Vermifiltração para o tratamento de esgoto
Por Carla Legner
Edição Nº 72 - Abril/Maio de 2023 - Ano 12
Toda a água usada no dia a dia para lavar as mãos, a louça, roupas, tomar banho, para descarga do vaso sanitário e várias outras atividades é eliminada e chamada de esgoto. Esse, por sua vez, deve ser tratado antes de retornar à natureza
Toda a água usada no dia a dia para lavar as mãos, a louça, roupas, tomar banho, para descarga do vaso sanitário e várias outras atividades é eliminada e chamada de esgoto. Esse, por sua vez, deve ser tratado antes de retornar à natureza. Atualmente existem diversos processos que realizam esse tratamento, um deles é a vermifiltração.
Trata-se de uma tecnologia baseada no processo de vermicompostagem, em outras palavras, essa ferramente utiliza minhocas e microrganismos que atuam na depuração da matéria orgânica contida no efluente e que propiciam uma água tratada apta a ser lançada no ambiente.
Serve para remover poluentes de águas residuais, tornando-as mais seguras. A técnica se destaca por ser a única no mundo a não gerar resíduo contaminante em seu processo de tratamento. O vermifiltro gera adubo (húmus) invés de lodo contaminante, fazendo com que seja um tratamento de baixo custo e ambientalmente amigável.
Esse processo funciona principalmente para o tratamento de resíduos orgânicos, como restos de alimentos, resíduos de jardim e esterco de animais. O objetivo é converte-los em um fertilizante rico em nutrientes, conhecido como vermicomposto. É especialmente útil em locais com limitações de espaço ou onde o descarte de resíduos orgânicos é um problema.
“A vermifiltração é um método relativamente simples e eficiente, que pode ser aplicada em residências, escolas, parques e outras áreas urbanas. Ela ajuda a reduzir a carga de esgoto que é lançada nos rios e lagos, além de produzir um adubo de excelente qualidade” – destaca Joseane Pontes Ferreira, representante da Gmar Ambiental.
No entanto, é importante citar que sua ação não é indicada para todos os tipos de efluentes. Ela é mais adequada para o tratamento de resíduos orgânicos de baixa ou média carga poluente. Para efluentes com maior carga poluente, como esgoto doméstico ou industrial, são necessários outros processos de tratamento, como a lagoa de estabilização, o sistema de tratamento anaeróbio ou o sistema de tratamento biológico aeróbio.
As minhocas vivem em camas de material natural, como palha, serragem ou folhas secas. Para construir um sistema é necessário ter espaço suficiente para acomodar essas camas, uma caixa de distribuição para o esgoto e uma caixa de coleta para o húmus produzido. É importante garantir que o sistema seja bem ventilado e que a umidade seja controlada, para que as minhocas possam viver e trabalhar adequadamente.
André Luis Rinoldi, gerente executivo da Eisenia Tecnologia e Meio Ambiente, conta que é uma solução baseada na natureza, que existe no Chile e em diversos países há mais de 20 anos. “Ao contrário do que muitos acreditam, não tem limitações de capacidade, podendo atender uma única casa ou até mesmo grandes cidades. Havendo espaço para instalação, cerca de 0,3m² por habitante, pode ser construído para qualquer capacidade de vazão” – enfatiza.
Como funciona
De maneira geral, o sistema é composto por uma série de camadas que permitem que as minhocas vivam e se reproduzam, enquanto filtram os resíduos orgânicos e transformamnos em nutrientes que podem ser usados em jardins e hortas. Joseane explica que as camadas do sistema de vermifiltração geralmente incluem uma camada de detritos grossos, como pedras ou cascalho, para permitir a circulação da água e evitar que o sistema se obstrua.
Em seguida, uma camada de materiais mais finos, como areia ou terra, serve como um meio para as minhocas. Finalmente, uma camada de matéria orgânica, como restos de alimentos ou folhas, é adicionada para fornecer alimento para esses animais. Ao passar através do sistema de vermifiltração, a água é purificada
No processo de tratamento de esgoto, primeiro o efluente é passado por uma série de peneiras para remover os detritos sólidos maiores. Em seguida, o esgoto é encaminhado para um tanque de sedimentação, onde os sólidos mais finos se depositam no fundo. A fração sólida fica retida fisicamente na camada filtrante superficial e é digerida pelas minhocas.
De acordo com Rinoldi, a fração solúvel do esgoto é degradada por microrganismos que estão espalhados por todo o vermifiltro. Com os poluentes retidos e degenerados, a parte líquida tratada escoa para o fundo do filtro e é direcionada para a unidade de desinfecção, para que o residual de bactérias seja eliminado.
“O equipamento opera com um fluxo vertical descendente por gravidade, isto é, o esgoto entra pelo topo e sai pelo fundo do filtro. Portanto, seu funcionamento é simples: o tratamento ocorre ao longo do percurso em seu interior. Conforme o esgoto passa pelas suas camadas internas, as minhocas e comunidades de microrganismos que habitam o interior do vermifiltro consomem a matéria orgânica, o que resulta na saída de uma água mais clarificada” – explica Adriano Luiz Tonetti, professor e responsável pela Inova - Agência de Inovação da Unicamp.
A camada mais ao topo do filtro é formada basicamente por serragem, onde habitam as minhocas. Abaixo desta, há algumas camadas de materiais inertes (que não se decompõem e que não alteram sua composição ao longo do tempo ou em contato com a água), cuja função é permitir a passagem do líquido e servir de suporte para a fixação e desenvolvimento de colônias de microrganismos, chamadas de biofilme.
O esgoto é aplicado no topo do vermifiltro aos poucos, sem que haja o afogamento do meio, mantendo a aeração natural nos espaços entre as lascas de serragem e do material suporte das camadas inferiores. Assim, ao passar por esses locais, a matéria orgânica do esgoto é consumida tanto pelas minhocas quanto pelos microrganismos.
Segundo Tonetti, a eficiência de remoção de matéria orgânica em um vermifiltro pode ser aprimorada de acordo com o regime de aplicação de esgoto. Com a utilização de aspersão é possível obter em torno de 90% de remoção desse material.
“A automatização da aplicação de esgoto exige que se tenha um reservatório de acúmulo, como um tanque séptico (também conhecido como fossa séptica). Sem a aspersão automatizada, o esgoto pode ser aplicado diretamente no vermifiltro, contudo, é necessário pelo menos uma unidade complementar de tratamento” – enfatiza. Ao final do processo, a água é purificada e pode ser utilizada para irrigação ou outros fins, enquanto os nutrientes produzidos pelas minhocas podem ser usados como fertilizante natural.
É importante ressaltar que esse sistema não utiliza espécies de minhocas ou bactérias não existentes no Brasil, sendo assim não há risco de desequilíbrio na fauna e flora. Também não há necessidade de reposição de microrganismos de tempos em tempos, assim como é feito em alguns outros processos biológicos.
“Estamos falando de um filtro altamente eficiente, pois conta com a engenharia da natureza para funcionar. O sistema pode entregar uma água de excelente qualidade que pode ser reutilizada. Atende todas as normas ambientais nacionais e internacionais para disposição na natureza ou reúso” – ressalta Rinoldi.
Eficiência e principais benefícios
A vermiltração é um processo altamente eficiente para transformar resíduos orgânicos em um fertilizante rico em nutrientes, mas segundo Josiane, o desempenho do processo depende de vários fatores, incluindo a espécie de minhoca usada, a qualidade dos resíduos orgânicos e as condições ambientais, como temperatura, umidade e pH.
Quando todos esses fatores são controlados adequadamente, as minhocas podem processar resíduos orgânicos rapidamente e transformá-los em vermicomposto em apenas algumas semanas. É um processo autossuficiente e não requer nenhum processo complementar para transformar resíduos orgânicos em vermicomposto.
“No entanto, para garantir a eficiência do processo, é importante fornecer às minhocas uma dieta equilibrada de resíduos orgânicos, manter as condições ambientais ideais e monitorar o processo regularmente para garantir que tudo esteja funcionando corretamente” – afirma a representante da Gmar Ambiental.
Além disso, pode ser complementar a outros métodos de compostagem, como a compostagem aeróbica, que é usada para compostar resíduos orgânicos de jardim e outros materiais orgânicos de baixa umidade. A combinação desses dois métodos pode ajudar a maximizar a eficiência da compostagem e produzir um fertilizante ainda mais rico em nutrientes.
Diante disso, a vermifiltração apresenta diversas vantagens em relação a outros métodos de tratamento de resíduos orgânicos. A primeira delas é a produção de fertilizante de alta qualidade, rico em nutrientes, que é ideal para uso em jardins, hortas e cultivos. Sem falar que é uma técnica altamente eficiente na remoção de impurezas, compostos orgânicos, nutrientes e bactérias.
Depois, podemos mencionar a redução da quantidade de resíduos, ajudando a diminuir o número de material enviado para aterros sanitários e, consequentemente, reduzindo a poluição do solo e do ar.
O menor custo de instalação e manutenção também merece destaque. Como já mencionado, a vermifiltração é uma tecnologia relativamente simples e barata, que pode ser implementada em diferentes escalas, desde pequenos sistemas domésticos até grandes sistemas comerciais. Além de apresentar um custo de energia elétrica extremamente baixo.
Em um mundo que pensa cada mais preocupado com o meio ambiente, esse sistema também traz benefícios ambientais, isso porque é uma solução 100% sustentável que não utiliza produtos químicos e não gera resíduos contaminados. Além disso, gera um abono orgânico muito valioso para o solo.
Nesse mesmo viés, ocupa menos área e emite até 99% menos gases de efeito estufa, quando se compara a sistemas convencionais de lagoas de tratamento que são amplamente utilizadas no país. Não gera odores desagradáveis e não incomoda a vizinhança nem degrada o entorno melhora das condições do solo, além de ser uma ferramenta educativa para ensinar sobre a importância do tratamento de resíduos orgânicos e a importância da preservação do meio ambiente.
“Em resumo, a vermifiltração é uma tecnologia eficiente, de baixo custo e com diversas vantagens ambientais e socioeconômicas, tornando-se uma alternativa cada vez mais popular para o tratamento de resíduos orgânicos. Os benefícios se relacionam com a facilidade de instalação e operação do filtro e baixo custo dos materiais. O efluente tratado pode ainda ser utilizado como água de reúso para irrigação ou outros fins não potáveis” – complementa Josiane.
Potencial de mercado
Segundo Rinoldi, o Brasil ainda possuí 50% da população sem tratamento de esgotos e o vermifiltro tem condições de atender boa parte dessas pessoas, principalmente onde é mais difícil de sistemas convencionais serem instalados devido à complexidade operacional e altos custos de construção de emissários de esgoto.
Além disso, o país é uma potência agroindustrial, tornando as oportunidades nesse mercado extremante grande. “Em resumo é um sistema 3E: Econômico, Eficiente e Ecológico. Está em linha com alguns do ODS da agenda 2030 da ONU e principalmente com práticas ESG. Algumas empresas têm nos procurado para instalar essa solução para tratamentos de esgotos sanitários dos funcionários e fazendo o reúso do efluente” – destaca o gerente da Eisenia.
O maior mercado ainda é o de concessões de saneamento, pois é a solução ideal para pequenos munícipios, área rurais e zonas remotas, hoje não atendidas. Com a inclusão da vermefiltração na revisão da norma ABNT NBR 12209, prevista para este ano de 2023, a aceitação do setor em geral por esse tipo de solução deve crescer muito. Hoje em dia persiste o tabu de que essa solução enfrentaria obstáculos no processo de licenciamento ambiental, o que não é verdade.
Cabe pontuar que o vermifiltro possui grande potencial de uso em localidades desprovidas de sistemas de esgotamento sanitário, como novos empreendimentos; condomínios ou conjuntos habitacionais afastados da rede municipal de coleta de esgoto; zonas rurais; distritos urbanos desprovidos de um sistema de coleta de esgotos sanitários; bairros urbanos de cidades muito planas.
Tudo isso porque pequenas estações descentralizadas de vermifiltração podem ser mais atraentes frente à interligação de uma extensa rede de coleta que exige o uso de muitas estações elevatórias e, consequentemente, em excessivo investimento de recursos financeiros.
Em resumo, para o mercado brasileiro, a vermifiltração possui elevado potencial, contudo a sua adoção ainda é incipiente, devido principalmente ao relativo desconhecimento dessa alternativa, bem como às barreiras de mercado estabelecidas por tecnologias já consolidadas.
“Apesar de ainda pouco explorada, devido à sua simplicidade de montagem, instalação e operação, é uma alternativa adequada para um amplo espectro de demandas, podendo atender desde áreas localizadas em grandes centros urbanos, como também zonas rurais, comunidades, ou até mesmo em conjuntos habitacionais diversos” – lembra Tonetti.
Para Joseane trata-se de uma técnica que vem se tornando cada vez mais popular em todo o mundo devido à sua eficácia e sustentabilidade. Embora o mercado de vermifiltração ainda seja relativamente pequeno em comparação com outros segmentos do setor ambiental, ele vem crescendo rapidamente nos últimos anos. Isso se deve, em grande parte, ao aumento do interesse da população em soluções sustentáveis para o tratamento de resíduos.
“Existem diversas empresas que atuam no segmento, desde pequenos negócios locais até grandes empresas internacionais. Além disso, muitas prefeituras e governos têm investido em programas de vermifiltração como forma de tratar os resíduos gerados pela população de forma mais eficiente e sustentável” – afirma.
Ainda segundo ela, em termos de demanda, o mercado de vermifiltração tem sido impulsionado pela crescente preocupação da população com a sustentabilidade e pelo aumento das regulamentações ambientais em muitos países. Além disso, o processo também tem sido visto como uma oportunidade de negócio para produtores rurais e agricultores que desejam utilizar o composto orgânico produzido pelas minhocas como fertilizante para suas lavouras.
Contato das empresas
Gmar Ambiental: www.gmarambiental.com.br
Eisenia: www.eisenia.com.br
Inova - Agência de Inovação da Unicamp: www.inova.unicamp.br