Água da chuva: Onde, como e porque utilizá-la
Por Carla Legner
Edição Nº 72 - Abril/Maio de 2023 - Ano 12
Os eventos climáticos mais recentes demonstram que o clima está influenciando de forma importante sobre a disponibilidade hídrica no planeta, seja por grandes volumes de chuvas concentradas em um único local, seja pela falta em regiões antes com chuvas
Os eventos climáticos mais recentes demonstram que o clima está influenciando de forma importante sobre a disponibilidade hídrica no planeta, seja por grandes volumes de chuvas concentradas em um único local, seja pela falta em regiões antes com chuvas abundantes. Nesse sentido, realizar o aproveitamento dessas águas poderá ajudar, tanto na mitigação das inundações, quanto nas reservas em momentos escassez.
Na medida que esse recurso é reaproveitado deixamos de captar dos mananciais superficiais e profundos, contribuindo para uma quantidade menor de água escoando durante chuvas mais fortes, reduzindo os volumes que acabam causando enchentes, promovendo, assim, a sustentabilidade ambiental e econômica, preservando os recursos naturais e minimizando os impactos ambientais causados pelo consumo excessivo da sua versão potável.
Para trabalhar melhor essa ideia, temos que entender as características desse recurso. A água da chuva é composta principalmente por hidrogênio e oxigênio, mas pode conter outros elementos e compostos, dependendo do local em que é coletada. Possui em sua composição química sais minerais, como cálcio, fosforo, enxofre, potássio e muita poluição atmosférica, de acordo com a região onde ocorre a precipitação.
Geralmente o seu pH varia de 5,6 a 7,0, o que significa que é ligeiramente ácido. Já a temperatura, normalmente é a mesma do calor ambiente, com possíveis variações dependendo das condições climáticas. A água da chuva é na maioria das vezes incolor e transparente, mas pode conter impurezas, como partículas de poeira ou material em suspensão, de acordo com qualidade do ar.
José Franco, especialista da Franco Ambiental, explica que se trata de um liquido é in natura, mas mesmo assim não é considerado adequado para o consumo humano. No Brasil, para ser caracterizada como água potável deve atender aos parâmetros da portaria do Ministério da Saúde que legisla sobre o tema.
Algumas questões e características impedem essa potabilidade. A primeira delas é a poluição, uma vez que o líquido pode ser contaminado por poluentes presentes no ar e no solo, como metais pesados, compostos orgânicos, bactérias, vírus, entre outros. Depois, a água da chuva pode conter microrganismos, como bactérias e vírus, prejudiciais à saúde humana.
Além disso, por não ter nenhum tipo de tratamento, esse fluido pode conter impurezas e microrganismos prejudiciais. E não podemos esquecer a falta de esterilidade, já que pode estar exposta a fontes de poluição, como lixo e esgoto, antes de chegar ao solo.
“A água pluvial ou água de chuva é uma das mais puras fontes desse recurso tão importante. A precipitação, na sua origem, contém muito poucas impurezas, porém, ao atingir a superfície terrestre, há inúmeras oportunidades para que minerais, bactérias, substâncias orgânicas e outras formas de contaminação atinjam a água” – complementa a engenheira Sibylle Muller, CEO do Grupo AcquaBrasilis.
A poeira e a fuligem se acumulam em telhados, contaminando as águas. Matéria orgânica, proveniente de resíduos vegetais e animais, também trazem poluentes para as águas da chuva. Além disso, o uso altamente difundido de pesticidas, fertilizantes, inseticidas e produtos químicos de origem médica ou industrial também têm reduzido sua qualidade.
Vale ressaltar que consumir esse líquido da forma natural traz diversos riscos, como contaminação química e a contaminação biológica. No primeiro caso, a água da chuva pode conter substâncias químicas tóxicas, como metais pesados e poluentes atmosféricos, prejudiciais à saúde humana. Na biológica há a presença de bactérias, vírus e outros microrganismos que podem causar doenças, como cólera, diarreia e hepatite A.
Há ainda a poluição cruzada que engloba a contaminação por materiais tóxicos ou de origem animal presentes no ambiente ao redor da área onde ela é coletada, como fezes de animais e produtos químicos. Ademais, a água da chuva pode ter uma qualidade variável dependendo do clima, da poluição e do local de coleta. Neste sentido, é difícil controlar sua qualidade e garantir que ela seja segura para consumo humano.
“Os riscos são inerentes aos contaminantes que ela pode ter, desde bactérias e vírus advindos de matéria orgânica de fezes de animais ou de animais mortos até contaminações por pesticidas, em regiões próximas a áreas agrícolas. Pode causar desde infecções até problemas neurológicos” – ressalta Sibylle.
Em contrapartida, a água da chuva pode ser reaproveitada para uma variedade de processos não potáveis, ou seja, processos que não envolvem consumo humano ou animal, como na irrigação de plantas, descarga de vasos sanitários (reduzindo assim o consumo de água potável), limpeza de pisos e superfícies (pisos, calçadas, pátios etc), lavagem de carros e outros veículos, e em sistemas de refrigeração.
“Mesmo para esses fins, a água da chuva deve ser tratada adequadamente para remover impurezas e bactérias. Vale ressaltar que não deve ser usada em processos que envolvam contato humano direto ou em situações em que a qualidade da água é essencial, como em hospitais e clínicas” – enfatiza Kleber Strufaldi – engenheiro químico da Gmar Ambiental.
Principais tratamentos
De acordo com Pereira, representante da EcoCasa, todos os usos não potáveis domésticos e industriais, podem ser abastecidos com a água de chuva. Para se ter ideia, em uma residência até 80% do consumo pode ser substituído e em alguns casos industriais, até 100%. Nessas situações há sempre necessidade de tratamento, que pode incluir a filtragem, cloração ou outros processos para remover impurezas e garantir a segurança da água.
Filtração: A filtração é usada para remover partículas maiores da água, como folhas, galhos e detritos. Isso pode ser feito usando filtros de malha fina ou areia.
Filtração de carvão ativado: A filtração de carvão ativado é usada para remover impurezas orgânicas da água, como compostos orgânicos voláteis e produtos químicos. O carvão ativado adsorve essas substâncias, removendo-as da água.
Decantação: A decantação é usada para remover partículas menores da água, como sedimentos e argila. O líquido é deixado em repouso por um período de tempo para permitir que as partículas mais pesadas se depositem no fundo do tanque de armazenamento.
Cloração: A Cloração é realizada para garantir o controle microbiológico e a purificação da água por meio da adição de cloro. Sua ação destrói bactérias, vírus, fungos ou protozoários capazes de causar doenças.
Desinfecção: A desinfecção é usada para matar bactérias e outros microrganismos presentes na água. Isso pode ser feito com o uso de cloro, ozônio ou radiação ultravioleta.
Tratamento biológico: O tratamento biológico envolve o uso de bactérias benéficas para remover impurezas, como amônia e nitratos. O tratamento depende do uso pretendido da água. Para uso não potável, como irrigação de plantas e lavagem de carros, um tratamento simples pode ser suficiente.
No entanto, para usos mais exigentes, como em sistemas de refrigeração, tratamentos mais avançados podem ser necessários para garantir a qualidade da água. É importante consultar um profissional especializado para determinar o melhor método de tratamento para sua situação específica.
“O tratamento a ser dado à água de chuva para ser usada nesses processos depende da qualidade necessária para cada uso. Pode ser desde uma simples filtração e cloração até um tratamento mais sofisticado, com processos de filtragem por membranas” – afirma Sibylle.
É importante destacar que se houver a necessidade de consumo de água em locais onde a água potável não está disponível, deve-se considerar outras fontes de água seguras, como de poços profundos ou uma nascente, que devem ser tratadas adequadamente para torná-las potáveis.
Se, por algum motivo, a água de chuva for a única fonte disponível, o tratamento deve ser cuidadosamente planejado e executado por profissionais especializados, seguindo rigorosos padrões de qualidade e segurança. No entanto, é importante ressaltar que a mesma não é uma fonte confiável de água potável e seu uso para esse fim deve ser evitado sempre que possível.
Mercado e sustentabilidade
O mercado de reúso de água da chuva tem crescido nos últimos anos, impulsionado pelas crescentes preocupações com a escassez desse recurso e a sustentabilidade ambiental. O setor tem visto um aumento na demanda por sistemas de coleta, tratamento e armazenamento em edifícios comerciais e residenciais, bem como em áreas industriais e rurais.
Entre as principais tecnologias utilizadas estão os sistemas de captação de água de superfície, que incluem telhados verdes, sistemas de drenagem urbana e piscinas de infiltração. Também são utilizados sistemas de captação de água de subsuperfície, como poços artesianos e sistemas de recuperação de água subterrânea.
Outras tecnologias incluem sistemas de tratamento, como filtros de areia e sistemas de osmose reversa, e sistemas de armazenamento de água, como tanques de armazenamento e cisternas. Segundo Strufaldi, as novidades no setor trazem o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, como sistemas de tratamento biológico e de ozônio, que permitem a utilização de água de chuva em aplicações mais exigentes, como sistemas de ar condicionado e irrigação de jardins.
Também estão sendo desenvolvidos sistemas mais automatizados e inteligentes de monitoramento e controle de sistemas de reúso de água da chuva, que permitem um uso mais eficiente do fluido e uma melhor gestão dos recursos hídricos.
Além disso, o mercado tem visto um aumento na adoção de sistemas descentralizados de coleta e tratamento, que permitem uma maior independência dos sistemas de abastecimento público de água e uma maior autonomia dos usuários finais. Essas soluções descentralizadas são particularmente relevantes em regiões com sistemas precários ou em áreas rurais e remotas.
“É importante reaproveitar a água da chuva para reduzir o consumo de água potável e diminuir a carga sobre os recursos hídricos. A água da chuva é uma fonte de água natural e renovável, que pode ser coletada, passar por tratamento e usada para diversas finalidades, reduzindo a demanda por água tratada, que é um recurso limitado e cada vez mais escasso em muitas regiões do mundo” – destaca Strufaldi.
Sem falar que a coleta desse recurso pode ajudar a minimizar os riscos de enchentes e inundações, pois a água é captada antes que atinja os sistemas de drenagem urbana. Outro benefício da reutilização da água da chuva é que ela pode ajudar a reduzir os custos de abastecimento de água, tanto para consumidores residenciais quanto para empresas e governos. Em muitos casos, a instalação de sistemas de coleta e tratamento de água da chuva pode ser uma alternativa econômica e sustentável para atender às demandas de água não potável.
Desta forma, para Franco, todos os sistemas de reaproveitamento deveriam ser legalizados nas esferas municipais, estaduais e federais, visto que, com a legalização os novos projetos de construções industriais, condomínios, residências não serão mais aprovados e liberados caso não contemplem um sistema de reúso de água de chuva. “Precisamos de vontade política para implementação dessas melhorias, para tornar-se lei uso de água de chuva”- enfatiza.
Além disso, o aproveitamento de águas de chuva é item importante na certificação ambiental de edifícios, como o LEED e AQUA. “Entendemos que o tratamento da água de chuva é muito importante, bem como, a elaboração de projetos que sejam integrados a outras disciplinas pertinentes ao desenvolvimento de um empreendimento, como projetos hidráulico, arquitetônico, de irrigação, de paisagismo” – complementa Sibylle.
Contato das empresas
AcquaBrasilis: www.acquabrasilis.com.br
EcoCasa: www.ecocasa.com.br
Franco Ambiental: www.francoambiental.com.br
Gmar Ambiental: www.gmarambiental.com.br