Crise no País é desafio positivo para impulso da eficiência energética
Por Cristiane Rubim
Edição Nº 65 - Fevereiro/Março de 2022 - Ano 11
Nas residências brasileiras, o consumo de energia per capita é baixo. No exterior, chega a ser 5 a 10 vezes maior. Outra característica dos brasileiros é ser adepto da tecnologia e adquiri-la bem mais rápido que outros países
Nas residências brasileiras, o consumo de energia per capita é baixo. No exterior, chega a ser 5 a 10 vezes maior. Outra característica dos brasileiros é ser adepto da tecnologia e adquiri-la bem mais rápido que outros países, o que colabora adotar economia de energia. O que dificulta é o custo da energia para o consumo e/ou expansão. Todos estão pagando muito caro pela energia. É preciso uma política ostensiva sobre eficiência energética e ampliar as políticas públicas.
Equipamentos bem eficientes com controles e sensores, associados à automação e digitalização, agregam ganhos maiores às tecnologias. Há bons projetos para iluminação, banho, ar-condicionado, motores, geladeiras, entre outras áreas. Etiquetagem e índices mínimos de eficiência energética devem ser observados pelo consumidor ao comprar produtos. Campanhas para incentivar hábitos eficientes e gestão de energia também potencializam ganhos. Eficiência energética e energias renováveis são dois pilares da política energética sustentável.
Nossa performance melhorou muito e pode se aprimorar mais, segundo o Atlas da Eficiência Energética – Relatório de Indicadores1, publicado anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para monitorar o progresso da eficiência energética no Brasil. Essa análise pode ser realizada pelo ODEX, índice de conservação de energia que considera a variação de indicadores de consumo e pondera em relação ao peso no consumo.
Os projetos que requerem aporte maior tendem a ser postergados. “É momento de retração dos investimentos e de realizar ações sem investimento e de baixo custo com retorno para curto prazo” – orientam Ana Cristina Braga Maia e Patrícia Messer Rosenblum, ambas analistas de pesquisa energética, e Arnaldo dos Santos Junior, consultor técnico, todos da Superintendência de Estudos Econômicos e Energéticos (SEE), que faz parte da Diretoria de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais (DEA) da EPE. “No setor de saneamento, é importante reduzir vazamentos porque obtém-se economia de energia na captação, tratamento e distribuição da água tratada” – também recomendam os técnicos da EPE.
Brasil: baixo consumo
Em relação a outros países mais adiantados, o consumidor residencial brasileiro tem baixo consumo de energia per capita. “Quando nos comparamos com economias mais avançadas, nas quais o gasto de energia pode ser de 5 a 10 vezes maior que o nosso, concluímos que nosso potencial de redução é menor” – avalia Sergio de Oliveira Jacobsen, vice-presidente da Smart Infrastructure da Siemens.
Os brasileiros são grandes adeptos da tecnologia. “Os brasileiros adquirem a tecnologia de forma muito mais rápida que em outros países, o que nos favorece em adoção, como a geração solar, por exemplo, que é talvez o maior elemento de economia de energia” – destaca Jacobsen.
Preço muito alto
De acordo com Alexandre Moana, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), e Paulo Pereira, coordenador do GT Ações Legislativas também da Abesco, todas as classes sociais estão pagando muito caro pela energia. “Em qualquer ambiente, do mais humilde ao mais sofisticado, é possível economizar energia elétrica. Todos os usuários finais são passíveis de fazer melhorias: indústrias, sistemas de saneamento, comércios, edificações, repartições públicas, academias, bases militares, aeroportos, portos etc. Ações com a população de baixo poder aquisitivo, que é maioria absoluta no País, também se incluem junto com escolas, hospitais e creches” – esclarecem.
O custo da energia é um grande impeditivo para o consumo e/ou até expansão. “Obviamente, é preciso política ostensiva sobre eficiência energética. Ainda hoje algumas prefeituras especificam luminárias LED por potência e não por eficiência, ou seja, com eficiência de 195 Lúmens por Watt e licitam a 110 Lúmens por Watt, diferença que aumenta o custo pela não eficiência ao longo da vida útil” – enfatizam.
Como melhorá-la?
A modernidade trouxe diversidade de produtos que utilizam energia. “Existem lâmpadas para todos os tipos de domicílios, independentemente do uso; mais de 18 milhões de pontos de iluminação pública; cerca de 30 milhões de chuveiros elétricos; parque de motores e bombas já ineficientes; automações diversas; sistemas de ar comprimido, tecnologia da Internet das Coisas, Indústria 4.0, entre outras” – explicam Alexandre Moana e Paulo Pereira, da Abesco.
As formas mais modernas de aumento de eficiência energética estão concentradas em processos eletrificados com tecnologias de:
• Comandos de motores inteligentes – As partidas só usam a energia estritamente necessária, sem desperdícios;
• Internet das Coisas (IoT) – Sensores inteligentes com comunicação transmitem informações de motores, iluminação, ar-condicionado em tempo real para sistemas inteligentes que tomam as decisões de forma centralizada com o uso de Inteligência Artificial;
• Inteligência Artificial (IA) – Sistemas com alto poder de processar informações que comparam o uso de energia em instalações similares, aplicando o aprendizado de um prédio eficiente em outros que não são eficientes, sem interferência humana.
Fonte: Siemens.
As pessoas ficaram mais tempo em casa durante a pandemia, o que aumentou a compra de equipamentos da linha branca. “A troca de eletrodomésticos antigos por novos eficientes diminui o desperdício” – comentam os técnicos da EPE.
Existem políticas de etiquetagem e índices mínimos de eficiência para auxiliar o consumidor a adquirir os equipamentos mais eficientes.
“A etiquetagem e os índices mínimos de eficiência podem eliminar do mercado equipamentos menos eficientes e encorajar os fabricantes a desenvolverem e ofertarem equipamentos mais eficientes, o que contribui para reduzir a demanda de energia elétrica” – explicam.
Sem desperdício
O consumidor precisa ter um comportamento mais consciente sobre o uso da energia e associar hábitos que não gerem desperdícios. “Ao reduzir os gastos com energia, as famílias aumentam sua renda e podem aumentar também seu consumo com a aquisição de novos equipamentos, por exemplo. No Brasil, existe grande desigualdade de renda e de consumo de energia entre as classes. Há ainda espaço para aumento do consumo em classes menos favorecidas” – apontam Ana Cristina, Patrícia e Arnaldo, da EPE.
O consumo residencial está mais eficiente, mas é possível reduzir ainda mais os desperdícios. Entre as boas práticas, destacam-se:
• Manter portas e janelas fechadas quando o ambiente estiver climatizado;
• Acumular roupas para diminuir o tempo do ferro de passar ficar ligado;
• Evitar colocar alimentos muito quentes na geladeira e freezer;
• Desligar equipamentos quando não utilizados;
• Adquirir equipamentos com selo Procel e Conpet. Fonte: EPE.
Eletrificação
A eletrificação de processos é a principal forma de aumentar a eficiência energética. “No Brasil, ainda há muito espaço para que os processos sejam eletrificados, seja no transporte, seja na indústria. As indústrias de mineração e de cimento são setores que estão se transformando mundialmente para uma eletrificação maior dos processos, o que irá nos trazer muito mais eficiência no uso de energia” – menciona Jacobsen, da Siemens.
Em segundo lugar, segundo ele, vem o transporte. “O transporte tem possibilitado, com o uso mais amplo de baterias, o crescimento dos carros híbridos e elétricos, assim como os ônibus e os caminhões de menor porte” – comenta Jacobsen.
Quatro processos fazem parte da entrega de eletricidade aos consumidores:
• A geração de eletricidade é o primeiro;
• Depois, a transmissão;
• Em seguida, a distribuição;
• E, por fim, a venda de eletricidade.
Fonte: Abesco.
Segundo Alexandre Moana e Paulo Pereira, da Abesco, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) realizou um estudo sobre o custo final das fontes renováveis. “Corroborando que o custo da Eficiência Energética é insignificante diante do custo de geração de energia e os três processos posteriores, o resultado do estudo mostrou que a economia é atrativa sob o ponto de vista da sustentabilidade, competitividade e rápido retorno” – apontam. Como segue:
Custos e economia
Veja abaixo explicações da Abesco sobre custos e economia de energia elétrica.
Conforme Nota Técnica n° 34/2021/DDE/SPE (SEI/MME – 0550942), do Ministério de Minas e Energia (MME), relativa ao processo nº 48300.001337/2021-19, no item 4.4., em consideração ao Projeto de Lei n° 3.324/2021, sobre os cenários de escassez hídrica, as mudanças climáticas, e a crescente demanda de energia, que pode ser atendida sem aumentar a mesma escala de fornecimento, quando utilizando o “primeiro combustível”, a eficiência energética, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA).
Segundo o item 4.8. da mesma Nota Técnica, o valor do kWh economizado é de R$ 0,079 e os resultados dos projetos de eficiência energética regulados pela ANEEL tiveram cerca de 9 TWh de economia e retirada de demanda na ponta de 2,8 MW. ”Ou seja, precisamos recrudescer as políticas públicas e desonerar os equipamentos e mão de obra para a eficiência energética. No momento em que a maioria da sociedade brasileira paga mais de R$ 1,00 por kWh, incluídas as bandeiras tarifárias e impostos, é inadmissível negligenciar que o custo de economizar 1 kWh seja inferior a R$ 0,08. Ainda que muitas das ações de eficiência estejam sobrecarregadas com tributos e impostos, principalmente aquelas que optam por produtos de fabricação nacional” – analisam Alexandre Moana e Paulo Pereira, da Abesco.
“Apoiamos as emendas 11 e 12 da Medida Provisória n° 1.078, de 2021, e ainda os Projetos de Lei nºs 3.324 e 3.347, ambos de 2021, propostas de autoria do deputado federal Bibo Nunes” – afirmam Alexandre Moana e Paulo Pereira. Segundo os membros da Abesco, estas matérias legislativas recebem apoio da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica de Menor Porte (Abrademp), Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Associação dos Fabricantes Brasileiros de Eficiência Energética (Afabee), Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux) e outras associações, dando legitimidade e interesse aos temas de Eficiência Energética e Gestão de Crise Energética.
Crise afeta positivo
Na opinião de Jacobsen, da Siemens, os desafios atuais da Covid-19, desemprego, fome, crises de água, energética e do saneamento afetam de maneira positiva a eficiência energética no País. “Os consumidores estão sendo forçados a reduzir custos com energia e a melhor forma de se atingir esse objetivo é economizando energia. Em indústrias e comércio, isso significa investimento em sistemas mais avançados que têm menores custos de operação. Adicionalmente, há grande liquidez no mercado, com altos níveis de crédito e juros baixos para projetos dessa natureza, propiciando que os consumidores façam essas melhorias sem o dispêndio de capital em um primeiro momento” – ilustra.
O que é importante neste momento de crise de energia. “Neste momento, acreditamos que o Governo Federal, a partir do Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Parlamento, deva priorizar o básico, o que já está à disposição da população por meio de ações governamentais das Distribuidoras de Energia Elétrica. Retirando o mercado livre, hoje o mercado de perdas não técnicas é o terceiro mercado de energia no Brasil, cerca de 33 GWh/ano3” – relacionam os membros da Abesco.
Geração de empregos
Alexandre Moana e Paulo Pereira, da Abesco, mostram por meio do item 4.3 da Nota Técnica n° 36/2021/DDE/SPE (SEI/MME – 0559998), do Ministério de Minas e Energia (MME), emitida em 03/12/2021, relativo ao processo
nº 48300.001407/2021-39, que a eficiência energética tem cada vez mais relevância nos cenários nacional e internacional. Porque assegura a energia para movimentar as atividades econômicas, a produção e o consumo; com ações de baixo e médio custo, postergam investimentos vultosos na expansão do setor elétrico; gera empregos qualificados e renda; e estimula a produção industrial de equipamentos eficientes.
Além disso, de acordo com os membros da Abesco, o item 4.4 da mesma NT cita que a eficiência energética oferece muitas oportunidades nas quais todos saem ganhando (win-win). A eficiência energética é caracterizada por projetos que requerem intensiva força de trabalho, que podem iniciar rápido e serem inseridos nas cadeias produtivas locais, como construção e manufatura. Incluir esses projetos em programas de estímulo pode apoiar as forças de trabalho existentes e criar novos empregos. A produção de bens e serviços de EE gera demanda:
• Por empregos dentro do setor de EE (empregos diretos);
• Da cadeia de valor que fornece suprimentos para este setor (empregos indiretos);
• Em setores variados como resultado do aumento de renda (empregos induzidos).
Nos Estados Unidos e Europa, mais de 3,3 milhões de pessoas estão empregadas na indústria de eficiência energética, atividades cujo objetivo primário é reduzir o consumo energético, citam Alexandre Moana e Paulo Pereira, da Abesco. No Brasil, eles indicam que, na publicação Potencial de empregos gerados na área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 20304, referente ao ano de 2016, verifica-se:
• Para uma produção direta de R$ 52,8 bilhões no setor de EE em um ano, são gerados 413 mil empregos totais na economia como consequência da produção de bens e serviços de EE, dos quais:
• 31% são diretos (128 mil);
• 57% indiretos (237 mil);
• 12% induzidos (48 mil);
• A projeção para atender à demanda de produção de bens e serviços de EE em 2030 pode alcançar 1.277.663 empregos brutos totais na economia brasileira;
• O que inclui, entre os empregos diretos, Empresas de Prestação de Serviços de Conservação de Energia (ESCOs), de consultoria e demais empresas ligadas ao planejamento, gerenciamento e acompanhamento de atividades e medidas de EE.
Para outra modalidade, chamada Geração Distribuída, a Abesco cita que, em 7 de janeiro deste ano, foi sancionado Projeto de Lei n° 5.829/2019, que institui o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída. A Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022, estabelece regras e segurança jurídica para este tipo de geração. Nela, os próprios usuários geram sua energia com regras claras de retorno ao investimento.
Energias renováveis
Hoje, as principais energias renováveis são: a Solar, a Eólica e a Biomassa. “As três podem gerar grandes blocos de energia que se interligam ao sistema elétrico brasileiro. Além disso, podem ser usadas para qualquer aplicação” – explica Jacobsen, da Siemens.
A energia solar tem sido difundida de forma mais capilarizada. “Qualquer consumidor com um telhado que tenha exposição razoável ao Sol pode gerar sua própria energia e reduzir substancialmente o seu custo com energia” – indica Jacobsen, da Siemens.
A energia solar representa 2% da matriz elétrica do País, mas vem acelerando seu crescimento nos últimos anos. Painéis fotovoltaicos correspondem a cerca de 5% de toda a capacidade instalada atual de geração de energia elétrica do País. A energia eólica também cresce no Brasil, com 7,99%, conforme dados da EPE5 e 6, sendo o Rio Grande do Norte o maior produtor.
O Brasil é o oitavo gerador de energia elétrica do planeta, segundo últimos dados da EPE5 e 6, citados pela Abesco. As energias renováveis no planeta são 26,05%, o Brasil com 82,2% tem indicador três vezes maior que o da China, 26,79%, e quase cinco vezes o dos Estados Unidos, 17,37%.
A Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) ou Demanda Total de Energia Elétrica deve crescer 4,8% em 2021, de acordo com o Boletim Mensal de Energia7, de outubro/21. Com 13,5% de participação de Eólica e Solar na OIEE, o Brasil fica com indicador acima dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), calculado em 13% para 2021.
Contatos
Abesco: www.abesco.com.br
Empresa de Pesquisa Energética - EPE: www.epe.gov.br
Siemens: www.siemens.com
Refêrencias bibliográfica:
- EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Atlas da Eficiência Energética Brasil 2020. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/atlas-da-eficiencia-energetica-brasil>. Acesso em: jan. 2022.
- CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (CCEE). Disponível em: <https://bityli.com/R5mi2>. Acesso em: jan. 2022.
- AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Perdas de energia elétrica na distribuição. 2019. Disponível: <https://www.aneel.gov.br/documents/654800/18766993/Relat%C3%B3rio+Perdas+de+Energia_+Edi%C3%A7%C3%A3o+1-2019-02-07.pdf/d7cc619e-0f85-2556-17ff-f84ad74f1c8d>. Acesso em: jan. 2022.
- MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Potencial de empregos gerados na área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 2030. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/documents/20182/3d981d61-c338-04cd-d039-74d01883c964>. Acesso em: jan. 2022.
- EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2021. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dadosabertos/publicacoes/anuario-estatistico-de-energia-eletrica>. Acesso em: jan. 2022.
- _______. Workbook 2021. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-160/topico-168/Workbook_2021.xlsx>. Acesso em: jan. 2022.
- MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Eólica e solar somadas têm a segunda maior participação na oferta interna de energia elétrica de 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/eolica-e-solar-somadas-tem-a-segunda-maior-participacao-na-oferta-interna-de-energia-eletrica-de-2021>. Acesso em: jan. 2022.