Brasil precisa aproveitar potencial gigante inexplorado de captura de carbono do setor alcooleiro
Por Júlio Romano Meneghini e Edmilson Moutinho dos Santos
Edição Nº 69 - Outubro/Novembro de 2022 - Ano 12
Casamento entre soluções baseadas na natureza e intensivas em tecnologia sinaliza caminho mais imediato e de baixo custo para país se descarbonizar e enfrentar a crise climática
O dióxido de carbono é um dos principais gases de efeito estufa (GEEs), contribuindo para as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta. A estabilidade da molécula do CO2 exige muita “ginástica química” e energia para convertê-lo em algo interessante e socioambientalmente menos danoso. Porém, retirá-lo do ar depois que ele foi emitido é difícil e custoso. A questão é de escala: a atmosfera tem 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases, entre os quais o CO2, cuja concentração atual é da ordem de 400 partes por milhão, acima das 280 partes por milhão anterior à revolução industrial.
É muito difícil separar esse menos de 1% de CO2 da massa gasosa total planetária. A forma mais natural de separação é via fotossíntese e o crescimento de plantas, capturando o CO2 na forma de biomassa. Dessa evidência, surgem linhas de pesquisa e soluções tecnológicas que maximizam essa captura. São as soluções baseadas na natureza (ou nature-based solutions, NBS, em inglês). O Brasil, dada a sua geografia e a força de seu agronegócio, apresenta vantagens competitivas para explorar comercialmente essas tecnologias.
Em paralelo, destaca-se a captura e o armazenamento geológico do carbono, ou CCS (carbon capture and storage). O CCS consiste em separar o CO2 dos gases gerados em grandes fontes estacionárias e especialmente difíceis de neutralizar, como chaminés de termelétricas a carvão ou indústrias intensivas em energia. O CO2 capturado pode ser transportado até um “sumidouro de CO2”, como um antigo campo de petróleo, uma caverna salina ou uma bacia sedimentar com condições geológicas adequadas, onde é injetado em alta pressão por poços similares àqueles de petróleo e gás. O CO2 se difunde na rocha e fica ali aprisionado definitivamente por centenas ou milhares de anos.
A partir dos conceitos de NBS e CCS, produtores de bioenergia começaram a revisitar seus processos e planos de negócio, em busca de oportunidades únicas de captura e armazenamento de CO2 — nesse caso, o processo é chamado de BECCS, do inglês bioenergy with carbon capture and storage.
A rigor, a produção do bioetanol (de cana-de-açúcar ou de milho) já é uma solução NBS “neutra” no que tange às emissões de CO2, quando são descontadas as emissões devido ao uso de diesel e fertilizantes na produção e transporte do etanol. Tudo contabilizado, pode-se mostrar que todo o CO2 emitido na produção do biocombustível (incluindo o da fermentação) será posteriormente capturado pelas plantas que crescerão na lavoura. Como o bioetanol substitui perfeitamente a gasolina nos veículos com tecnologia flex do Brasil, então, na prática, o agronegócio energético gera um processo de descarbonização efetivo, tecnologicamente comprovado e economicamente viável, disponível para o país.
A indústria tem evoluído, porém, na compreensão de oportunidades ainda mais ousadas. A fermentação para produzir o bioetanol gera um fluxo de CO2 em concentração elevadíssima, descartado na atmosfera pela indústria de biocombustível renovável, tal como tanto se critica em outros setores industriais.
A primeira iniciativa relevante de BECCS foi construída nos Estados Unidos, onde a ADM, um dos maiores processadores agrícolas do mundo, e a Universidade de Illinois implantaram em Illinois um projeto para avaliar e testar a tecnologia de captura e armazenamento de carbono em escala comercial. Em 2014, a formação rochosa usada como “sumidouro”, o arenito do Monte Simon, já havia armazenado um milhão de toneladas de CO2, após três anos de operação. O projeto foi ampliado e opera desde 2017 com capacidade de injeção de 1 milhão de toneladas de CO2 por ano, um marco na consolidação da tecnologia BECCS para o combate à crise climática.
A história deverá se repetir em Dakota do Norte com o Red Trail Project, um projeto de pesquisa em larga escala, que adota tecnologias já conhecidas e consagradas de BECCS e que começará a injetar CO2 ainda em 2022.
Há muitas experiências de BECCS em outros países, mas uma particularmente relevante para nós é a da empresa FS, produtora de etanol com unidades nas cidades de Lucas do Rio Verde e Sorriso, no Mato Grosso. A FS tem o compromisso de redução das emissões de carbono e aumento de capacidade de geração de créditos de carbono, dentro do Programa RenovaBio, que será atendido através da implementação do primeiro projeto de BECCS brasileiro.
Assim como nas experiências norte-americanas, trata-se de capturar o carbono quase puro da fermentação do milho e injetá-lo em formações rochosas sedimentares profundas. Os estudos de viabilidade foram iniciados em 2020 e, em 2022, estão em curso os estudos geológicos e análises sísmicas. O objetivo é produzir o primeiro combustível do Brasil com pegada negativa de carbono. O casamento da tecnologia BECCS com o agronegócio alcooleiro (de cana ou de milho) tende a se revelar uma das estratégias mais baratas de descarbonização que o país pode desenvolver.
Paralelamente, um grupo de especialistas tem trabalhado com o Ministério de Minas e Energia para que o país tenha um primeiro marco legal para as atividades de CCS.
O Brasil está atrasado em vislumbrar o tamanho e a competitividade do seu potencial de BECCS associado ao setor alcooleiro. Nos Estados Unidos, empresas como o Summit Agricultural Group, sócio da brasileira FS, já se posicionam para explorar a cadeia produtiva do CO2, projetando uma rede de dutos de CO2 para transportar as emissões de CO2 de 31 usinas de etanol em cinco estados do Meio-
Oeste dos EUA até um sumidouro geológico em Dakota do Norte. A rede Midwest Carbon Express será o maior sistema de captura de carbono do mundo, sequestrando 12 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Tais experiências devem servir de inspiração para os setores alcooleiros e de exploração de bacias sedimentares onshore no Brasil. Trata-
se de estratégia factível, competitiva e com tecnologias comprovadas para que vários estados brasileiros acelerem seus processos de descarbonização. A Universidade de São Paulo, através do seu Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP) e Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, do inglês Research Center for Greenhouse Gas Innovation), mantém compromissos de longo prazo, apoiada por seus principais patrocinadores, FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e a SHELL Brasil, para o desenvolvimento de tecnologias de descarbonização que estejam ao alcance da sociedade brasileira ao longo das próximas décadas. Soluções de NBS e BECCS, junto com o setor alcooleiro brasileiro, despontam como aquelas mais imediatas e competitivas.
Fonte: Ketchum
Júlio Romano Meneghini Edmilson Moutinho dos Santos |