Marco Legal do Saneamento Básico completa 2 anos
Por Patrícia Simon Mattos
Edição Nº 68 - Agosto/Setembro de 2022 - Ano 12
Será que está funcionando? Sim. Ao menos entidades governamentais, associações e empresas privadas concordam que sim. As empresas passaram a ter maior participação na questão do saneamento básico, leilões vêm sendo realizados com sucesso e a arrecadação
Será que está funcionando? Sim. Ao menos entidades governamentais, associações e empresas privadas concordam que sim. As empresas passaram a ter maior participação na questão do saneamento básico, leilões vêm sendo realizados com sucesso e a arrecadação só vem aumentando.
“O Marco Legal do Saneamento possibilitou maior participação do setor privado na questão do saneamento básico. Exemplo de grande relevância é o estado do Rio de Janeiro, que era operado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) e atualmente conta com três grandes grupos responsáveis pelo tratamento de água e esgoto”, afirma o dr. Helvécio Sena, que trabalhou por mais de 30 anos na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e hoje presta serviços como consultor. “Devido ao Marco, o investimento em saneamento teve aumento de 1.000% em apenas um ano devido à participação da iniciativa privada”.
Marcelo Bueno, gerente regional da Toray do Brasil e responsável pela área de Membranas – Tratamento de Águas para a América do Sul, concorda. “A Toray analisa como muito positivo esse período, pois apesar de ainda não ter atingido as metas anuais necessárias para a universalização do saneamento, ocorreram vários leilões para concessão dos serviços de água e esgoto nos mais diversos estados brasileiros que permitirão grande injeção de investimento ao longo dos próximos anos”.
“As exigências às empresas são amplas e necessárias para que haja possibilidade em tempo recorde, de trazer maior qualidade de vida para a população brasileira”, explica Sena. “Segundo o levantamento feito pela Associação e Sindicato
Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON SINDICON), 1.117 municípios não atenderam as exigências contidas na Lei 14.026”.
“A iniciativa privada entende que é uma grande oportunidade de negócios, ciente de que há e haverá cobrança na eficiência do serviço prestado, seja no quesito técnico como no quesito tarifa. O setor deseja fazer os investimentos necessários, desde que haja segurança jurídica para tal”, finaliza Sena.
Federico Lagreca, CEO da Suez Brasil, faz uma análise positiva. “Sempre consideramos o reestabelecimento do Marco um ato necessário. Acreditamos que finalmente poderemos sonhar com a universalização. Os últimos dois anos nos mostraram que cumprir a meta é um desafio alcançável. Os grandes leilões foram um sucesso, garantindo um compromisso de investimentos nunca alcançados em tão curto espaço de tempo. A estrada ainda é longa, mas finalmente estamos caminhando em boa velocidade”.
“Virada de chave”
Pedro Taves, diretor comercial e marketing Saint-Gobain Canalização, vê com otimismo esses dois anos do novo Marco Legal. “Ele representa uma fase muito importante para o mercado de água e esgoto. Ao estabelecer metas claras e exigências de cumprimento dos contratos de programa, o setor passa a ter um direcionamento que culminará, esperamos todos, em maior agilidade e dinamismo vinculado a um aumento expressivo de investimentos, que valem tanto para as empresas públicas quanto privadas. Completados esses dois anos da nova lei e alguns marcos temporais importantes, como, por exemplo, a comprovação da capacidade econômica-financeira das companhias de saneamento, chegamos a um momento importante de virada de chave, onde os esforços pela criação e aprovação do Marco no congresso nacional migram agora para um maior acompanhamento e vigilância dos avanços na prestação dos serviços. A Saint-Gobain Canalização está bastante otimista com os aumentos de investimento no setor que estão por vir, bem como espera contribuir para que a sociedade brasileira possa avançar nas questões de saneamento básico”.
Um Marco propriamente dito
A Lei veio efetivamente para mudar o cenário do Brasil no setor. O novo Marco Legal do Saneamento Básico foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em 15/07/2020, lei
nº 14.026 e, entre os objetivos, estão a universalização do saneamento, que prevê a coleta de esgoto para 90% da população e o fornecimento de água potável para 99% da população até o final de 2033; realização de licitação com participação de empresas públicas e privadas e fim do direito de preferência das companhias estaduais; fim dos lixões e regulação do setor.
“Dados do Atlas do Esgoto demonstram que há uma divergência enorme quanto à coleta de esgoto no Brasil. Por exemplo, no Sudeste (SNIS/2019) a coleta de esgoto foi de 79,5%, enquanto no Norte o percentual de coleta era de 12,3%. Após a promulgação do Marco do Saneamento (Lei 14.026) já houve vários leilões importantes somando mais de 42 bilhões de reais que serão aplicados no saneamento (BNDES/2022). Portanto espera-se para os próximos anos, uma melhora exponencial em termos de índices de coleta e tratamento de esgotos. Podemos exemplificar com a Capital do Piauí, Teresina, que tinha índice de tratamento de esgotos de 19% e passou para 26%”, explica o dr. Sena. Sobre a água potável no País, ele diz que “essa questão é mais confortável quando comparamos com os índices de esgoto, contudo por tratar-se de condições essenciais para a saúde das pessoas, torna-se imperativo maior celeridade nas ações. No quesito fornecimento de água, o menor índice de atendimento no Brasil é de 34% (GO Associados/SNIS/2020), enquanto para o menor índice de atendimento para o tratamento de esgotos é de 5% (Porto Velho/RO - GO Associados/SNIS/2020)”.
Empresas se estruturam para novas demandas
A Lei exigiu mudanças nas empresas para que possam atender as novas regulamentações. Mas elas não reclamam. Na Toray do Brasil, “as principais ações foram na contratação de serviços e tecnologias para melhoria da eficiência dos sistemas existentes e também em obras de ampliação. Controle de perdas, manutenção e atualização de equipamentos, análise e implantação de novos projetos etc”, explica Marcelo Bueno. “A Toray está envolvida justamente para oferecer tecnologias avançadas para o saneamento com membranas filtrantes, que atualmente são o estado da arte no tratamento de água potável e tratamento de esgoto, com alta eficiência e economia comparadas com as tecnologias convencionais”.
Bueno enfatiza que “como a maioria dos projetos relacionados ao Marco do Saneamento são de concessões com contratos de longo prazo, a Toray está voltando as atenções para as empresas que precisarão de produtos e serviços robustos que atendam da melhor forma o custo global de projeto (custo de investimento e custo de operação). Elas não estão procurando o mais barato, querem o melhor, porque precisarão conviver décadas com estes equipamentos e produtos. Nossas membranas atendem esta necessidade”.
A Gmar Ambiental também tem feito mudanças. “Estamos reforçando o time para que possamos suprir qualquer necessidade de demandas provenientes do Marco Legal. Grande parte do time da Gmar Ambiental está devidamente treinada e engajada para as necessidades que irão surgir”, explica o diretor técnico, David Faria. “Podemos prestar os serviços desde a elaboração dos projetos básicos, conceituais e executivos. Também estamos aptos a realizar obras civis, prestação de serviços de operação, manutenção de ETA’s, ETE’s, fornecimento de equipamentos, gestão dos recursos hídricos, entre outros. Além disso, adquirimos um novo galpão, onde grande parte dos equipamentos serão montados neste novo local”.
De olho nos novos clientes, a Saint-Gobain Canalização diz que “é possível notar maior participação das operadoras privadas no setor. Com isso, adaptamos nossa estrutura comercial para atender a esse tipo de cliente, cujas demandas e modelos de negociação são bastante diferentes dos clientes públicos, no que tange a uma maior agilidade e menos burocracia”.
Aquecimento no mercado
Diversas empresas estão trabalhando direta ou indiretamente para o novo Marco Legal. “Estamos participando de várias concorrências para fornecimento de membranas para empresas que venceram leilões e estão investindo na ampliação da capacidade de tratamento, principalmente membranas de ultrafiltração para potabilização de água. Nossa grande experiência em dessalinização de água do mar também está gerando consultas e oportunidades, pois é uma fonte alternativa de água e que está sendo considerada na conta da ampliação da matriz hídrica, permitindo levar água para mais pessoas”, explica Marcelo da Toray do Brasil.
Grupo com mais de 160 anos, 83 deles no Brasil, a Suez “é uma das maiores empresas de meio ambiente do mundo e pode colaborar com o País para o atingimento das metas de universalização para 2033”, diz Lagreca. “Além do apoio e incentivo para o estabelecimento do novo Marco, estamos preparados para colaborar com os players públicos e privados, principalmente em relação à redução de perdas, gestão e controle da microdistribuição e, também, ampliação da matriz hídrica, através do extenso conhecimento e experiência do grupo no tema de águas subterrâneas, principalmente no Brasil”.
Qual o papel da ANA?
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passou a ter uma nova atribuição regulatória: editar normas de referência, contendo diretrizes para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil.
“A nova Lei deu, entre as atribuições à Agência Nacional de Águas, a responsabilidade de criar normas específicas para a drenagem de água das chuvas, o que contribuirá para a melhora dos rios e lagos que recebem os efluentes tratados, considerando que em cidades em que este tema não é tecnicamente tratado, a drenagem inexiste, causando problemas aos moradores que muitas vezes utilizam o sistema de esgotamento para drenar a sua rua, o que causa problemas sérios ao tratamento de esgotos”, analisa Sena.
Em abril deste ano, as agências reguladoras infranacionais (municipais, intermunicipais e estaduais) avaliaram e aceitaram a comprovação da capacidade econômico-financeira de contratos dos prestadores de serviços em 2.766 municípios de 18 estados para a universalização dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto até 2022. Essa comprovação estava prevista no novo Marco.
Números
O Governo Federal avaliou em março de 2022 os resultados obtidos com o Marco Legal do Saneamento e concluiu que, desde julho de 2020 quando foi sancionada, a lei vem se mostrando uma ferramenta eficaz para a atração de investimentos para obras e projetos de saneamento básico no Brasil:
• R$ 72,2 bilhões foram garantidos com nove leilões de concessão de serviços. Resultados positivos para 19,3 milhões de pessoas de 212 municípios;
• Em 2021, o setor de saneamento básico garantiu aproximadamente R$ 42,8 bilhões em investimentos;
• Foram R$ 37,7 bilhões em recursos voltados à melhoria dos serviços, só com os leilões de concessão;
• Investimentos em tratamento de esgoto e de água no Brasil aumentaram quase 1.000% em um ano, saltando de R$ 4,5 bilhões para cerca de R$ 50 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR);
• Só em 2021, o Governo Federal, por meio do MDR, entregou 137 obras de saneamento e retomou 290 empreendimentos que levarão água e esgoto tratados a cerca de 7,5 milhões de pessoas.
Presidente edita Decreto
O Presidente da República editou o Decreto nº 11.030, de 1º de abril de 2022, que altera o Decreto nº 10.588, de 24 de dezembro de 2020, para dispor sobre a regularização de operações e o apoio técnico e financeiro de que trata o art. 13 da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, e sobre a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União de que trata o art. 50 da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.
Foram definidas regras para que arranjos de prestação regionalizada pelos municípios possam ser aceitos para fins de cumprimento das exigências legais, quando não houver lei estadual que trate da regionalização.
O Decreto também contém normas para estabelecer como deverá ocorrer a uniformização dos prazos de vigência dos contratos atuais para viabilizar a regionalização dos serviços, e um período de transição para que sejam adotadas as providências necessárias para regularizar a prestação dos serviços.
Durante esse período, os estados e municípios poderão continuar a receber recursos federais, desde que atendidas as condições previstas no Decreto. Assim será evitado que haja prejuízos à população, ao mesmo tempo que não se compromete o objetivo de regionalização, nem as metas de universalização.
Meio ambiente agradece
Ainda é cedo para analisar uma significativa melhora no meio ambiente, resultado no novo Marco Legal. “Temos apenas dois anos da aprovação do Marco do Saneamento. Os investimentos estão sendo feitos em diversas partes do Brasil. Exigências como redução da perda de água é um componente importante, seja para o Estado Brasileiro quanto às empresas que arremataram os leilões, considerando que trata-se de uma perda de receita”, afirma o Dr. Sena. “Estudo realizado nos maiores sistemas de tratamento de água de Santa Catarina (Fabre & Pfitscher, 2010), demonstrou a perda equivalente a R$ 69 milhões por ano em termos de receita”.
Blocos de Municípios precisam ser revistos
Segundo explica o consultor Helvecio Sena, a formação de blocos de municípios para facilitar a licitação dos serviços é um grande desafio. “Em São Paulo, por exemplo, exceto aos municípios que já estão sob a concessão da SABESP, foi feita a tentativa de criar os blocos, contudo a iniciativa não teve sucesso e será revista”, afirma. “Municípios querem adequar-se às novas normativas, contudo querem que necessidades específicas sejam atendidas, como é o caso da cidade de Ribeirão Preto, que está dentro de um bloco com mais 141 municípios, mas deseja que a Secretaria de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (SAERP) tenha o controle da operação de água e esgoto”.
Do contra
O novo Marco Legal do Saneamento Básico teve 65 votos de senadores favoráveis e 13 contrários. Na ocasião, o líder do PT, Rogério Carvalho (SE), tentou propor o adiamento da votação, mas foi voto vencido.
Pelo Twitter, ele criticou a aprovação. “A intenção em levar água e esgoto motivou os colegas senadores a aprovarem o marco do saneamento. A história dirá que foi uma atitude precipitada”.
Os objetivos serão alcançados?
Há uma luz no fim do túnel. Parece que, enfim, o Brasil poderá deixar de figurar nos últimos lugares do ranking mundial de cobertura de serviços de água e esgoto à população.
“Se houver o acompanhamento do planejamento de investimento por parte das Agências de Regulação, os prazos serão cumpridos. Ou seja, passar o serviço para a iniciativa privada não significa que o estado não deve manter o controle e a fiscalização para proteger o consumidor, que em última análise, é quem financia todo o serviço”, esclarece Sena.
Marcelo Bueno, da Toray do Brasil, acredita ser uma oportunidade especial. “Sem dúvida, os investimentos estão sendo iniciados e esperamos que a meta de universalização em 2033 possa ser atingida, com o setor privado juntamente com o setor público mobilizados com capacidade técnica e financeira. É a grande chance do Brasil mudar este cenário de baixíssima cobertura de saneamento”.
David, diretor técnico da Gmar Ambiental, afirma: “Achamos que o Marco Legal do Saneamento irá beneficiar milhões de pessoas com o devido tratamento dos esgotos e fornecimento de água potável de qualidade. Vimos que o mercado e as oportunidades estão em crescimento. Percebemos um aumento nas oportunidades para licitações em geral, mas ainda há muito trabalho a se fazer”.
Outra empresa bastante confiante é a Suez do Brasil. “Entendemos que estamos ainda no começo. Essa primeira onda trouxe excelentes resultados. Estamos confiantes que as próximas ondas serão ainda mais intensas e impactantes, e ajudarão o País a alcançar os resultados”, diz o CEO Lagreca. “Além de novas tecnologias, de troca de experiências, devemos também considerar novas modelagens contratuais, como os contratos de Performance. Dessa forma, conseguiríamos acelerar ainda mais os resultados”.
Pedro Taves analisa a situação do País. “O Brasil tem uma dívida histórica com o setor de saneamento e o Marco Legal tem o poder de corrigir esse problema. Temos mais de 40 milhões de brasileiros sem água potável chegando em suas casas e cerca de metade da nossa população não tem esgoto coletado em suas residências. Na prática, temos índices comparáveis a países menos desenvolvidos. Por esse motivo, o setor e a sociedade como um todo precisam estar mobilizados e vigilantes para que essa dívida comece a ser paga, uma vez que a melhoria nesses índices de saneamento básico impactará positivamente em diversos setores, como saúde, construção civil e turismo”.
Contatos
Dr. Helvécio Sena: consultor
Gmar Ambiental: www.gmarambiental.com.br
Suez Brasil: www.suez.com
Saint-Gobain Canalização: www.sgpam.com.br
Toray do Brasil: www.toray.com