Tese defendida na EESC-USP trouxe estudo que utilizou bactérias para remover fármacos anti-inflamatórios do esgoto doméstico de São Carlos
Por Alexandre Milanett
Edição Nº 68 - Agosto/Setembro de 2022 - Ano 12
Os micropoluentes orgânicos estão incluídos em ampla classe de substâncias químicas de origem sintética ou natural, os quais fazem parte da composição de medicamentos, produtos de cuidados pessoais, plastificantes corantes, pesticidas e aditivos
Os micropoluentes orgânicos estão incluídos em ampla classe de substâncias químicas de origem sintética ou natural, os quais fazem parte da composição de medicamentos, produtos de cuidados pessoais, plastificantes corantes, pesticidas e aditivos industriais. Na heterogeneidade da composição dos efluentes líquidos, os fármacos são de alto consumo e emergente potencial para gerar impactos adversos à qualidade da água e à saúde pública. Dessa forma é fundamental a busca de alternativas tecnológicas de degradação dos micropoluentes antes de serem descarregados no ambiente.
As descargas de esgoto doméstico ou água residuária in natura e o lançamento de efluentes, após tratamento, em corpos hídricos aceptores constituem as principais vias de entrada desses micropoluentes no ambiente. Em nível global, 80% das águas residuárias são lançadas diretamente nas matrizes ambientais na forma in natura, ademais 95% do esgoto doméstico não são tratados adequadamente em Estações de Tratamento de Esgoto (ETE).
No Brasil, 53% da população, equivalente em média a 107,5 milhões de pessoas, têm acesso à coleta de esgoto sanitário. Deste percentual, estima-se que 46,3% são processadas em sistemas de tratamento. Na ETE, a maioria dos micropoluentes emergentes não é degradada nos sistemas primários, secundários e terciários. A partir disso, são lançados totalmente ou parcialmente inalterados nos cursos hídricos.
Por serem compostos biologicamente ativos, os fármacos são produzidos com o intuito de provocar alterações biológicas em organismos alvos. No entanto, com a exposição progressiva e contínua desses compostos no esgoto ou água residuária, os organismos vivos não alvos podem sofrer efeitos adversos, podendo, assim, alterar o equilíbrio ecossistêmico da fauna aquática, como efeitos na mobilidade e crescimento de espécies de algas, invertebrados e peixes.
O diclofenaco (DCF) e o ibuprofeno (IBU) são fármacos anti-inflamatórios não esteroidais e estão incluídos entre os micropoluentes emergentes e recalcitrantes em reatores biológicos em ETE. A ocorrência destes micropoluentes pode causar impactos aos níveis tróficos do ecossistema aquático, a partir do potencial de bioacumulação e genotoxicidade, contribuindo para a contaminação de mananciais e sistemas de abastecimento de água. Diclofenaco e ibuprofeno foram quantificados em 0,45 a 17,0 µg L-1 em esgoto e 200 µg L-1 em água residuária de indústria farmacêutica.
A complexidade e onerosa detecção e quantificação desses micropoluentes em diferentes matrizes, como águas superficiais, subterrâneas e em solos, justificam a dificuldade de monitoramento frequente, o que dificulta ou atrasa a implementação de legislações vigentes. A degradação dos micropoluentes pode ocorrer em condição aeróbia, anaeróbia e anóxica e pode ser favorecida por fontes de carbono facilmente degradáveis, por meio do cometabolismo.
Assim, o cossubstrato é fundamental para o desenvolvimento das populações microbianas, o que pode resultar em maior degradação dos compostos tóxicos e recalcitrantes. Os cossubstratos podem fazer parte da composição do esgoto.
Dessa forma, estudos de processos de tratamento de efluentes e remoção de micropoluentes orgânicos emergentes são necessários, os quais se iniciam em escalas menores e laboratoriais, como em reatores em bateladas com efluentes sintéticos para viabilizar a aplicação em escala piloto com efluentes reais.
No último mês de março, uma tese de doutorado foi defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), sobre a utilização de reator de leito fluidificado com biofilme na remoção e degradação de diclofenaco e ibuprofeno. O reator em escala aumentada foi instalado na Estação de Tratamento de Esgoto Monjolinho em São Carlos (SP) e, com isso, reduziu os impactos destes fármacos nos corpos d’agua após tratamento.
“A proposta do estudo foi analisar uma alternativa para a remoção completa ou parcial deles”, explica Luciana de Melo Pirete, autora da tese intitulada “Influência do etanol e nitrato na degradação de diclofenaco e ibuprofeno em reator em batelada e contínuo de leito fluidificado: ênfase na caracterização taxônomica e de possíveis vias metabólicas”, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Bernardete Amancio Varesche, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC-USP.
Sistemas de tratamentos de efluentes baseados em reatores de leito fluidificado consistem em processos biológicos nos quais a existência do biofilme aderido ao meio suporte promove a adesão de diferentes populações de bactérias e a recirculação do efluente para fluidificação do leito do reator. Assim, a eficiência do tratamento é relacionada com a formação e desenvolvimento do biofilme, vazão afluente e das características do meio suporte.
Diferentes populações de bactérias estiveram aderidas no biofilme do material suporte (areia) do leito do reator fluidificado. “O cometabolismo tem sido investigado em consórcios microbianos para a degradação de fármacos em sistemas biológicos de tratamento de efluentes. Nesse processo, os fármacos não são utilizados como fontes prioritárias de carbono e substrato, visto que são formados por estruturas complexas para degradação. Com isso, fontes suplementares de carbono, prontamente disponíveis, tais como etanol e metanol podem induzir a produção de enzimas que viabilizam a metabolização dos compostos difíceis de serem removidos”, fala Luciana.
Em escalas menores e laboratoriais foi obtida a remoção máxima de 97% de ibuprofeno e 25% de diclofenaco a partir de 80 µg/L; enquanto em reator em escala aumentada, instalado na ETE Monjolinho, em São Carlos, foi obtida máxima remoção de 52,9% de diclofenaco e 56% de ibuprofeno por bactérias acidogênicas, presentes no próprio esgoto do município, em concentração afluente de 185,6 µg/L de diclofenaco e 150 µg/L de ibuprofeno.
No Brasil, não há regulamentação vigente e nem programas oficiais voltados ao monitoramento dos poluentes emergentes em matrizes ambientais. Dentre os poluentes emergentes, a legislação brasileira contempla apenas 30 pesticidas pela Portaria da Consolidação nº 5/2017 e pela Resolução CONAMA 357/2005, sendo deficitária em critérios de qualidade para regulamentação dos demais micropoluentes emergentes, como anti-inflamatórios, hormônios e antibióticos.
Por meio da revisão da Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde, Consolidação nº 5/2017 e do Ministério do Meio Ambiente, foram elencadas discussões e estudos relacionados aos fármacos, especificamente, cafeína e bisfenol A, para que sejam incluídos como exigência no Plano de Segurança da Água. Esse levantamento foi conduzido por associações e órgãos do governo, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que elaborou uma proposta a ser apresentada pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). No entanto, mesmo com as discussões dessas diretivas, os compostos emergentes não foram enquadrados na Portaria brasileira por carecer de novos estudos quanto à ocorrência e distribuição destes poluentes em nível nacional.
“Dessa forma, estudos de processos de tratamento de efluentes e remoção de micropoluentes orgânicos emergentes são necessários em vista da complexidade e onerosa remoção desses fármacos”, apontam a autora e a orientadora da tese defendida na EESC-USP.
Fonte: EESC-USP São Carlos / Ex-Libris