O Biogás como importante fonte de energia renovável
Por Carla Legner
Edição Nº 67 - Junho/Julho de 2022 - Ano 12
Em todo o mundo, a escassez de fontes de energia e a urgência de se reduzir a concentração atmosférica de gases de efeito estufa, provocou a adoção de quadros regulamentares favoráveis para incentivar o setor público e privado a investirem em energias
Em todo o mundo, a escassez de fontes de energia e a urgência de se reduzir a concentração atmosférica de gases de efeito estufa, provocou a adoção de quadros regulamentares favoráveis para incentivar o setor público e privado a investirem em energias renováveis, como o Biogás.
Trata-se de uma fonte produzida a partir de resíduos orgânicos, que podem ser oriundos do consumo humano, da agropecuária – dejetos animais, da produção de mandioca, palha, bagaços, da produção de açúcar e álcool, linhaça etc - e do saneamento. “Atualmente, mais de 50% do nosso lixo é composto de material orgânico, ou seja, temos a produção desse Biogás dos próprios aterros” – destaca Tamar Roitman, gerente executiva da Associação Brasileira de Biogás - Abiogás.
A composição do Biogás é basicamente uma mistura de metano (CH4 - 50 a 70%) e gás carbônico (CO2 - 30 a 50%) com alguns contaminantes, dependendo da fonte, como por exemplo: nitrogênio (N2), oxigênio (O2), sulfeto de hidrogênio (H2S), compostos orgânicos voláteis (VOC), siloxanos, etc.
Da maneira que está não temos o melhor conteúdo de energia, mas podemos fazer o
upgrading do biogás através da purificação, que pode ser feita por meio de lavagem em contracorrente (Scrubbers), adsorção química (PSA), permeação molecular (membranas), digestão anaeróbia com biorreatores, entre outros.
Segundo Caio Mogyca, diretor de desenvolvimento de novos modelos de negócios da Air Liquide, a escolha da melhor solução deve ser feita através da relação entre a eficiência de recuperação de metano, custo de instalação (CAPEX) e custo operacional (OPEX), incluindo insumos e utilidades.
O processo purificação consiste em remover alguns contaminantes e, principalmente o CO2, que não contém nenhum conteúdo energético, e com isso chegar a um gás de metano com pureza acima de 99%. Dessa forma, além do uso mais comum na produção de energia, é possível também usá-lo como combustível veicular e até liquefaze-lo.
Com o Biometano temos a energia, que pode ser transformada em energia elétrica (consumida em residências, por exemplo) e como substituto ao gás natural derivado de combustíveis fósseis, ou seja, pode ser utilizado na indústria para gerar energia ou como insumo industrial e combustível de transporte, tanto de veículos leves como pesados.
De acordo com Pedro Chaves, BI manager da Thermo Energy, o gás carbônico retirado na filtragem pode ainda ser vendido para indústria de bebidas, por exemplo. Nada se perde. Toda etapa do processo tem potencial de gerar riqueza e resolver problemas ambientais.
“A remoção do CO2 permite maior eficiência energética do gás (Biometano) em comparação à mistura (Biogás), concentrando o poder calorífico e tornando o gás equivalente ao gás natural, reduz a emissão de gases de efeito estufa, que naturalmente iriam para a atmosfera e pela substituição de combustíveis fósseis e o uso eficiente de fontes locais de energia, transformando o que seria rejeitos em combustível”- enfatiza Mogyca.
Cenário brasileiro
Segundo Tamar, hoje, a produção de Biogás é de mais ou menos de 4 milhões metros cúbicos por dia, onde desse volume cerca de 10% é de Biometano. O restante, 90%, é destinado para geração de energia elétrica, porém, a Abiogás calcula que o potencial de produção é bem maior: 120 milhões metros cúbicos por dia. Apesar disso, apenas ¼ desse número deve ser aproveitado nos próximos anos.
“Nossa projeção e estimativa é chegar em 30 milhões metros cúbicos por dia em 2030.
A gente entende que é uma expectativa bastante realista, inclusive já há alguns projetos anunciados, tudo vai depender de condições favoráveis para os investimentos, fomentos, incentivos e políticas públicas específicas para o setor, mas já vemos uma demanda bastante importante para que realmente essa expectativa aconteça” – enfatiza Tamar.
Com tanto potencial é comum se questionar o porquê de não conseguimos melhorar esses números. A gerente da associação explica que ainda falta um empurrãozinho para mais investimentos, sem falar que há muitas questões a serem observadas e ainda há falta de conhecimento quanto ao tema.
Ela destaca que para a viabilidade dos investimentos é importante que tenha demanda e que as questões regulatórias sejam definidas, como por exemplo, a abertura do mercado livre de gás natural. E não podemos esquecer da infraestrutura, que deve alcançar toda a demanda e onde os produtores estão localizados. E mais, quem tem essa biomassa muitas vezes desconhece sobre investimentos e como podem ampliar o uso do Biogás e gerar receita a partir desse recurso.
Na hora de captar financiamentos até os próprios bancos tem desconhecimento sobre o Biogás e como é a operação desses projetos. Normalmente se têm a percepção de risco alto e por isso o custo acaba ficando elevado também, exigindo mais garantia. Nesse sentido, Tamar destaca que uma das atuações da Abiogás é a criação de um fundo garantidor, justamente para mitigar um pouco dessa percepção.
“Busca-se ainda uma legislação mais consolidada e especializada para o mercado de biogás e biometano, tanto no âmbito estadual quanto no federal. Hoje, os geradores ainda sofrem com enquadramentos que não os contemplam devidamente” – complementa Igor Urasaki, diretor de novos negócios da ENC Energy.
Em contrapartida, há uma demanda extremamente crescente para o setor, principalmente em um momento onde o preço de gás natural está alto. Aquelas empresas que são dependentes desse gás, seja para insumo ou fonte de energia, estão buscando outras fontes e estão enxergando o biogás não só como uma forma de reduzir custos, mas como uma forma de promover sua descarbonização.
Grandes empresas estão vendo no Biomentano uma forma importante de reduzir suas emissões, uma vez que, quando comparado com Diesel, consegue reduzir em quase 100%. “A grande importância está em trazer energia limpa que permita aproveitar o potencial energético local desperdiçado em rejeitos, dejetos e outros materiais orgânicos decorrente de atividades agroindustriais, aterros sanitários ou tratamento de esgoto e reduzindo a emissão de gases de efeito estufa” – enfatiza Caio Mogyca.
Sustentabilidade e valorização dos resíduos
As fontes renováveis já são uma fatia importante da matriz energética brasileira. A tendência é que isso cresça e o biogás é uma das alternativas, pois a forma como o lixo é armazenado no Brasil permite que esse recurso seja amplamente explorado. Ou seja, além dos benefícios ambientais, o impacto social positivo que essa cadeia gera é enorme.
Segundo Urasaki, com o novo marco legal, que obriga o Brasil a acabar com os lixões até 31 de dezembro de 2024, o potencial energético do país vai crescer muito com relação ao Biogás proveniente dos aterros sanitários. Nesse sentido, há inúmeros benefícios. O primeiro deles é a preservação do meio ambiente, pois nos aterros sanitários onde existe a valorização energética do Biogás, há a mitigação da emissão de gás metano na atmosfera.
O metano é um gás de efeito estufa (GEE), considerado 28 vezes mais nocivo que o gás carbônico (CO2). O aproveitamento da energia do biogás proveniente de aterros sanitários representa uma destinação mais sustentável e inteligente para os resíduos, podendo além disso, gerar créditos de carbono.
Depois, destacamos a produção do biogás por meio da decomposição do lixo independe do clima, ou seja, não depende de chuva, sol ou vento. Sabemos que o Brasil passou recentemente por uma crise hídrica e a geração de energia por meio do Biogás da decomposição dos aterros sanitários não foi comprometida. Sendo o resíduo orgânico a matéria prima para sua geração e considerando o Brasil o quinto maior produtor de lixo do mundo, esta fonte representa um grande potencial para compor as alternativas energéticas renováveis para o país.
Podemos falar ainda sobre geração de emprego. Desde a criação da usina, até a implementação e operação do projeto, é preciso contar com profissionais especializados. Para exemplificar, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA), o ramo de geração de energia por meio do Biogás, representou cerca de 11 milhões de empregos em todo o mundo, em 2019.
Por fim, o aproveitamento adequado do biogás gera um impacto social positivo em toda a cadeia de produção e consumidora. As usinas energéticas podem ser alocadas dentro dos aterros sanitários, evitando desapropriações de terras em grandes extensões, como ocorre em demais fontes energéticas. Além disso, suas instalações estão próximas a centros urbanos, o que evita grandes investimentos em linhas de transmissão.
“Considerando que a produção de resíduos é uma realidade de impacto ambiental intrínseca da nossa sociedade, a valorização energética destes resíduos beneficia estes processos diminuindo os impactos gerados. Além disso, há o aumento da produção energética renovável do país e consequentemente colabora com a redução das mudanças climáticas” - enfatiza Igor Urasaki.
Além da geração limpa e renovável de energia, com a mitigação de emissão de gás carbônico na atmosfera, a energia proveniente do Biogás traz uma renda extra para os aterros, estimulando o investimento neste setor e contribuindo para o encerramento dos lixões, que causam grandes poluições ao meio ambiente.
Tamar destaca ainda que para as indústrias é importante quando se consegue descarbonizar os seus produtos de forma extremamente competitiva. Como resultado, há um produto diferenciado, produzido com energia renovável, com menor pegada de carbono e sem ter um custo a mais por isso, o que vai ser muito mais valorizado no mercado (brasileiro ou Internacional).
“Basicamente, os benefícios do biogás são vários. Você consegue eliminar o passivo
ambiental orgânico, ao mesmo tempo que produz energia, comercializa CO2, consegue crédito de carbono ou crédito de metano. Ou pode ainda vender ou utilizar o Biometano como combustível veicular. Hoje, com a corrida global para descabornização do mundo, o biometano, sem dúvida será um grande aliado na busca de novas matrizes energéticas, completa Pedro Chaves.
Biogás no saneamento
No saneamento, o Biogás é considerado um subproduto oriundo do processo de tratamento de esgotos e produzido pela digestão anaeróbia, onde sua principal vantagem é que a degradação do material orgânico é acompanhada da produção de energia na forma de biogás, enquanto que a produção de lodo é muito menor, quando comparada aos processos aeróbios. A proporção de cada gás que compõe o Biogás depende de vários parâmetros, como o tipo de digestor e o substrato.
Quando devidamente purificado e transformado em biometano pode ter uma utilização mais imediata, como substituto do gás natural, sendo injetado diretamente em redes de distribuição de gás ou usado como combustível veicular. Além disso, pode ser utilizado para diversos usos finais, tais como: energia térmica (calefação, aquecimento de biodigestores, injeção em redes de distribuição de gás etc), energia elétrica (geração através de turbinas a gás, microturbinas ou geradores).
Nesse sentido, as tecnologias de digestão anaeróbia e de aproveitamento do biogás têm-se revelado eficazes no tratamento e valorização de resíduos e na mitigação do efeito estufa, evitando custos ambientais correspondentes ao uso de fontes convencionais de energia. Verifica-se, entretanto, que embora haja um potencial de aproveitamento decorrente do volume elevado de esgotos gerados, principalmente nas metrópoles, são relativamente poucos os projetos de aproveitamento do biogás em operação no Brasil.
Pensando nisso, desde abril de 2018 a Sabesp começou a usar o Biogás gerado no tratamento do esgoto para movimentar sua frota de veículos. Atualmente, não se tem conhecimento de outro projeto desta magnitude para produção de Biometano para uso veicular, gerado a partir do tratamento de biogás resultante do tratamento de esgotos na América Latina. Por conta desse projeto, a Sabesp foi, inclusive, destaque no Prêmio Ideias em Ação 2019 realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
A Companhia conquistou o primeiro lugar pelo projeto de economia circular implantado na Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de Franca. “Atualmente estamos com diversos projetos em estudo para utilização do biogás como fonte de energia elétrica, utilização em processos de tratamento de esgoto, secagem de lodo e também para injeção em redes gás junto a concessionárias de distribuição” – afirma Cristina Knorich Zuffo, superintendente de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação da Sabesp.
A utilização do biogás tem impactos positivos nos eixos sociais, ambientais e econômicos. Reduz a emissão de gases de efeito estufa, dado que a combustão do biometano é totalmente limpa, além de substituir os combustíveis fósseis. No caso do uso veicular, o rendimento dos veículos é considerado
excepcional, similares ao uso do GNV, além disso, houve uma redução significativa de custos com combustível pela empresa pois ela mesma produz a energia necessária para os veículos de sua frota em Franca.
Por outro lado, as principais dificuldades encontradas dizem respeito à viabilidade técnica e econômica e aos problemas operacionais do sistema, indicando que ainda há espaço para o aperfeiçoamento tecnológico e o emprego dessa fonte de energia em escala.
O Brasil apresenta ainda dificuldades adicionais. A primeira dela condiz ao elevado déficit nos serviços de saneamento básico, especialmente em relação à coleta e tratamento de esgotos sanitários nas áreas urbanas.
A segunda está relacionada aos parâmetros de regulação que precisam ser superados em caso de comercialização. A Sabesp tem elaborado termos de referência neste sentido e também tem participado de diversos fóruns como com a agência nacional de petróleo (ANP) com o objetivo de encontrar a melhor forma de otimizar o tempo e assim viabilizar os projetos com maior celeridade.
“A economia circular abrange a otimização, viabilidade econômico-financeira, inovações, redução de resíduos ao máximo, reutilização, reaproveitamento, reciclagem de materiais, dentre outros aspectos. É um novo conceito que a Companhia está utilizando que proporciona uma mudança cultural na qual a ETE deixa de ser vista como uma produtora de resíduos e passa a ser considerada uma recuperadora de recursos. Neste sentido a utilização do biogás é um dos elos importantes desse processo” – afirma a Superintendente.
O fato é que, o potencial de mercado do Biogás é enorme. A dúvida atualmente é qual forma mais eficaz de utilização, porque toda a produção de biogás pode ser facilmente
absorvida nos próprios processos de saneamento ou mesmo comercializada em mercado.
Para Cristina, a utilização desse recurso é um caminho sem volta. “Estamos imersos em uma nova perspectiva onde as questões ambientas e energéticas são primordiais, vide o ESG, os objetivos de desenvolvimento sustentáveis da ONU, a crise energética deflagrada pela guerra da Ucrânia, dentre outros. A Sabesp conectada nesta nova realidade está trabalhando fortemente dentro do conceito de Economia Circular onde o biogás é um dos fortes pilares” – finaliza.
Contatos
Associação Brasileira de Biogás - Abiogás: www.abiogas.org.br
Air Liquide: www.airliquide.com
ENC Energy: www.encenergy.com
Sabesp: www.sabesp.com.br
Thermo Energy: www.thermoenergy.com.br