa vencedora da licitação. “Esse gap deve ser tratado com muita atenção para não deixar a população sem atendimento e penalizada pela não conclusão do processo licitatório.
O setor passará a ter concorrência e o município terá que avaliar a melhor proposta técnico-comercial” – esclarece Magalhães. Para avaliar todas as propostas, é preciso ter corpo técnico próprio ou contratado formado por engenheiros civil, mecânico, eletricista, automação, ambiental etc., geógrafos, biólogos, advogados, economistas e outros profissionais.
Para pôr em prática, é preciso concluir o processo licitatório. “O que não será tarefa fácil. Como toda licitação pode ser impugnada e ter processos administrativos e judiciais em paralelo, sanada essa parte, a previsão é que seja feito grande levantamento técnico para análise da situação atual. Esse estudo e demais ações trarão aquecimento da economia e geração de empregos. Porém, infelizmente, não temos mão de obra qualificada suficiente para atender toda a demanda nacional” – avalia Cláudio Henrique Milfont de Magalhães.
A aprovação do Novo Marco Legal injetará recursos privados e fomentos internacionais na matriz financeira nacional em projetos de saneamento. Precisamos ficar atentos às metas para entregas efetivas em infraestrutura no setor. “Os investimentos deverão ter cronograma, metas e indicadores para acompanhar as obrigações já estipuladas nos contratos. Antes, quando havia contrato, na maioria, não existiam obrigações com clareza bem definidas, o que tornava o instrumento regulatório difícil de ser exercido” – relatam a advogada especialista em Gestão de Meio Ambiente, Luciana Figueras, presidente do Instituto Agenda Urbana Brasil, e a economista especializada em Relações Internacionais, Karina Alencar, gestora da Câmara Técnica de Saneamento Básico do Instituto.
Tendo trabalhado por 32 anos na Sabesp, o engenheiro Gilberto Alves Martins, hoje consultor em Saneamento e Normalização, desenvolveu trabalhos técnicos e de normalização. Participou de Comissões de Estudos (CEs) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e passou a ser voluntário nela. A ABNT é uma entidade privada e sem fins lucrativos que elabora normas brasileiras, chamadas normas ABNT. Formadas por membros do setor produtivo, prestadores de serviço e representantes dos consumidores, fazem parte das CEs, no caso do saneamento, integrantes das empresas de saneamento, consumidores voluntários e representantes neutros de universidades ou de laboratórios, entre outros, que estudam e elaboram as normas da ABNT.
Na opinião de Martins e dos seus colegas, é a realidade que acontece. “Os governantes não investem em saneamento em seus ‘governos’ e a maioria da população não tem noção do que ocorre no setor. Há exemplos de obras, como do Metrô de São Paulo, que, em algumas linhas, já foram investidos montantes superiores ao investido em saneamento no Brasil em dez anos” – diz Martins, para reflexão.
Fábio Campos, doutor em Ciências FSP/USP, responsável pelo Laboratório de Saneamento PHA/EPUSP e coordenador da recém-criada Câmara Setorial de Filtros para Estações de Tratamento de Água, Efluentes e Reúso – CSFETAER (ver boxe) cita dados do Instituto Trata Brasil que mostram atraso de duas décadas de investimentos no saneamento, com prejuízo a 100 milhões de brasileiros em esgotamento sanitário. Cenário fomentado pelo baixo investimento do Poder Público, que em 2017 foi de apenas R$ 12 milhões, bem abaixo dos R$ 18 milhões/ano necessários para universalizar o saneamento até 2033.
A aprovação do novo Marco Legal do Saneamento abre margens para perspectivas ambíguas. “Por um lado, a flexibilização legal para a entrada do setor privado garantirá aporte de capital que, sem dúvida, alavancará os índices de saneamento. Por outro lado, o histórico de privatização de setores estratégicos no Brasil, como energia e telecomunicações, não é muito favorável quanto à qualidade, oferta e valores” – compara o Prof. Ph.D. Campos.
Desafio de Hércules Nestes próximos 13 anos, a estimativa de investimento é de R$ 700 milhões, de forma direta. “Neste novo cenário, entram as empresas privadas, concessionárias e participantes de Parcerias Público-Privadas (PPP). As empresas públicas ou de economia mista têm um desafio digno de Hércules” – avalia Magalhães. Segundo o SNIS-2018, a cobertura do saneamento básico no Brasil é: • Abastecimento de água com 92,8% da área urbana e 83,6% total; • Coleta de esgoto com 60,9% da área urbana e 53,2% total; • Tratamento de esgoto gerado 46,3% total; • Tratamento de esgoto coletado 74,5% total. |
Vencer o atraso
Dispomos de 13 anos para atingir as metas de universalização. Para Magalhães, do ponto de vista técnico-operacional, o maior problema é a falta de mão de obra qualificada para a elaboração de projetos, abrangendo os quatro pilares do saneamento básico. E o maior desafio é a falta de dados. “Muitas empresas de saneamento não sabem o que foi colocado durante as obras e/ou manutenções, os tubos estão enterrados e elas não têm o cadastro técnico dos sistemas atualizado. Além disso, não sabem qual o material dos tubos, os diâmetros, os tipos de válvulas, o encaminhamento da rede e várias outras informações” – adverte.
A recomendação é estar preparado para resolver as questões que o Novo Marco traz quando na prática do mercado. “O aquecimento da indústria e a retomada da economia deverão acontecer seja qual for o tipo de empresa vencedora da licitação de concessão, pública ou privada. O aumento da demanda dos diversos insumos do setor é um problema e desafio. Alguns produtos específicos não são fabricados no Brasil e outros só têm um fabricante nacional” – elenca.
“O georreferenciamento é condição sine qua non para qualquer projeto de infraestrutura, principalmente no saneamento. É o primeiro passo para um controle mais eficiente de custos, execução de obra, planejamento urbano e modelagem para as cidades inteligentes” – diz Magalhães. Segundo ele, as universidades, faculdades, centros universitários e cursos técnicos devem estar preparados para este aumento da demanda de mão de obra especializada nas regiões onde haverá maiores investimentos operacionais.
Com o Novo Marco Legal do Saneamento, o desafio maior é a entrega de obras diante da carência em todo o território brasileiro. “Realizar as obras produzirá nova dinâmica para as empresas privadas, o governo e a sociedade. As novas concessionárias aumentarão suas responsabilidades com a expansão de mercado em locais com alto custo de capital. As empresas precisarão gerenciar o equilíbrio financeiro do contrato de concessão com o cumprimento das metas físicas” – explicam Luciana e Karina, da Agenda Urbana.
Esse tripé gera expectativa para transformações estruturais positivas no saneamento.
“O governo deverá ser protagonista na formação dos planos de saneamento e fortalecer seu papel de regulador, e não mais operante, o que requererá amadurecer sua expertise no assunto e nas diretrizes da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA. Nesses últimos anos, a sociedade está mais participativa e vem exigindo seus direitos nas informações e celeridade nos serviços que paga. Além disso, houve mudança positiva na percepção de valor do saneamento” – destacam Luciana e Karina.
“O Marco Regulatório, implantado por Medida Provisória, que se originou em algumas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) ou Lei de Caráter ‘Constitucional ou não’, foi elaborado pela Câmara dos Deputados sem eles terem estudado as empresas de saneamento e sem terem ouvido as diversas entidades que atuam no saneamento no Brasil” – aponta Martins.
“Assim, o ‘Marco’ servirá apenas para privilegiar conglomerados que terão dinheiro para comprar as concessões e ganharem muito com os serviços lucrativos, deixando de lado os serviços deficitários hoje atendidos pelo benefício cruzado” – declara Martins. O benefício cruzado só pode existir se uma empresa tiver lucro em uma cidade e puder investir naquela e na outra cidade em que a arrecadação é deficitária.
Para Martins, existem erros no Marco Legal que poderão trazer mais atrasos ao saneamento. “A participação de empresas privadas em municípios superavitários, deixando municípios menores ou deficitários de lado. O que não ocorre com empresas de saneamento que precisam atuar em todos os municípios em que detêm a concessão” – alerta o consultor.
Para o Prof. Ph.D. Campos, o desafio é levar o saneamento a todos, vencendo o atraso de décadas e promovendo a justiça social.
“De um lado, ao concentrarem boa parte do PIB nacional, as capitais do Sudeste/Sul do Brasil têm os maiores investimentos no setor, fazendo com que as demais regiões sejam preteridas, produzindo índices baixíssimos de cobertura no saneamento. Mesmo nos Estados ditos ‘ricos’, é possível ver a desigualdade expressa nos baixos índices de saneamento quando comparamos as grandes cidades com as pequenas” – afirma.
Popularização A Abrafiltros – Associação Brasileira das Empresas de Filtros e seus Sistemas – Automotivos e Industriais lançou, no último dia 20 de agosto, a Câmara Setorial de Filtros para Estações de Tratamento de Água, Efluentes e Reúso. “O objetivo é estimular o diálogo entre representantes da cadeia produtiva, do Poder Público e da sociedade civil, criando um espaço que congregue os interesses técnicos e de mercados”, afirma João Moura, presidente da Abrafiltros. A CSFETAER, subordinada à presidência e diretoria da associação, será coordenada por Fábio Campos, professor e doutor em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP – FSP/USP e responsável pelo Laboratório de Saneamento do Depto. de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica (PHA) da USP. “A pauta do saneamento deve fazer-se presente nas agendas de todos os segmentos sociais, é fundamental avançarmos na sua universalização e oferecer à sociedade nossa parcela de contribuição na divulgação e popularização desse tema” – enfatiza o Prof. Ph.D. Campos. Segundo Moura, a Câmara poderá contribuir muito, considerando o elevado nível de poluição dos corpos hídricos, baixos investimentos e a defasagem tecnológica do setor. “É necessário organizar interlocutores para realizar uma ponte entre o Poder Público e a iniciativa privada com o objetivo de discutir, propor e acompanhar as demandas do saneamento básico – destaca. A Câmara reunirá todo mês associados, representantes de outros segmentos, do meio acadêmico e da sociedade civil. |
Chance de modernizar
Com relação à tecnologia, Magalhães cita o Índice Global de Inovação (IGI), no qual o Brasil é o 66° entre 129 países, devido ao País não ter produtos inovadores de escala global. Suíça, Suécia, Estados Unidos, Países Baixos e Reino Unido lideram o ranking. “Com todas as ferramentas e dispositivos hoje disponíveis no mercado nacional e internacional, o Brasil tem grandes chances de se modernizar, mas é necessário desenvolver tecnologias próprias, adaptadas à nossa realidade” – constata.
Segundo o diretor técnico-comercial da WG, já são realidades no saneamento nacional, porém, em poucas empresas: Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), a Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modeling – BIM), funcionalidade via aplicativos de celular, modelagem matemática e os Sistemas de Suporte à Decisão (SSD).
“A aplicação de IoT aumentará muito para medir o consumo de água e reduzir perdas de água, combate à fraude e melhoria de informações aos clientes” – salienta.
O controle de perdas é apenas um indicador da eficiência de uma empresa de abastecimento de água. “Os outros são os índices de macromedição e de hidrometração, idade média do parque de hidrômetros, pressão média da rede e o número de vazamentos em redes e ramais por ano. Todos esses índices podem e serão automatizados e monitorados em tempo real” – adianta Magalhães.
Há macromedidores e hidrômetros com tecnologia ultrassônica sem partes móveis e com maior vida útil. “Eles são capazes de informar anomalias na distribuição e adução, como fluxo reverso, tentativa de violação, falta de água e baixas vazões” – revela Magalhães.
O controle de pressão e vazão é feito por válvulas operadas hidraulicamente e monitoradas por um supervisório. Elas podem abrir e/ou fechar em horário programado e aumentar ou diminuir a vazão conforme a demanda. “Além disso, acompanham e informam a ocorrência de transitórios hidráulicos, onde há rompimento de tubulação e enviam sinal para o Centro de Controle Operacional. O CCO, por sua vez, aciona mais rápido as equipes de manutenção, que saberão previamente de todos os dados do cadastro técnico da rede” – discorre o diretor técnico-comercial da WG.
O uso de sensores inteligentes nas redes de água é tendência no mercado de soluções, a contrapartida, segundo ele, é o maior consumo de energia para mantê-los em “alerta”. Para evitar repetidas trocas de bateria, mesmo a cada cinco anos, pode-se aproveitar a água que corre nas tubulações da cidade para gerar energia elétrica e alimentar os dispositivos que monitoram e colhem dados em toda a rede de água, além de painéis solares. “A produção de energia de microgeradores dentro de tubulações urbanas permite que as concessionárias gerenciem suas redes de água inteligentes com fluxo de dados sustentável, eficiente e ininterrupto” – destaca Cláudio Henrique Milfont de Magalhães.
Segundo o Prof. Ph.D. Campos, no Brasil, empresas internacionais revendem sensores e tudo que permite a automação e o controle remoto das estações de tratamento. “A questão é o montante aplicado na aquisição e manutenção desses equipamentos. Um exemplo é a ETA Cubatão, administrada pela Sabesp, onde todo o monitoramento já é feito há tempos, via sensores, com grande automação. Não nos faltam equipamentos ou tecnologias, faltam investimento e ideal político na modernização do setor” – define.
Não faltam exemplos também de expertise do meio acadêmico em pesquisas nesse segmento. “Nosso meio acadêmico que se dedica a pesquisas na área não deixa nada a desejar, se não temos condições de ‘inovar’, conseguimos reproduzir as tecnologias estrangeiras, adaptando-as à nossa realidade ambiental e social, tendo capacidade técnica para enfrentar o problema. A questão é a política que gera o setor e o nível de investimento” – pondera o Prof. Ph.D. Campos.
A Era atual é da Indústria 4.0, mas algumas companhias de saneamento ficaram para trás. “A tecnologia no tratamento de água e esgoto reduz as falhas, aumenta a eficiência energética, incrementa a velocidade de operação e melhora a eficiência do sistema” – indicam Luciana e Karina. Além disso, a modernização do saneamento melhora a produtividade do sistema e ajuda a identificar e reduzir as perdas no fornecimento.
Por conseguinte, a tecnologia impactará no aumento da segurança hídrica das bacias. “O nível de desenvolvimento de um País e de uma sociedade está totalmente relacionado com o seu nível de desenvolvimento tecnológico. No saneamento, não poderia ser diferente. Com o fomento de recursos para o setor, ‘as portas’ do mercado nacional serão abertas para novas tecnologias, visando que o Brasil avance e se coloque em posição de igualdade com o mercado internacional” – enfatizam Luciana e Karina.
O Brasil está atrasado no saneamento porque não há investimento. “Existem empresas estatais muito eficientes e superavitárias que desenvolvem o setor. Outras empresas são deficitárias e não conseguem investir em saneamento pela falta da contribuição do governo. Os déficits não existiriam se pudessem investir mais em infraestrutura e tivessem recursos” – ressalta Martins.
País-referência
Israel é um país-referência em saneamento. “Devemos e podemos aprender muito com o governo israelense e o povo. Em pouco mais de 70 anos, a oferta hídrica mudou completamente e só foi possível com políticas sérias, consciência coletiva e respeito ao próximo” – sugere Cláudio Henrique Milfont de Magalhães.
De acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2019, cerca de 30% da água captada é perdida em vazamentos em todo o mundo. Todas as regiões do Brasil estão acima dessa média mundial. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento SNIS 2018, a média nacional do índice de perdas na distribuição é de 38,5%. “Em Israel, por exemplo, as perdas são inferiores a 8%” – compara Magalhães.
O maior mercado consumidor de água é a agricultura, para Magalhães, como em Israel, o Brasil deveria investir em tratamento avançado de esgoto para uso em irrigação. “O nível de tratamento terciário garante efluente de alta qualidade, livre da maioria de patógenos, ou remoção de outras substâncias das águas residuárias” – esclarece Magalhães. Os processos de tratamento terciário são: adsorção em carvão ativado, osmose reversa, eletrodiálise, troca iônica, filtros de areia, remoção de nutrientes, oxidação química e remoção de organismos patogênicos.
O tempo de maturação é curto. “Todo o processo já foi utilizado com êxito em outros países, a tecnologia já existe e está disponível. O tempo a ser considerado será o de implantação, que consiste em diagnóstico, projeto básico, projeto executivo e contratação das empresas para fornecer os equipamentos, entrega e instalação da tecnologia” – diz Magalhães.
Magalhães situa que o Brasil está atrás 30 ou 40 anos em relação a tecnologias, controle de perdas, gerenciamento de recursos hídricos e investimento. “Em Israel, houve financiamento dos Estados Unidos para desenvolver a tecnologia e o custo de implantação. Aqui deve ser um pouco diferente. O custo será para aquisição e implantação e não desenvolver as tecnologias. Os bancos públicos e/ou privados devem fomentar o capital para os projetos saírem do papel” – comenta.
PIB e Custo Brasil
Luciana e Karina mostram a relação entre o PIB e o Custo Brasil. Explicam que os sete países mais ricos têm nível tecnológico muito avançado e, segundo a ONU, estão enquadrados na categoria “muito alto desenvolvimento humano”, que vai até a 49ª colocação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Enquanto o Brasil está na 72ª colocação neste índice. Desde 2015, o Brasil é o oitavo país mais rico do mundo, se considerado seu PIB, conforme a Tabela 1. “Apesar do alto PIB, o Brasil gasta muito mais, e isso o faz mais pobre” – relatam.
Existe uma relação positiva entre o PIB per capita e o índice de tratamento de esgoto dos países:
“Nossas características socioeconômicas, conhecidas como Custo Brasil, que são uma das causas do nosso PIB estar crescendo lentamente há anos e não conseguirmos ser mais ricos. Estima-se que 70% do Custo Brasil se deve pela mão de obra pouco qualificada com baixa escolaridade, custo dos tributos, custos da infraestrutura, baixa ou ruim capacidade de crédito e ambiente regulatório frágil” – ressaltam.
Conclusão: existe uma série de questões relacionadas a serem enfrentadas e resolvidas ainda no Brasil. Por exemplo, Luciana e Karina dizem que o Brasil gasta muito com escolaridade, mas de forma ineficiente. Por isso, a taxa de escolaridade é baixa e é preciso melhorar essa gestão. Enquanto as reformas tributárias e de crédito estão na agenda do governo, mas ainda não definidas.
Custos com infraestrutura referem-se à energia, à logística e aos fatores de produção, e isso implica também a água. “A energia é um dos maiores custos de tratamento de água, após a mão de obra. No Brasil, os Estados com maiores custos de energia têm maior tarifa de água e esgoto. Assim, precisamos investir na eficiência energética e em tecnologia que consome menos energia” – enfatizam.
Não há fórmula
No saneamento, o Brasil está no 112º lugar no ranking de 200 países. “É inegável que precisamos melhorar o atual modo de gerir o saneamento, pois ele não foi eficiente. O Marco legal, mesmo não perfeito, trará mudanças importantes e positivas para o segmento” – afirmam Luciana e Karina.
Luciana e Karina indicam o que precisa para o progresso do saneamento:
1. Planejamento: Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) no qual são definidos os planos do governo e sua continuidade, mesmo que mudem os governos;
2. Financiamento mais favorável para as companhias de saneamento inovarem, o que implica dar viabilidade ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico (Reisb);
3. Novo método de gestão nas concessionárias voltado à empresa, para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e alcance das metas físicas, e não às Políticas Públicas, cujas funções são do governo;
4. Redução do risco regulatório, tendo a ANA como balizadora;
5. Estímulos para a inovação tecnológica e a redução de perdas.
Ao fazermos uma análise dos países mais ricos e com saneamento desenvolvido, precisamos melhorar nos quesitos já identificados:
“Não há fórmula de desenvolvimento do saneamento mágica, trivial, nem rápida para a universalização no Brasil diante das grandes disparidades econômicas e regionais. O que banca o investimento na expansão do saneamento são as tarifas de água e esgoto” – alertam Luciana e Karina. Segundo elas, a mudança está em gerir o equilíbrio financeiro do fluxo de caixa da empresa para que as novas concessionárias consigam cumprir suas metas físicas de obras e pagar suas despesas de capital e operacionais.
Uma análise da situação do Brasil comparando com outros países. “Vamos melhorar no saneamento com as mudanças trazidas pelo Marco Legal. Nossos indicadores são baixos, então, uma razoável melhora, matematicamente, produz alto resultado. Vemos positivamente a participação muito forte da sociedade, pois aumentou o valor do saneamento e fortaleceu a formação das políticas públicas em prol do seu desenvolvimento. Temos muito a crescer, por isso, o mundo está de olho no saneamento do Brasil” – avaliam Luciana e Karina, da Agenda Urbana.
Justiça social
Nos países de Primeiro Mundo, a maioria dos serviços de saneamento é pública e alguns deles tentaram a privatização, mas retomaram muitas das concessões. “As empresas privadas não estavam atuando como deveriam, ou seja, estavam querendo somente o lucro e não desenvolveram o saneamento como era esperado. Se naqueles países existe saneamento adequado, é porque as concessões públicas foram eficazes e não precisaram do investimento das empresas privadas” – analisa o consultor Martins.
A experiência mundial dá conta de um retrocesso: dados da ONU indicam que, nos últimos 15 anos, houve cerca de 180 casos de reestatização de concessionárias de saneamento em 35 países devido a falhas no cumprimento das metas, falta de transparência e dificuldade de monitoramento pelo Poder Público. “Logo, o ideal é o engajamento dos demais setores sociais para buscar equidade, transparência e justiça social nos trabalhos do saneamento” – sugere o Prof. Ph.D. Campos.
É preciso analisar os motivos e o contexto dos diversos países que optaram por privatizar o setor e depois voltaram atrás. “O que se percebe lá fora é que o nível de conhecimento e capacitação técnica da equipe que gera e controla uma estação de tratamento é maior. Os técnicos que trabalham nas ETEs e ETAs recebem mais capacitação técnica, treinamento e reciclagem, o que gera diferencial na condução do processo” – observa o Prof. Ph.D. Campos.
Modelo próprio
O Brasil tem um modelo próprio. “Se compararmos o Brasil com outros países de dimensões continentais, como Estados Unidos e Canadá, a área territorial não é motivo para mau serviço de atendimento” – diz Magalhães, da WG. Segundo ele, a distribuição de água no território nacional é desigual, veja na Tabela 2:
Todos os países possuem modelos próprios de saneamento. “O que atrai tanto interesse internacional é que o Brasil é o maior país de água potável do mundo e o quinto país mais populoso, atrás da China, EUA, Rússia e Indonésia, e temos uma receita ociosa enorme” – apontam Luciana e Karina, da Agenda Urbana.
“A frase que ouvimos de que o Brasil tem muita água não é totalmente verdadeira. Temos água, porém, naturalmente má distribuída entre as regiões” – explica Magalhães. Ele cita que como o Estado de São Paulo passou por escassez hídrica, obras grandes foram feitas, como o Complexo São Lourenço e a Transposição de Bacias Jaguari-Atibainha, para melhorar o abastecimento no Estado e que cidades da Região Norte têm água de sobra, porém faltam tratamento e coleta de esgoto.
E a falta de acesso à água potável e da coleta e tratamento de esgoto é fator para a propagação de diversas doenças de veiculação hídrica: diarreia por Escherichia coli, amebíase, cólera, leptospirose, disenteria bacteriana, hepatite A, esquistossomose, febre tifoide, ascaridíase, dengue, toxoplasmose, entre outras.
Magalhães mostra alguns números comprovando que o que diferencia o Brasil de outros países é a diversidade da distribuição da água:
• O Brasil detém 11,6% da água doce superficial do mundo;
• Cerca de 60% de toda água doce do mundo está concentrada em 10 países, entre eles, o Brasil;
• 70% da água disponível para uso encontra-se na Região Amazônica;
• Os 30% restantes distribuem-se desigualmente pelo País, atendendo 93% da população;
• O potencial hídrico do Brasil corresponde a 54% do total da América do Sul e a 14% do deflúvio total dos rios do planeta;
• A descarga média dos seus rios propicia disponibilidade hídrica de 38 mil m³/hab/ano;
• A demanda é de cerca de 1% deste valor.
A Tabela 3 mostra a distribuição hídrica no Brasil. Na opinião de Martins, se fosse utilizado o modelo da Sabesp, o saneamento do Brasil estaria muito mais adiantado e ele diz por quê. “A Sabesp atua em mais 360 municípios do Estado de São Paulo, nos grandes, como São Paulo e Santos, e bem pequenos, como Borá, com menos de 1.000 habitantes, e atende a toda a população daquela cidade, tendo o ‘prejuízo’ que as empresas privadas interessadas no saneamento não assumem em nenhum lugar do mundo, pois o interesse delas é o lucro” – pontua.
O sistema no Brasil não é integrado. “As estações de tratamento de água e esgoto não possuem interface para tratar em conjunto seus lodos, o que seria importante. Fortalecer e amparar ONGs e outros grupos da sociedade civil organizada que atuam levando o saneamento a regiões carentes também é algo a ser feito” – sugere o Prof. Ph.D. Campos.
Para ele, a impressão é que, independentemente do poder acadêmico, não há transferência de tecnologia para as plantas em operação. “Ainda capengamos em erros causados por problemas que já têm soluções; ainda há baixas eficiências por falta de manutenção nos equipamentos; não investimos na capacitação técnica. Nossa legislação é bem atual e moderna, do ponto de vista legal, estamos bem. A questão é transformar os ideais em atos” – resume o Prof. Dr. Campos sobre os grandes entraves ainda no saneamento.
Contatos
Water Gold Engenharia: claudio.milfont@wg.eng.br
Instituto Agenda Urbana Brasil: www.iaub.org
Eng. Gilberto Alves Martins: g.a.martins@terra.com.br
Dr. Fábio Campos: fcampos@usp.br