Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

Segundo RINAUDO (2006), a quitina é considerada a segunda substância mais abundante da natureza depois da celulose. Está presente nos exoesqueletos de crustáceos, insetos e fungos, e por esse motivo, pode ser obtida dos resíduos da indústria pesqueira


Segundo RINAUDO (2006), a quitina é considerada a segunda substância mais abundante da natureza depois da celulose. Está presente nos exoesqueletos de crustáceos, insetos e fungos, e por esse motivo, pode ser obtida dos resíduos da indústria pesqueira, que por sua vez, são descartados no meio ambiente e são considerados poluentes em muitos casos.
As cadeias produtivas das principais fontes utilizadas de quitina (camarão e caranguejo) geram resíduos que podem ser responsáveis por até 50% do volume total da matéria prima (ISLAM et al., 2004). A utilização da quitina e a sua transformação em quitosana são capazes de reduzir os impactos ambientais gerados por este acúmulo de rejeito.
Através do processo de desacetilação da quitina obtêm-se a quitosana, produto que apresenta as vantagens de ser de baixo custo, biodegradável e renovável. É possível realizar modificações nos grupos funcionais presentes em sua estrutura, resultando em materiais de diversas aplicações, que podem ser usados nas atividades econômicas, ambientais e de pesquisas. Uma característica importante é de ser um polietrólito linear com alta densidade de carga positiva. Essa propriedade lhe confere a capacidade de atuar na remoção de íons metálicos.
Atualmente, muitas indústrias lançam no meio ambiente efluentes que possuem metais pesados, como por exemplo as de tingimento, bijuteria, minério e de condutores elétricos. Estes resíduos afetam a saúde das pessoas que, de alguma forma, utilizam a água contaminada.
Mesmo em concentrações reduzidas, os cátions de metais pesados, uma vez lançados num corpo receptor, como por exemplo, em rios, mares e lagoas, ao atingirem as águas de um estuário sofrem o efeito denominado de Amplificação Biológica. Este efeito ocorre em virtude desses compostos não integrarem o ciclo metabólico dos organismos vivos, sendo neles armazenados e, em consequência, sua concentração é extraordinariamente ampliada nos tecidos dos seres vivos que integram a cadeia alimentar do ecossistema (Rupp, 1996).
Levando em consideração suas propriedades e aos problemas causados por efluentes contaminados, o objetivo deste trabalho é modificar quimicamente a quitosana utilizando ácido cítrico, para futuros tratamentos de águas que contenham metais pesados.

2. Referencial Teórico
2.1 Quitina e Quitosana 

A quitina é um copolímero linear cuja estrutura primária é formada por um dissacarídeo de unidades 2-acetamido-2-desoxi-D-glicopiranose (GlcNAc) e 2-amino-2-desoxi-D-glicopiranose (GlcN), unidas por ligações glicosídicas do tipo β(1→4) (DELEZUK, 2013, p.38). De acordo com o que está representado na Figura 1.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

De acordo com PAVINATTO (2009), a quitina é um polímero semicristalino que possui cadeias organizadas em folhas (ou lamelas) paralelas. O arranjo das cadeias nas folhas, nesses domínios cristalinos, possui variações. A quitina apresenta três polimorfas, denominadas α, β e γ-quitina (Figura 2), e são diferenciadas pela estruturação relativa das extremidades redutora e não-redutora das cadeias nas folhas. Essas variações lhes atribuem diferentes propriedades, devido às possibilidades de ligações de hidrogênio intra e intermolecular.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

A quitina encontra-se na matriz da estrutura esquelética de invertebrados, como Arthropoda, Annelida, Mollusca e Coelenterata, em algas Diatomáceas, estando presente também nas paredes celulares de alguns fungos, como Ascomicetos, Zigomycetes, Eusomycetes e Deuteromycetos (CAMPANA et al., 2007). Sua extração em escala industrial geralmente se dá através do exoesqueleto de caranguejo e camarão (ADBOU et al., 2008). A quitosana existe naturalmente apenas em algumas espécies de fungos, embora em pequenas quantidades (GARCIA et al., 2008; AGBOH; QIN, 1996).
A quitosana é obtida, geralmente, pela desacetilação da quitina, em meio alcalino. Nessa reação, os grupos acetamido das unidades acetil-glicosamino (GlcNAc) da quitina são convertidos em grupos amino, dando origem à quitosana (Figura 3) (CAMPANA FILHO et al., 2008; BATTISTI et al., 2008). 

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

2.2 Modificações Químicas
Quitina e quitosana são biopolímeros com inúmeras possibilidades estruturais para modificações químicas com o intuito de gerar novas propriedades, funções e aplicações (PILLAI et al., 2009). A tabela 1 mostra algumas aplicações da quitosana em suas respectivas áreas.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

A seguir seguem alguns exemplos de modificações químicas realizadas na quitosana:
• Os autores Ilauro S. Lima, Emerson S. Ribeiro e Claudio Airoldi, realizaram um trabalho onde a quitosana foi modificada quimicamente com anidrido succínico para realizar a adsorção de azul de metileno. Comparou-se a capacidade de adsorção de α-quitosana e sua forma modificada com anidrido succínio com a do carbono ativo adsorvente tradicional utilizando corante azul de metileno, empregado na indústria têxtil. Determinou-se a concentração de corante no sobrenadante do ensaio de adsorção através de espectroscopia eletrônica. Foram obtidos, a partir da titulação calorimétrica termodinâmica, os dados da interação entre o azul de metileno e a quitosana quimicamente modificada na interface sólido/líquido. 
O novo adsorvente proposto neste trabalho mostrou-se tão eficiente quanto o carvão ativado frente à adsorção do corante azul de metileno;
• Valfredo Tadeu de Fávere, realizou uma tese mostrando a adsorção dos íons Cu(II), Cd(II), Ni(II), Pb(II) e Zn(II) através de quitina, quitosana e quitosanas modificada. Foram empregadas para adsorver os íons em solução quitina, quitosana e quitosanas modificadas com ácido cetoglutárico, 3,4-dihidroxibenzaldeído e 8-hidroxiquinolina. Os polissacarídeos e as modificações químicas realizas com a quitosana foram caracterizados por espectroscopia de infravermelho, ressonância magnética nuclear de ¹³C e micro-análise. O estudo de adsorção mostrou que estes polímeros podem ser utilizados nos processos de íons de águas contaminadas;
• A autora Flávia Oliveira Monteiro da Silva Abreu, realizou uma tese onde se obteve hidrogéis a base de quitosana com alginato através de complexação polieletrolítica, visando otimizar os parâmetros de reação para produção de hidrogéis com propriedades adequadas para liberação controlada de fármacos. Neste trabalho, propôs-se a modificação química da quitosana através da adição de grupamentos carboxila na estrutura para maior solubilidade em meio neutro. Desenvolveu-se complexos polieletrolíticos de quitosana carboximetilada (CMQUI) com alginato em condições otimizadas de reação e tiveram suas propriedades comparadas com as dos hidrogéis ALG-QUI. 
Os hidrogéis resultantes apresentaram baixos valores de encapsulamento para os peptídeos avaliados, sendo assim, a aplicação não foi bem sucedida;
• Os autores Guilherme Leocárdio Lucena, Afranio Gabriel da Silva, Luzia Maria Castro Honório e Vandeci Dias dos Santos, realizaram um trabalho mostrando a remoção de corantes têxteis a partir de soluções aquosas por quitosana modificada com tioacetamida. Foram obtidas membranas de quitosana através de dissolução do biopolímero em uma solução de ácido acético 5% (v/v). Realizou a modificação química da quitosana a partir da adição de tioacetamina, com o objetivo de obter um material com maior eficiência no processo de adsorção de corantes têxteis, Para a caracterização do material utilizou-se a espectroscopia na região do infravermelho. As modificações empregadas à quitosana com o agente modificador tiveram rendimentos satisfatórios.

2.3 Ácido Cítrico
O ácido cítrico ou ácido 2-hidroxipropano-1,2,3-tricarboxílico apresenta a fórmula química C6H8O7, e sua fórmula estrutural está representada na Figura 4. É o principal constituinte dos frutos cítricos como: laranja, abacaxi, pêra, limão e pêssego.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

A acidez do ácido cítrico é devida aos três grupos carboxilas -COOH que perdem um próton em soluções. Como consequência, forma-se um íon citrato. Os íons citratos são bons controladores de pH de soluções ácidas, estes formam sais denominados citratos com muitos íons metálicos. O citrato de cálcio ou “sal amargo” é um importante citrato, utilizado geralmente na preservação e condimentação dos alimentos. (WEIL, 2004) A tabela a seguir mostra as aplicações do ácido cítrico.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

3. Materiais e Métodos
A quitosana utilizada neste trabalho foi adquirida da empresa Polymar, localizada em Fortaleza/CE. O ácido cítrico e o 1,4-butanodiol foram adquiridos da empresa Sigma-Aldrich. 
O persulfato de potássio, PA-ACS, foi adquirido da empresa synth. Ambos os materiais foram utilizados como recebido.
Espectroscopia na região do Infravermelho com Transformada de Fourier (FT-IR)
A espectroscopia na região do Infravermelho com Transformada de Fourier da quitosana pura, quitosana modificada e ácido cítrico foi obtido através do equipamento FT-IR Spectrometer PerkinElmer, com 32 Scans, na região de 500 a 4000 cm-1, utilizando modo ATR e resolução de 4 cm-1. Os ensaios por FT-IR são úteis para caracterizar os grupos funcionais presentes nos materiais e, também, avaliar a modificação química feita na quitosana.
Modificação química da quitosana com ácido cítrico
A modificação química da quitosana com ácido cítrico ocorreu em duas etapas. A primeira delas consistiu na incorporação das moléculas de butanodiol na estrutura da quitosana e a segunda, pela incorporação das moléculas de ácido cítrico. Isso foi necessário, pois a incorporação direta do ácido cítrico, por esse processo em solução, foi ineficiente. Sendo, assim, a primeira etapa consistiu na adição de 5g de quitosana em um béquer, com 200 mL de água destilada, sendo adicionado 2 mL de ácido acético glacial, para solubilização da mesma. O sistema foi agitado e mantido a temperatura de 45ºC até a completa solubilização da quitosana. Após esse tempo, 2,5g de persulfato de potássio foram adicionados a solução, que permaneceu sob agitação e aquecimento por mais 30 minutos. Transcorrido esse tempo, foram adicionados 5 mL de butanodiol, permanecendo sob agitação e aquecimento por 24h. Após o término do processo, foi preparada uma solução de NaOH, com concentração de 1M para neutralizar o pH da solução de quitosana. Com a solução em pH 7,0, o material foi precipitado em álcool isopropílico em grau analítico. Em seguida, este material foi transferido para tubos falcon de 50 ml, sendo feita a centrifugação por cerca de 15 minutos à 2500 rpm. Após esse processo, a quitosana modificada foi retirada e transferida para uma placa de petri, a qual foi seca em estufa, a 30ºC, por aproximadamente 12 horas. Na segunda etapa, a quitosana, incorporada com 1,4-butanodiol, foi solubilizada em água juntamente com 0,1g de ácido cítrico e mantida sob agitação, por 1 h, a 45ºC. Após esta etapa, a quitosana foi novamente neutralizada (pH=7,0), centrifugada com as mesmas condições, descritas na primeira etapa, e seca em estufa, a 30ºC, por aproximadamente 12 horas. Portanto, ao final dessas duas etapas, foi obtida a quitosana modificada quimicamente com ácido cítrico.

4. Resultados e discussão
A Figura 5 ilustra os espectros de FT-IR da quitosana pura, quitosana modificada e ácido cítrico.

Modificação química da quitosana utilizando ácido cítrico

No espectro de FT-IR da quitosana, Figura 5, foram identificados as seguintes bandas: 894 e 1153 cm-1 está relacionada à estrutura da sacarina; 1256 cm-1 é associado com a vibração de flexão O-H e 1066 cm-1 é atribuído ao estiramento C-O ambos do aminoácido mais fraco; 1315 cm-1 referente ao estiramento do grupo -CO-N; 1377 cm-1 é devido a deformação simétrica do CH3; 1425 cm-1 devido a deformação angular do C-H; 1539 corresponde a dobragem de N-H da amida II; em 1580 cm-1 
refere-se ao estiramento N-H da amida; 1646 cm-1 devido ao estiramento N-H da amida I; 2871 cm-1 é atribuído a vibração simétrica e 2926 cm-1 a vibração assimétrica do estiramento C-H; e a banda entre 3200 e  3450 cm-1 é atribuída as vibrações do estiramento O-H e  N-H (CHOO et al., 2016).
O espectro de ácido cítrico apresentou um deslocamento das bandas referentes ao estiramento da ligação C=O do grupo carboxila, em 1749 cm-1 e 1697 cm-1, a banda observada em 3496 cm-1 refere-se ao grupo OH e a banda em 3290 cm-1 corresponde a ligação C-H (Cannata, M.G., 2008).
O espectro da quitosana modificada com ácido cítrico mostrou que houve uma mudança nas bandas de vibração, quando comparado a quitosana pura. Sendo, assim, foi possível observar que as bandas entre 3200 a 3500 cm-1; 2900 a 2800 cm-1; 1063 a 1024 cm-1 e 891 cm-1, na quitosana modificada com ácido cítrico, apresentaram uma redução na intensidade quando comparado a quitosana pura. Além disso, houve o desaparecimento das bandas em 1420 e 1199 cm-1; assim como o desaparecimento de um pequeno ombro em 1465 cm-1. Isso é um indicativo de que a modificação química das moléculas de quitosana, com ácido cítrico, foi eficiente. Portanto, de acordo com a análise dos espectros de FT-IR, Figura 5, foi possível comprovar a modificação química da quitosana, com as moléculas de ácido cítrico, atingindo o objetivo proposto neste trabalho.

5. Conclusões
As análises feitas através dos espectros de FT-IR comprovaram que a modificação química da quitosana com ácido cítrico foi efetiva. Os resultados obtidos mostraram que as bandas observadas no espectro da quitosana modificada com ácido cítrico apresentaram uma redução na intensidade quando comparado a quitosana pura. Pode-se concluir que o produto resultante deste trabalho poderá ser utilizado em futuros estudos e aplicações no tratamento de água que contenha metais pesados. 
 

Anyara Paula Leite
Faculdade de Tecnologia José Crespo Gonzales – Fatec Sorocaba – SP 
Daniel Komatsu                                                   
Orientador 

 

Publicidade