Processos e tecnologias empregados em água de reúso e estações elevatórias de esgoto
Por Carla Legner
Edição Nº 65 - Fevereiro/Março de 2022 - Ano 11
A água existe na natureza de diversas formas e com nomenclaturas diferentes, de acordo com alguns critérios de classificação. A água proveniente do subsolo, por exemplo, é denominada água subterrânea natural ou água bruta
A água existe na natureza de diversas formas e com nomenclaturas diferentes, de acordo com alguns critérios de classificação. A água proveniente do subsolo, por exemplo, é denominada água subterrânea natural ou água bruta. Quando recebe tratamento para seu uso no consumo humano, preparo de alimentos, limpeza e higiene corporal é chamada de água tratada e potável.
Após o uso pelo homem nas diversas atividades, as águas sofrem transformações em suas características físico-químicas e microbiológicas, pois recebem substâncias e materiais sólidos, como os dejetos ou resíduos das atividades antrópicas (agricultura, pecuária, atividades fabris). Essas recebem o nome de águas residuárias ou efluentes.
Segundo Belinda Manfredini, consultora técnica da Hidrolabor, as águas residuárias contêm uma série de sólidos dissolvidos, suspensos ou sedimentáveis, matéria orgânica, metais, derivados de petróleo, defensivos agrícolas e microrganismos, deixando de ser uma água adequada para consumo humano e demais usos nobres.
O fato é, que independente da origem, a água e o efluente devem ser tratados por meio de processos unitários e sistemas convencionais, de acordo com a legislação brasileira e mundial, a fim de tornar sua composição adequada para lançamento na rede coletora de esgotos sanitários e industriais, ou para seu lançamento nos cursos d´água, prevenindo alterações na qualidade dos rios e outros mananciais, respeitando e preservando a vida aquática.
Quando as águas residuárias recebem, além do tratamento convencional, um tratamento mais avançado, podem ser reutilizadas em alguns processos nos quais sua qualidade requer características especificas de acordo com o fim a que se destinem, que chamamos de água de reúso.
“A água de reúso pode ser considerada a água presente em efluentes resultantes das atividades humanas, que pode vir a ser utilizada para outros usos, em substituição à fonte tradicional” – afirma José Carlos Mierzwa, coordenador do CIRRA- Centro Internacional de Referência em reúso de água.
Ele destaca ainda que o reúso da água pode ou não requerer tratamento para a utilização pretendida, em especial quando se considera os efluentes gerados em processos industriais, onde com baixa carga de contaminantes podem ser segregados no ponto de geração, evitando-se a mistura com efluentes com maior nível de contaminação.
Um exemplo pode ser o caso de uma lavanderia industrial, onde é possível segregar o efluente das etapas de enxágue, que apresentam menor carga de contaminação, do efluente da etapa de lavagem que apresenta maior carga. Essa segregação poderia viabilizar o reúso da água de enxágue, sem qualquer tipo de tratamento.
Não há uma denominação ou classificação geral aplicada à água para reúso, de uma forma específica, mas a NBR 13.969 cita a existência de quatro classes, de acordo com alguns parâmetros e fins, para o qual essa água de reúso será destinado.
“Por definição, água para reúso é aquela obtida mediante o reaproveitamento da água já utilizada em algum processo fabril, ou oriunda de esgotos e efluentes industriais, a qual após alguma adequação em sua composição poderá ser reinserida na cadeia produtiva para fins que exijam uma água com qualidade específica” – complementa Fabio Campos, Especialista em Tratamento de Águas Residuárias.
Características e aplicações
Belinda explica que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a água de reúso se divide em reúso direto, quando as águas residuárias recebem tratamento convencional e avançado planejado, de modo a se tornar água própria para diversos usos mais nobres, e, água de reúso indireto, quando as águas residuárias tratadas de um município são lançadas nos mananciais contribuindo com o aumento do volume deles, sendo captada e tratada para abastecimento de um outro município.
Os exemplos de aplicação são os mais variados: usos agrícolas (irrigação na plantação e pastagens, dessedentação de animais, recarga de aquíferos), usos industriais (águas de processos, limpeza de pisos e veículos, sistemas de geração de vapor e de resfriamento), uso recreacional (irrigação de parques, campos de golfe e futebol, ornamentação em lagos e fontes, manutenção de lagos para práticas de esportes aquáticos sem contato primário), manutenção da vazão de corpos d´água, aquicultura, limpeza de vias públicas e recarga de aquíferos.
É importante destacar que a escolha da tecnologia aplicada na geração de água para reúso é resultado de uma análise que envolve a composição da água residual, compatibilidade com o processo ao qual será aplicada e viabilidade econômica. Ou seja, é necessário avaliar, com base na caracterização da água residual, qual a melhor tecnologia para se produzir uma água compatível com o fim ao qual será destinado.
Segundo Campos, a viabilidade econômica é peça chave nessa escolha, é necessário avaliar os investimentos traduzidos nos famosos CAPEX (CAPital EXpenditure, ou despesas de capital) e OPEX (OPerational EXpenditure, ou despesas operacionais) na composição do custo por metro cúbico produzido e, assim, comparar com o cenário de compra de água potável.
“A noção de água para reúso encaixa-se perfeitamente nos paradigmas de sustentabilidade e economia circular, oferecendo para a demanda social uma excelente solução no enfrentamento de crises hídricas, além de promover uma melhor gestão da água, destinando as diversas águas e suas qualidades de acordo com a necessidade existente” – destaca o especialista.
Entretanto, para ele, avesso a esse importante papel, ainda não há um arcabouço legal específico para tratar o tema. “Carecemos ainda de uma Legislação para nortear o uso da água de reúso” – lamenta Campos.
Os processos de tratamento
Como já mencionado, a água de reúso pode ser empregada em vários processos e até mesmo para consumo humano e fins potáveis, mas para cada finalidade existe um padrão de qualidade a ser atingido, com parâmetros e limites máximos permitidos, estabelecidos em legislação ou recomendações nacionais e internacionais.
De acordo com a qualidade necessária, são realizados estudos, caracterização das águas residuárias, levantamento e medições de vazões, para que seja possível o desenvolvimento da concepção do tratamento, seu projeto e dimensionamentos. Assim, a seleção da tecnologia aplicada ao tratamento requer um amplo conhecimento da água residuária que se tem e a qualidade que se deseja atingir.
Da mesma forma, segundo Campos, os processos de tratamento são os mais variados, dependendo da natureza (composição) da água e do objetivo de aplicação. “Há processos físicos, como filtração em meio granular seguido de desinfecção, que em algumas situações já são o bastante na adequação/exigência do reúso. Já em outras situações onde aplicação requer uma melhor qualidade de água, processos mais avançados são empregados como, por exemplo, a filtração em membrana (ultrafiltração, microfiltração, osmose reversa etc) ” – destaca.
Quando a água para reúso advém do emprego de esgoto sanitário, em geral, após o processo tradicional de tratamento biológico, o efluente final produzido recebe um polimento (filtração seguido de desinfecção) para adequar sua composição. De uma forma geral, processos biológicos combinados com processos físico-químicos ou apenas processos físico-químicos compreendem o leque de opções de tratabilidade nesse quesito.
No setor de reúso industrial, o emprego da tecnologia de Reator de BioMembrana (MBR) tem sido a solução mais empregada, graças a capacidade do sistema e sua robustez em receber altas cargas e gerar um efluente final altamente clarificado. O processo MBR é, basicamente, um sistema híbrido combinando o clássico tratamento biológico de lodos ativados com o uso de membras de filtração.
Devido à essas características, esse sistema ganhou muito espaço em shoppings centers para geração de água para reúso aplicada à regas de áreas verdes, descargas de vasos sanitários e trocadores de calor.
“A concepção do projeto de tratamento da água residuária para a obtenção da água de reúso requer estudos específicos e aprofundados, pois não há uma fórmula mágica ou um equipamento que, por si só ou combinado, possa ser adotado indistintamente, considerando-se que as fontes geradoras dessa água são únicas e com características peculiares, em termos de composição química e microbiológica, fontes e volumes gerados” – ressalta Belinda.
No caso específico do reúso de água a partir de esgotos sanitários, a principal preocupação com a qualidade da água de reúso está associada à presença de organismos patogênicos, o que pode resultar na disseminação de doenças infectocontagiosas. Além disso há a real preocupação com a presença de substâncias com potencial de causar efeitos adversos nas atividades ou estruturas em que a água de reúso será utilizada, bem como há uma preocupação com os efeitos no meio ambiente.
Mierzwa explica que, de maneira geral, quando se pensa em contaminação microbiológica, o tratamento implica no processo de desinfecção, que pode ser feito com o uso de agentes químicos ou processos físicos.
Contudo, qualquer que seja o processo deve-se levar em consideração os constituintes presentes no efluente que poderiam comprometer o desempenho desse processo, assim torna-se necessário adequar a qualidade do efluente às exigências do processo de desinfecção a ser utilizado, o que implica na utilização do processo de clarificação, que pode ser feito pelo sistema convencional ou pelo processo de separação por membranas, o que vai assegurar a eficiência do processo de desinfecção.
Por outro lado, a atividade na qual se pretende aplicar o reúso pode requerer a remoção de contaminantes solúveis, como sais dissolvidos. Neste caso haverá necessidade de complementar o tratamento com a utilização de tecnologias que tenham essa capacidade.
Armazenamento de água de reúso
O armazenamento da água de reúso pode ser feita da mesma forma que se faz o armazenamento da água proveniente de outras fontes. A questão principal é que a estrutura de reúso de água, principalmente para fins não potáveis. É importante que seja devidamente planejada e identificada para evitar a possibilidade de consumo indevido, por meio de interligação com a rede de água potável.
De acordo com Mierzwa, quanto menor o nível de tratamento utilizado para a obtenção da água de reúso, maior será a preocupação com a sua deterioração nas estruturas de armazenagem, principalmente em relação à ocorrência de maus odores e alteração da sua característica estética, como alteração de cor e aumento da turbidez.
Nestes casos, haverá a necessidade de se analisar de forma adequada o tempo máximo de armazenagem e os procedimentos para renovação do conteúdo e limpeza da estrutura de armazenagem, assim como para o descarte da água de reúso para evitar a ocorrência dos problemas mencionados. “Fica evidente que, quanto melhor o padrão de qualidade da água de reúso, menores serão as preocupações com a sua utilização e armazenagem” – ressalta o coordenado do CIRRA.
Desta forma, maior será a importância da seleção de processos unitários, sistemas e tecnologias adequadas, para atender aos objetivos e, preservar a qualidade da água de reúso por mais tempo, sem que haja interações químicas entre a água tratada e o material do tanque de armazenamento. “O importante é que a tecnologia seja adequada para a finalidade pretendida e que o armazenamento mantenha a qualidade da água tratada pelo tempo necessário” – enfatiza Belinda.
Para Mierzwa, a inovação tecnológica é uma forma de aprimorar a qualidade de vida da população e reduzir os problemas ambientais, além de melhorar a competitividade econômica do país, como se verifica em vários setores, como telecomunicações, eletro-eletrônico, veículos automotores, aviação, médico, farmacêutico, agrícola e aeroespacial, entre outros.
No caso do setor de saneamento não é diferente, só é possível obter avanços com a inovação dos processos e sistemas, os quais se tornam mais eficientes, e passam a requerer menor utilização de recursos, para a sua implantação e operação, o que implica em menores impactos ambientais, ao mesmo tempo em que permitem a obtenção de melhores eficiências de tratamento.
Segundo Belinda, o setor de tratamento de águas residuárias visando a obtenção de água de reúso, não para de crescer e anualmente são desenvolvidos novos equipamentos, processos unitários são testados nas universidades brasileiras e empresas criam produtos e serviços. A base teórica dos processos unitários sofre pequenas mudanças, mas o que gera novas tecnologias é a combinação de processos, produtos e equipamentos já existentes.
Pode-se observar em algumas empresas que após o tratamento convencional das águas residuárias adotam os tratamentos avançados e combinados visando reúso, tais como:
- Processos de coagulação/floculação/sedimentação seguidos por filtração, desmineralização e sistema de membranas de ultrafiltração para águas de reúso em cabines de pintura de peças metálicas;
Tratamento secundário seguido por recarbonatação, sistema de membranas de osmose reversa e desinfecção para águas de reúso em torres de resfriamento, caldeiras e águas de processos industriais;
- Tratamento secundário seguido por filtros Dynasand®, processo de adsorção e posterior desinfecção para geração de água de reúso para recarga de aquíferos;
- Tratamento secundário, ultrafiltração em fibras ocas, sistema de osmose reversa para produção de água de reúso para torres de resfriamento;
- Tratamento por filtração de alta taxa seguido por sistema de membranas e eletrodiálise, para obtenção de água de reúso para sistemas fechados de resfriamento e trocadores de calor, em equipamentos onde não podem ocorrer formação de correntes elétricas em seu interior;
- Reatores biológicos de altas taxas, decantação acelerada pela adição de areia, e microfiltração em membranas com poros de 10 micrômetros para a produção de água de reúso em água de processos industriais.
Estações elevatórias de esgoto
A escassez de água é um problema bastante recorrente nos últimos anos. Muito se fala sobre economizar, preservar e reutilizar esse recurso tão importante, e nesse contexto não podemos esquecer também de todas as questões que envolvem o tema esgoto.
Hoje, os esgotos das residências e indústrias localizadas nas zonas urbanas são captados por meio de tubulações que compõem a rede coletora de esgotos municipais. Belinda destaca que essa rede de esgotos é construída utilizando-se a gravidade para que os esgotos sejam afastados dos pontos de geração e direcionados a uma estação de tratamento. No entanto, nem sempre o relevo do município auxilia nesse processo de afastamento e direcionamento dos esgotos.
Em muitos casos, tais esgotos são destinados a reservatórios localizados em pontos mais baixos e desse ponto são bombeados para outros níveis do relevo, até atingirem seu destino, as Estações de tratamento de esgotos (ETAs). Esses pontos intermediários são chamados de Estações Elevatórias, ou seja, equipados com bombas que encaminham os esgotos para pontos da rede localizados em cotas mais elevadas, ou mesmo para ETAs.
“Preferencialmente o que todos os técnicos gostariam é que ao fazer a coleta de esgoto nas residências, prédios, bares, restaurantes e até industriais, este esgoto fosse encaminhado para a estação de tratamento mais próxima de forma natural, ou seja, através da gravidade. Contudo isto não é possível, considerando que as tubulações que coletam o esgoto são instaladas nas ruas com uma inclinação, portanto do ponto de captação até o ponto de recebimento a tubulação vai se aprofundando” – explica Dr. Helvécio Carvalho Sena, Especialista Ambiental - Tratamento de Esgotos, Tratamento de Odores da EPUSP.
Segundo ele, esta declividade dependerá do diâmetro da tubulação e estará entre 0,5% a 2,0%. Devido a esta questão, é instalado em pontos previamente calculados um poço para receber este esgoto e através de bombas colocar o esgoto em outra cota, ou seja, em um ponto mais alto e continuar o escoamento do esgoto por gravidade.
Nas estações elevatórias municipais o armazenamento do esgoto é realizado em tanques subterrâneos de alvenaria e, nos condomínios residenciais ou industriais, de menor porte, tais elevatórias contam com reservatórios de polipropileno ou de fibra de vidro, os quais são inertes, suportam bem as cargas orgânicas e o pH dos esgotos.
Assim como na água de reúso, a tecnologia de armazenamento da água esgoto em elevatórias é definida no momento da concepção do projeto, que se inicia na etapa de caracterização das águas residuárias (composição química e microbiológica), medição da sua vazão de geração e definição dos locais de instalação da elevatória. “Quanto mais concentrada a água de esgotos, ou maior a sua vazão haverá a necessidade da seleção de tecnologias mais avançadas e adequadas para atingir o objetivo desejado” – enfatiza Belinda.
O primeiro ponto a ser avaliado na implantação de uma nova elevatória de esgotos é colocar-se no lugar de quem mora próximo. Ninguém quer um sistema próximo a sua residência que gere odor, que seja barulhenta, que extravasa esgoto constantemente.
De acordo com Sena é de bom tom também conversar com a comunidade através de alguma liderança. Assim, é possível explicar aos moradores, de forma clara e simples, a importância do sistema que está sendo instalado e o grande ganho na saúde de todos.
Quando o assunto é tecnologia e processos, ele conta que um novo sistema está sendo implantado no Brasil, denominado como bombeamento direto, conhecido como DIP do inglês Direct Pumping. “Esta tecnologia está gerando muito debate, pois é uma situação de grande vantagem, devido a facilidade de implantação e manutenção” – afirma o especialista da EPUSP.
No sistema DIP não há um poço para acumular o esgoto, o que é uma vantagem devido a eliminação de odor próximo as residências. Segundo ele, há diversos processos na justiça em relação a odor em todo o Brasil. Assim, sistemas inovadores que não liberam o sulfeto de hidrogênio sempre são bem-vindos.
Outra inovação são os trituradores, esses equipamentos são robustos e trituram todo o tipo de material. O que impedirá que haja paralização por travamento das bombas, uma situação bastante comum e que causa sérios problemas.
“É fantástico o que está ocorrendo no Brasil com investimentos bilionários na área de saneamento básico. Isto trará em curto espaço de tempo, melhor qualidade de vida a todos os Brasileiros. Como um profissional que atua na área há muitos anos, só temos a comemorar”– finaliza Sena.
Contatos
CIRRA: biton.uspnet.usp.br/cirra
EPUSP: www.poli.usp.br
Fabio Campos: fcampos@usp.br
Hidrolabor: www.hidrolabor.com.br