Do Esgoto À Energia Limpa

As mudanças climáticas em todo o planeta são alarmantes. O planeta bateu em 2016 seu terceiro recorde anual consecutivo de calor, com uma temperatura cerca de 1,1°C acima da média da era pré-industrial, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM)


Do Esgoto À Energia Limpa

 

As mudanças climáticas em todo o planeta são alarmantes. O planeta bateu em 2016 seu terceiro recorde anual consecutivo de calor, com uma temperatura cerca de 1,1°C acima da média da era pré-industrial, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). O século XXI já conta com 16 dos 17 anos mais quentes desde que se começou a registrar as temperaturas em 1880. O aquecimento global se deve a um problema muito conhecido por todos: o efeito estufa. Muito se fala sobre as iniciativas para reduzir as emissões de CO2 e as ações para isso envolvem desde a redução do consumo de carne e tecnologias para diminuir a poluição e a emissão de gases dos efeitos estufa. O tratamento de efluentes também tem um papel importante nesse processo. Isso porque, o esgoto contribui para a geração da bioenergia, uma fonte energética renovável e menos poluente que os combustíveis fósseis.

Biomassa e bioenergia
Chama-se de bioenergia, a energia obtida através da biomassa. Essa fonte energética pode ser utilizada para se gerar calor, eletricidade ou combustível para motores de combustão em geral. Também é considerado bionergia a energia quimicamente armazenada na biomasssa. "A bioenergia tem diversas vantagens, uma vez que é uma fonte renovável e menos poluente que os combustíveis fósseis. Dessa forma, a utilização dessa fonte energética contribui para a diminuição da poluição em grandes cidades, pois o biometano tem zero de emissão de resíduos sólidos e pode substituir ônibus e caminhões movidos a diesel, principais causadores de poluição na zona urbana", explica Marcelo Rampazzo, Latam Regional Leader da Pentair Process Technologies.
Já a biomassa é a massa total de substâncias orgânicas que ocorrem num habitat. Existem diversos tipos de biomassa no planeta, que podem ser usadas de diferentes formas. "A biomassa é um recurso natural renovável, que pode ser formada de substâncias de origem animal ou vegetal, como casca de frutas, esterco, madeira, restos de alimentos, resíduos agrícolas e florestais, entre outros materiais orgânicos. Ela pode ser utilizada na geração de energia através da sua queima direta ou da geração de metano a partir da decomposição de condições específicas", afirma Pedro Amaral, gerente de novos negócios da Huber Technology.
No contexto de produção de energia, biomassa é qualquer material derivado de organismo vivo ou em condição potencial de biodegradação, que pode ser utilizado para a produção de energia e/ou calor, como alternativa aos combustíveis fósseis. "Sob o ponto de vista do saneamento e tratamento de esgoto, a biomassa pode ser vista como todo o material orgânico passível de biodegradação presente – tanto na forma sólida quanto na forma líquida. Tipicamente em ETE tradicionais existentes, boa parte do material orgânico presente no esgoto é separado na forma de lodo", destaca Marcus Vinicius Guerini Vallero, gerente comercial da GE Water – Engineered Solutions.
Este lodo é basicamente proveniente de duas fontes em uma planta de tratamento de esgotos. A primeira é a chamada de lodo primário, onde os sólidos do esgoto são separados tipicamente por gravidade em decantadores. A segunda é a produção de sólidos (lodo) gerados no processo biológico. Este lodo é produzido devido ao crescimento dos microrganismos responsáveis pela degradação da matéria orgânica e da matéria nitrogenada presentes no esgoto. Estes microrganismos formam flocos biológicos que crescem e permanecem em suspensão no reator biológico, e que são sistematicamente removidos para manter o correto funcionamento do sistema (chamado lodo biológico de excesso). "A rigor, pode-se dizer que a carga dissolvida de poluentes presentes no esgoto é - em boa medida – ‘transformada’ em lodo biológico. Ou seja, na verdade uma estação de tratamento de esgoto ‘transfere’ os poluentes para a fase sólida, que necessita de tratamento adequado antes de sua disposição no ambiente. A grande vantagem é que este lodo – uma biomassa –, com o uso de tecnologias apropriadas, pode ser convertido em energia e calor", ressalta Marcus.
Os efluentes podem gerar biogás da mesma maneira que outros resíduos, ou seja, através da biodigestão anaeróbia desse efluente/biomassa. "A biodigestão anaeróbia é um processo na qual microrganismos consomem a matéria orgânica presente na biomassa, sem a presença de oxigênio (daí o termo anaeróbio), e como resultado dessa digestão a biomassa é transformada em biogás e num resíduo líquido que é rico em minerais e pode ser utilizado como biofertilizante", conta Marcelo.

 

Do Esgoto À Energia Limpa


O biogás é composto basicamente de metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) e através de processos específicos de purificação, também chamados de upgrade, com a eliminação do CO2 o biogás transforma-se em biometano, ou seja, a concentração de metano é elevada a, no mínimo, 96.5%. "O biometano também é chamado de Gás Natural Renovável, ou GNR, pois tem as mesmas características do gás natural, mas oriundo de uma fonte renovável (biomassa)", diz o Latam Regional Leader da Pentair Process Technologies.
A digestão anaeróbia é a tecnologia central para a conversão da matéria orgânica em energia em calor. Há dois claros benefícios da digestão anaérobia dos biosólidos em uma planta de tratamento de efluentes: geração de biogás contendo metano e redução da massa de sólidos a ser descartada / disposta após o tratamento.
Portanto, a digestão apropriada do lodo traz enormes benefícios econômicos e ambientais para a operação da planta, pois um digestor de lodo convenientemente dimensionado e operado reduz dramaticamente os custos de disposição dos lodos e ainda pode gerar energia e calor para atender, parcialmente, a demanda de energia e calor na operação da planta de tratamento dos efluentes. "Ocorre que, normalmente, estes digestores anaeróbios são unidades muito grandes, pois a digestão apropriada depende um tempo de residência muito grande (da ordem de 30 dias) para os processos de hidrólise e digestão do lodo. Em adição, sabe-se que a mistura destes digestores são frequentemente ineficientes ou intensivos no uso de energia para a mistura, pois os digestores podem receber lodos relativamente concentrados (adensados)", indica Marcus.

 

Do Esgoto À Energia Limpa


Por esta razão, o mercado de tratamento de efluentes tem buscado por soluções que permitam o upgrade dos digestores anaeróbios existentes em "super-centros" de Digestão Avançada, que permitam aumentar sua capacidade de processamento e, ao mesmo tempo, reduzam o tempo necessário para a digestão. "A GE, por exemplo, recentemente incorporou a companhia inglesa Monsal, que possui um vasto portfólio de equipamentos e soluções para otimizar a performance de digestores anaeróbios. Por exemplo, reconhece-se que a mistura dos sólidos dentro de um digestor é um elemento crítico na otimização da performance destas unidades. A GE Monsal tem o expertise no entendimento da reologia de lodos adensados em digestores com a tecnologia de mistura com gás (gás mixing). Esta tecnologia de mistura é de baixíssima intensidade energética (ex. < 15 kW de potência instalada para misturar digestores anaeróbios acima de 5000m³) Esta tecnologia permite aumentar significativamente a carga admissível de lodos nos digestores, provendo uniformidade (evitando depósitos de lodo no digestor) e um ambiente satisfatório para os processo biológicos, com o aumento da produção de biogás e energia (caso seja instalado um motogerador a gás, como os modernos GE Jenbacher) e reduzindo ainda mais o volume de sólidos a ser disposto", destaca Marcus.
Além da mistura adequada, outro elemento de crucial importância para a digestão anaeróbia é a etapa de pré-tratamento do lodo. Esta etapa tem a função de facilitar a digestão no digestor anaeróbio. Há várias alternativas no mercado, como a pré-hidrólise termal, a ultrasonificação e processos hidrolíticos. "A GE Monsal aplica o processo hidrolítico avançado no pré-tratamento de lodos por se tratar de um pré-tratamento de baixa intensidade energética. O pré-tratamento hidrolítico avançado baseia-se em um processo plug-flow com aproximadamente 3 dias de residência onde intensifica-se a acidificação e hidrólise do lodo. Com esta etapa de pré-tratamento hidrolítico, temos dois benefícios: redução do tempo de residência necessário para a digestão do lodo pela metade do necessário se comparado a um digestor convencional e aumento da produção de biogás (com redução de aproximadamente 55% dos sólidos suspensos voláteis). Uma opção muito importante é a possibilidade de se incluir etapa no pré-tratamento a uma temperatura de 55°C (por 1 a 2 dias) o que permite a geração de biosólidos classe A ao final da digestão anaeróbia (redução de E Coli de 6 log)", afirma o gerente da GE Water.

 

Do Esgoto À Energia Limpa

 

Vantagens
A bioenergia tem diversas vantagens uma vez que é uma fonte renovável e menos poluente que os combustíveis fósseis. "Dessa forma, a utilização dessa fonte energética contribui para a diminuição da poluição em grandes cidades, pois o biometano tem zero de emissão de resíduos sólidos e pode substituir ônibus e caminhões movidos a diesel, principais causadores de poluição na zona urbana", garante Marcelo.
Economicamente a bioenergia contribui para a geração de empregos e diversificação das atuais fontes de energia, ajudando a controlar os preços do setor energético. Ambientalmente falando, a bioenergia contribui para a diminuição do efeito estufa e consequentemente do aquecimento global. "As vantagens ambientais são diversas, desde a otimização dos aterros sanitários que deixam de receber tais resíduos até a geração de energia limpa. No aspecto econômico, a redução do custo de transporte e disposição do lodo é significativo, além de receitas acessórias eventuais com a geração de energia", destaca Pedro.
Os altos custos que envolvem o processo podem representar um obstáculo para o desenvolvimento de projetos. Entretanto, as vantagens ainda superam as desvantagens. "Muitas vezes o custo envolvido na geração e controle ainda é encarado como desvantagem. Mas, as vantagens são inúmeras, por exemplo, o balanço de CO2 ser próximo ou igual à zero, sua disponibilidade, a transformação de um material que seria originalmente descartado, etc.", afirma Pedro.

 

Do Esgoto À Energia Limpa

 

Mercado
Enquanto que na Europa esse setor movimenta milhões de euros, no Brasil está apenas engatinhando. "Ainda carecemos de leis de incentivo e regulamentações para alavancar o setor. Hoje apenas quatro estados tem uma política clara para incentivar o uso do Biometano: SP, ES, RJ e CE", diz Marcelo.
Pedro também acredita que a falta de incentivo é o principal desafio para o setor. "Falta incentivo para entrada de tecnologia de ponta no país o que impede a realização de projetos de porte. No geral o Brasil tem um caminho longo e promissor", afirma.
Outro desafio é a falta de uma extensa malha de distribuição de gás em diversas regiões do país. "Locais onde temos grande potencial de geração de biometano não tem rede de gás para transportá-lo aos grandes centros consumidores, inviabilizando o investimento na geração dessa fonte de energia nesses locais. De qualquer forma avanços existem e hoje já é possível ver ônibus movidos a biometano em algumas cidades", destaca Marcelo.
Apesar dos desafios, o Brasil tem avançado nesse setor. No último dia 8 de junho, o Conselho Nacional de Energia (CNPE), do Ministério de Minas e Energia, aprovou as diretrizes estratégicas que nortearão uma nova política para o setor de biocombustíveis, como parte integrante do Programa RenovaBio.
Para a ABiogás, entidade que está diretamente empenhada na construção e no avanço do RenovaBio, a decisão foi de extrema importância e marca o início do mais significativo projeto do Ministério de Minas e Energia (MME) para mitigação das mudanças climáticas.
"Estamos muito otimistas com o andamento do programa no governo, especialmente após a reunião do CNPE. Precisamos engajar sociedade, empresários, governo e todos que lutaram pela consolidação do biogás e do biometano no rol das fontes de energias renováveis reconhecidas", afirma Gabriel Kropsch, vice-presidente da ABiogás.
O órgão criou também um Grupo de Trabalho que terá como missão avaliar e elaborar propostas de revisões necessárias para implementação do Programa. Lançado no final de 2016, no âmbito da Conferência do Clima (COP-21), o RenovaBio é um programa do Governo Federal para expandir a produção de biocombustíveis até 2030, entre eles o biogás e o biometano, visando à descarbonização do transporte nacional, com base em uma política pública sustentável.
Soma-se que o RenovaBio visa a indução de ganhos de eficiência energética na produção e no uso de biocombustíveis e reconhecimento da capacidade de cada biocombustível contribuir para atingir as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Kropsch lembra ainda que essa política pública deve destravar os investimentos em capacidade produtiva e, consequentemente, aumentará participação de renováveis na matriz com ganhos ambientais, sociais e econômicos de longo prazo.
"O RenovaBio pode ajudar o Brasil a ter uma produção de 30 milhões de metros cúbicos por dia de biometano em 2030, ou seja, quase 40% do consumo atual de gás natural, promovendo a redução de emissões".
O Programa já está como um dos itens principais dos ministros Fernando Coelho Filho e Blairo Maggi, ministros de Minas e Energia e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, respectivamente.

 

Contatos:
ABiogás: www.abiogas.org.br
GE Water: www.gewater.com
Huber: www.huberdobrasil.com.br
Pentair: www.pentair.com

Publicidade