Resolução Sobre Lançamento De Efluentes Encontra Entraves Mas Precisa Ser Cumprida
Por Dayane Cristina Da Cunha Fernandes
Edição Nº 29 - fevereiro/março de 2016 - Ano 5
Recentemente, o Brasil presenciou um dos maiores desastres ambientais da história. No dia 5 de novembro, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP
Recentemente, o Brasil presenciou um dos maiores desastres ambientais da história. No dia 5 de novembro, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que destruiu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na região central de Minas Gerais e avançou pelo litoral do Espírito Santo e Bahia.
Os problemas na mineradora não nasceram da noite para o dia. Segundo reportagem feita pelo jornal O Estado de São Paulo, a mineradora já havia recebido ao menos seis multas sobre as condições pelas quais operava na barragem, em Mariana, sendo a primeira delas, o lançamento de efluentes em rios da região.
Embora tenha conseguido vitória na Justiça, não pagando as multas, no mercado de ações, a mineradora tem contabilizado perdas. Conforme apurado, somente nos seis primeiros pregões deste ano, ações da empresa tiveram queda de 27%.
Ao contrário do que aconteceu com a mineradora, é crescente o número de empresas que tem se preocupado com o destino de seus rejeitos e efluentes, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Akatu, em 2012.
Mas preocupar-se somente não é o bastante. E quando se fala em efluentes, o assunto é extenso e requer muita informação. O Brasil já possui leis específicas sobre o assunto, construídas ao longo de décadas, e com participação de diversos setores da sociedade.
A lei que atualmente rege o lançamento de efluentes no Brasil é a resolução nº 430/2011 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que alterou e complementou a resolução nº 357/2011, elaborada pelo mesmo órgão. A resolução define a classificação das águas doces, salobras e salinas em função dos usos preponderantes atuais e futuros, e é nela que o empresário deve se sustentar para lançar de maneira correta os efluentes de sua empresa, o chamado enquadramento.
Segundo a resolução, o enquadramento é um instrumento de planejamento para garantir a qualidade de um segmento do corpo d’água correspondente à classe de uso em que este foi enquadrado. Pode, portanto, ser considerado como um pacto social se a definição dos anseios da comunidade, muitas vezes conflitantes, for expressa em metas de qualidade de água.
Até a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, o enquadramento dos corpos hídricos de uma bacia era estabelecido pelos órgãos públicos, com pequena, e muitas vezes, ausente, participação da sociedade. Hoje, com o advento da Lei no 9.433, de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, o processo de enquadramento é participativo, considerando a resolução, que divide em 13 classes de qualidade as águas doces, salobras e salinas do Território Nacional.
Classificação
A resolução possui classificação para três tipos de água: as doces, salobras e salinas. Cada tipo possui certa quantidade de classes, dependendo do uso para o qual ela é destinada. Para a classificação das águas, são considerados como Princípios dos Padrões de Qualidade: proteção à vida humana e à vida aquática, ausência de efeito tóxico nas classes 1, 2 e 3, limites para substâncias mutagênicas, limite para cobre, ferro e manganês, fósforo, nitrogênio, densidade de cianobactérias (algas azuis) e limites específicos para locais com pesca e aquicultura.
As águas doces são classificadas em classe especial, 1, 2 3 e 4, sendo que para ser classificada, é levada em consideração a sua qualidade. Assim, a especial é a de melhor qualidade, e a classe 4, a de pior.
A primeira delas, a classe especial, é destinada ao abastecimento para consumo humano, com desinfecção, à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas e à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. A classe 1, deve ser destinada ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado, à proteção das comunidades aquáticas, e à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho. Também deve ser utilizadas para irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película, e por último, à proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas. Já a classe 2, pode ser destinada ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional, à proteção das comunidades aquáticas, à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto e à aquicultura e à atividade de pesca. A classe 3, ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado e também à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras, à pesca amadora, à recreação de contato secundário e à dessedentação de animais. Por último, as águas classe 4, podem ser destinadas à navegação, e à harmonia paisagística, somente, dada a sua pouca qualidade.
As águas salinas, segundo a resolução, são classificadas em quatro: especial, 1, 2 e 3.
A primeira delas, a classe especial, é destinada à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral e à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. A classe 1, podem ser destinadas à recreação de contato primário, à proteção das comunidades aquáticas e à aquicultura e à atividade de pesca. A classe 2, para a pesca amadora e à recreação de contato secundário. Por fim, a classe 3, à navegação e à harmonia paisagística.
O último grupo, a de águas salobras, também é classificado em classe especial 1, 2 e 3.
A primeira classificação, classe especial, é destinada à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral e à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. A classe 1, à recreação de contato primário, à proteção das comunidades aquáticas, à aquicultura e à atividade de pesca, ao abastecimento para consumo humano após tratamento convencional ou avançado e à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película, e à irrigação de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto. A classe 2, somente à pesca amadora e à recreação de contato secundário, e a classe 3, à navegação e à harmonia paisagística.
No entanto, a resolução deixa claro que o conjunto de parâmetros de qualidade de água que servem para subsidiar a proposta de enquadramento deve ser analisado pelo Poder Público periodicamente. Os resultados do monitoramento deverão ser analisados estatisticamente e as incertezas de medição consideradas. Caso existam possíveis interações entre as substâncias e a presença de contaminantes não listados na publicação, o local deverá ser investigado utilizando-se ensaios ecotoxicológicos, toxicológicos, ou outros métodos cientificamente reconhecidos.
Segundo a resolução, o enquadramento dos corpos de água deve ser baseado nas normas e procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos-CNRH e Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Na dúvida sobre o enquadramento, por causa do uso da água, a resolução prevê que ele seja feito baseando-se no uso preponderante mais restritivo da água, atuais ou pretendidos. Ou seja, caso a bacia ou rio seja utilizado para irrigação, mas também para abastecimento, o uso norteador será o abastecimento. Aliás, a lei ressalta que, se os corpos de água forem utilizados por populações para seu abastecimento, o enquadramento e o licenciamento ambiental de atividades a montante preservarão, obrigatoriamente, as condições de consumo, independente de sua classe.
Segundo a lei, caso a condição de qualidade dos corpos de água esteja em desacordo com os usos preponderantes pretendidos, deverão ser estabelecidas metas obrigatórias, intermediárias e finais para efetivação dos respectivos enquadramentos, salvo os casos que excedam aos limites devido às condições naturais.
A resolução também determina que as ações de gestão referentes ao uso dos recursos hídricos, tais como a outorga e cobrança pelo uso da água, ou referentes à gestão ambiental, como o licenciamento, termos de ajustamento de conduta e o controle da poluição, deverão se basear nas metas progressivas intermediárias e final, aprovadas pelo órgão competente para a respectiva bacia hidrográfica ou corpo hídrico específico.
Estas metas deverão ser atingidas em regime de vazão de referência, excetuados os casos de baías de águas salinas ou salobras, ou outros corpos hídricos onde não seja aplicável a vazão de referência, para os quais deverão ser elaborados estudos específicos sobre a dispersão e assimilação de poluentes no meio hídrico. Em corpos de água intermitentes ou com regime de vazão que apresente diferença sazonal significativa, as metas progressivas obrigatórias poderão variar ao longo do ano. Esta vazão corresponde ao volume do corpo hídrico utilizada como base para o processo de gestão, tendo em vista o uso múltiplo das águas e a necessária articulação das instâncias do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hidricos (Singh). A despesa pelo estudo ficará à cargo da empresa.
Já para corpos de água salobras continentais, onde a salinidade não se dê por influência direta marinha, os valores dos grupos químicos de nitrogênio e fósforo serão os estabelecidos nas classes correspondentes de água doce. A análise e avaliação dos valores dos parâmetros de qualidade de água de que trata a resolução serão realizadas pelo Poder Público, que poderá utilizar laboratório próprio, conveniado ou contratado.
A lei permite que o Poder Público acrescente outras condições e padrões de qualidade para um determinado corpo de água, ou o torne mais restritivo, tendo em vista as condições locais, mediante fundamentação técnica. Também poderá estabelecer restrições e medidas adicionais, de caráter excepcional e temporário, quando a vazão do corpo de água estiver abaixo da vazão de referência. Nas águas de classe especial deverão ser mantidas as condições naturais do corpo de água.
É importante ressaltar que, caso a empresa precise lançar seus efluentes em corpos de água que servem de abastecimento para consumo humano, deverá observar as normas específicas sobre qualidade da água e padrões de potabilidade, cujos métodos de coleta e de análises de águas são especificados em normas técnicas cientificamente reconhecidas. Enquanto não aprovados os respectivos enquadramentos, as águas doces serão consideradas classe 2, as salinas e salobras classe 1, exceto se as condições de qualidade atuais forem melhores, o que determinará a aplicação da classe mais rigorosa correspondente.
A empresa que não cumprir a lei poderá sofrer as sanções previstas, que vai desde multa, até prisão. Ficará aos órgãos ambientais e gestores de recursos hídricos, no âmbito de suas respectivas competências, fiscalizar o cumprimento da resolução, bem como quando pertinente, a aplicação das penalidades administrativas previstas nas legislações específicas, sem prejuízo do sancionamento penal e da responsabilidade civil objetiva do poluidor.
Uma lei mais específica
Embora tenha representado importante avanço em termos técnicos e institucionais para a gestão da qualidade das águas, a resolução nº 357, de 2005, precisou ser alterada e complementada com a resolução 430/2011. Esta última foi elaborada para detalhar e atualizar os parâmetros de lançamento de efluentes para substâncias inorgânicas e orgânicas, conforme previsto na legislação, tendo como premissa o acompanhamento das condições estabelecidas pela evolução tecnológica ocorrida nos tratamentos. O destaque da lei foi para o setor de saneamento, compatibilizando a política de saneamento do governo e as tecnologias utilizadas no país para esse fim com as diretrizes da legislação ambiental vigente.
A resolução definiu requisitos para declaração de carga poluidora de modo a não comprometer as metas estabelecidas no enquadramento do curso receptor, permitiu que as empresas tenham prazo determinado para se adequarem à norma, autorizando o lançamento em condições e padrões em desacordo com a Resolução, desde que tenham fundamentação técnica, incluiu novos parâmetros de controle para benzeno, tolueno, etilbenzeno, xileno, estireno e modificou os limites de lançamentos de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), além de excluir o parâmetro Boro de lançamentos em águas salinas.
Também definiu e detalhou critérios de ecotoxicidade para efluentes a partir de resultados de ensaios ecotoxicológicos, utilizando organismos aquáticos de pelo menos dois níveis tróficos diferentes. Definiu condições para lançamento de efluentes em emissários submarinos.
Estabeleceu condições e padrões específicos para o lançamento de Efluentes de Sistemas de Tratamento de Esgotos Sanitários em corpos receptores e emissários submarinos, e ainda a necessidade de teste de ecotoxicidade para esses efluentes, somente quando esses tiverem interferência de efluentes industriais e com o objetivo de subsidiar ações de gestão sobre o sistema de esgotos. Além disso, estabeleceu regras para tratamento de lixiviados de aterros sanitários e efluentes oriundos dos serviços de saúde.
A resolução foi exigente quanto à realização das coletas de amostras e ensaios laboratoriais de efluentes.
Entraves ao enquadramento
Mesmo com diversas leis, federais e também estaduais, as empresas encontram dificuldade para se adequarem à lei, justamente, porque em muitos corpos d’água faltam o enquadramento. Segundo o documento "Panorama do Enquadramento dos Corpos de Água no Brasil", lançado pela Agência Nacional das Águas, em 2007, apesar do instrumento de enquadramento de corpos de água existir no Brasil desde 1976 na esfera federal, sua implementação ainda é pequena, tanto nos corpos d’água federais como nos estaduais. E dentre as bacias já enquadradas, várias necessitam de atualização, pois foram enquadradas segundo sistemas de classificação substituídos pela legislação mais recente.
Segundo o documento, um dos pontos que dificulta sua implementação, é que o enquadramento dos corpos de água é de caráter local, ou seja, deve ser tomada no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singrh), pois ele precisa representar a expectativa da comunidade sobre a qualidade da água e, além disso, definir o nível de investimento necessário para que o objetivo de qualidade da água seja cumprido. Para se ter uma ideia da dificuldade, com relação aos corpos d’água de domínio estadual, atualmente apenas 10 das 27 Unidades da Federação (Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) possuem instrumentos legais que enquadram total ou parcialmente seus corpos d’água.
Desconhecimento do instrumento, dificuldades metodológicas para sua aplicação e a prioridade de aplicação de outros instrumentos de gestão, em detrimento dos instrumentos de planejamento são os principais entraves para que a legislação seja cumprida.
Além disto, segundo o documento, existem vários órgãos que possuem atribuições relativas ao enquadramento dos corpos d’água. Em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem a atribuição de aprovar o enquadramento dos corpos d’água em consonância com as diretrizes do Conama, de acordo com a classificação estabelecida na legislação ambiental. Nos estados, os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos devem aprovar os enquadramentos dos rios estaduais. Compete à Agência Nacional das Águas e aos órgãos estaduais gestores dos recursos hídricos disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos das Políticas Nacional e Estadual, respectivamente, de Recursos Hídricos, além de elaborar estudos. A eles também cabe propor ao CNRH e aos CERHs os incentivos, até financeiros, para a conservação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos. No âmbito estadual existem ainda os órgãos ambientais, responsáveis pelas ações de licenciamento e fiscalização.
O documento alerta que ações de enquadramento dos corpos d’água podem tardar para se efetivar na maioria das bacias brasileiras, não apenas porque há questões mais pungentes de natureza institucional que drenam a discussão, mas principalmente porque sua dimensão mais importante é a de planejamento, atividade frequentemente relegada a um segundo plano pela necessidade imperiosa das intervenções emergenciais.
Segundo estudo realizado na década de 90 pela Secretaria de Recursos Hídricos, os principais problemas para realização dos enquadramentos, segundo os Estados, são: falta de capacidade técnica, metodologia e ações de gestão. Para a secretaria, uma série de medidas deveria ser tomada para sanar as dificuldades, entre elas, a criação de fundos e mecanismos de apoio técnico e financeiro às atividades de enquadramento, o apoio à formação de comitês, a criação de Agências de Bacia e a ampliação da rede de monitoramento de qualidade de água.
Como cumprir a lei?
Mesmo com as dificuldades, é necessário buscar o cumprimento da lei. E para isto, a empresa deve ficar atenta sobre qual norma seguir. Embora a lei nacional já esteja em vigor há quatro anos, cada estado tem seus próprios decretos. É o caso de São Paulo, por exemplo, que desde 1976, tem o decreto 8468/76, o qual dispõe os parâmetros para a liberação de efluentes tratados nos rios ou nas redes de esgoto, nos artigos 18 e 19. Dentro desses dispositivos legais, estão estabelecidos alguns limites, como o máximo de poluentes permitidos no efluente. Outro critério avaliado é o padrão de qualidade do corpo receptor. Em outras palavras, se a qualidade da água do rio não vai ser modificada devido ao descarte dos poluentes. Especialistas recomendam que, na dúvida sobre qual norma seguir, federal ou estadual, deve-se levar em conta a que seja mais restrita.
Para as empresas atenderem a legislação, ajuda especializada poderá ser necessária, pois é preciso conhecer o processo de geração e a composição dos efluentes. Depois de todas as características serem analisadas, precisará buscar as alternativas de tratamento, para aí sim, lançar seus efluentes.
Casos como o da Samarco podem abrir precedentes para que o Poder Público avance na construção sobre os enquadramentos nos corpos de água do país. E mais que nunca, o empresário precisará ficar atento ao assunto.