Tamanhos Microscópicos, Eficácia De Gigantes
Por Suzana Sakai
Edição Nº 29 - fevereiro/março de 2016 - Ano 5
Microbiologia aumenta o desempenho dos sistemas de tratamento de efluentes e reduz gastos com aplicação de insumos
Apesar de toda a tecnologia da era moderna, os microrganismos ainda se apresentam como um instrumento essencial para o tratamento de efluentes. A utilização de organismos como bactérias e protozoários no saneamento básico e ambiental é uma prática comum e aplicada desde os primórdios do desenvolvimento de processos biológicos de tratamento de efluentes e, nos dias de hoje, ainda é considerada como um dos procedimentos mais eficazes. "A capacidade microbiana de catabolizar diferentes compostos orgânicos, naturais ou sintéticos, e inorgânicos, servindo-se destes como fonte nutricional e energética, possibilita o emprego desses microrganismos, como uma solução aos problemas gerados pelos rejeitos lançados no meio ambiente" explica a responsável pela gestão operacional da Acquasolution, Flávia Marques.
Em outras palavras, os microrganismos utilizam os poluentes presentes em um determinado efluente como fonte de energia (alimento) para manter suas funções vitais e se reproduzirem, convertendo tais compostos em substâncias como água, gás carbônico, nitrato, fosfato, etc. "Em suma, reatores biológicos, sejam eles aerados ou anaeróbios, consistem em uma imitação e otimização de processos de depuração que ocorrem no meio natural. Por exemplo, em um rio, a própria correnteza acaba agregando às águas o oxigênio que será utilizado pelas bactérias aeróbias ali presente para degradar eventuais concentrações de matéria orgânica disponíveis, sejam provenientes de animais ou material vegetal em decomposição", afirma o diretor técnico da Umwelt Biotecnologia Ambiental e autor do livro "Microbiologia dos lodos ativados", Dr. Jörg Henri Saar.
Por conta disso, é possível afirmar que um sistema de tratamento biológico é muito mais "ambientalmente correto" do que outros processos. O tratamento de efluentes pela ação de microrganismos se destaca ainda pelo resultado na estabilização dos compostos orgânicos poluentes, e pelo emprego de reatores com diferentes configurações, constituindo verdadeiros ecossistemas microbianos.
A investigação microscópica também traz informações importantes que se relacionam com o comportamento do processo de tratamento biológico. "Vale lembrar que são dois os objetivos do processo: reduzir a carga de poluição a níveis pré-determinados e aceitáveis, e produzir um efluente límpido e clarificado. Para estes dois objetivos os microrganismos desempenham um papel fundamental, e sua caracterização se torna um indicador importante no controle operacional do processo", afirma Flávia.
A microbiologia é utilizada como ferramenta de monitoramento e diagnóstico em estações de tratamento de efluentes nas modalidades Lodos Ativados, MBR, MBBR e Lagoas Aeradas. Essa análise microbiológica contribui na melhoria da eficiência do sistema, aumentando seu desempenho e reduzindo custo operacional com aplicação de insumos, frequência na análise físico-química ou até mesmo a eliminação de parâmetros de controle do processo de tratamento.
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Lodos ativados
O sistema de lodos ativados é a modalidade mais utilizada no tratamento biológico aeróbio de esgoto doméstico e industrial no Brasil e no mundo. O processo é uma das modalidades de tratamento de efluentes que utiliza a microbiologia e pode ser enquadrado como tratamento aeróbio, de crescimento em suspensão na massa líquida e com retenção de biomassa. "O princípio baseia-se na oxidação bioquímica dos compostos orgânicos e inorgânicos presentes nos efluentes, mediada por uma população microbiana diversificada e mantida em suspensão num meio aeróbio", comenta Flávia Marques.
No reator biológico de lodos ativados, há muito mais carga orgânica, é preciso injetar artificialmente um grande volume de oxigênio e trabalhar com maiores concentrações de biomassa. "O sistema de lodos ativados consiste em uma otimização dos processos de depuração ocorridos em um rio. Isto é, a depuração de poluentes ocorrerá em um meio aerado, onde as bactérias irão metabolizar os poluentes presentes utilizando o oxigênio como aceptor de elétrons da cadeia respiratória. Assim, os poluentes dissolvidos são convertidos em material em suspensão (sólidos/biomassa/lodo biológico) que posteriormente será separado da corrente líquida por unidades de decantação, flotação ou membranas de filtração. Parte do lodo concentrado retorna para o reator aerado, para que a depuração continue, e o excedente é descartado", explica Jörg.
A introdução de oxigênio nos tanques pode ser feita de diferentes formas, como por meio de aeradores superficiais, sistemas com difusores e, até mesmo oxigênio puro. "Os sólidos biológicos crescem na forma de flocos e são mantidos em suspensão pelo equipamento de aeração. A retenção de biomassa é feita por meio de recirculação do lodo separado nos decantadores secundários", diz a representante da Acquasolution.
O resultado da interação entre microrganismos e matéria orgânica nos tanques de aeração é a formação de flocos, polímeros extracelulares produzidos pelos microrganismos. Para a obtenção de um lodo de boa qualidade é necessário que as principais condições ambientais dentro dos reatores estejam controladas como pH próximo da neutralidade, nutrientes balanceados, sobretudo compostos de nitrogênio e fósforo, oxigênio dissolvido, temperatura e ausência de substâncias tóxicas ou inibidoras.
A regularidade da realização de exames microscópicos no lodo biológico do tanque de aeração pode contribuir para uma melhor compreensão sobre a estrutura do floco do lodo e da composição de sua biota. "A análise microbiológica do lodo biológico permite um diagnóstico rápido e preciso do momento operacional de um sistema, definindo as condições operacionais bem como as causas e efeitos das medidas de controle do processo corrigindo-as se necessário e permitindo obter o máximo de eficiência do sistema de tratamento", comenta Flávia.
A representante da Acquasolution explica que, caso os fatores ambientais externos estejam sob controle, é necessário planejar e manter adequadamente as condições de funcionamento do tanque, tais como a relação alimento/microrganismos e o tempo médio de residência celular. "Uma boa floculação é necessária para que se tenha recuperação de sólidos no decantador secundário e um efluente final com baixa concentração de sólidos em suspensão. A perda de sólidos em suspensão junto com o esgoto tratado é inevitável, o ajuste operacional do processo de lodos ativados consiste essencialmente em encontrar as condições ambientais que levem à melhor floculação possível, reduzindo-se a perda de sólidos com o efluente final e obtendo-se maior eficiência na remoção de matéria orgânica biodegradável", alerta Flávia.
No tratamento de efluentes, o lodo deve sofrer oxidação em grau tal que produza um floco de boa qualidade. "O lodo de boa qualidade é aquele cujo grau de oxidação é tal que apresenta um floco coeso, firme e de contornos arredondados; sedimenta bem, com velocidade moderada; produz um sobrenadante límpido e um lodo reciclado espesso", explica a representante da Acquasolution.
Nem sempre, entretanto, as condições convergem para o que se denomina de boa qualidade e, não raro, observam-se situações de sedimentabilidade precária que se traduzem em desequilíbrio do sistema: perda de sólidos e eficiência reduzida. "A microbiologia nos permite monitorar o processo de tratamento de efluentes por meio de análise dos flocos e filamentos, como também por identificação de protozoários e micrometazoários e assim correlacionar os demais parâmetros de monitoramento, indicadores de processo e fatos que ocorram na estação de tratamento de efluentes com a presença destes, estabelecendo uma relação causa e efeito", afirma Flávia Marques.
Análise microscópica dos tipos, abundância, condição e crescimento de organismos filamentosos oferecem ricas informações, e por meio desse processo é possível determinar, por exemplo, problemas de sedimentabilidade, balanço de nutrientes, alta carga orgânica, sulfetos, toxicidade, concentração de oxigênio dissolvido, pH, temperatura e outros parâmetros.
Os cuidados quem envolvem a análise vão desde a correta amostragem em um bom ponto de mistura ou quando há espuma excessiva coleta-se uma amostra para exame em separado, a frequência da análise é ditada pelas circunstâncias, diariamente em períodos críticos ou semanalmente para controle e monitoramento do processo. "A qualidade do microscópio e a habilidade do analista fazem toda diferença e são determinantes para o diagnóstico preciso", ressalta Flávia.
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Microrganismos
O lodo do processo de lodos ativados é constituído por flocos, que são formados por fragmentos orgânicos não digeridos, por uma fração inorgânica, por células mortas e, principalmente, uma grande variedade de bactérias, fungos, protozoários e micro metazoários.
Um verdadeiro ecossistema é formado no tanque de aeração de um sistema de lodos ativados, as bactérias são os principais decompositores de matéria orgânica dos esgotos por assumirem grandes massas em intervalos de tempo mais reduzidos do que os outros microrganismos.
"Quando as condições ambientais são adequadas, via de regra temos uma boa biofloculação, quando não, podem predominar excessivamente bactérias filamentosas e outras bactérias responsáveis pelo intumescimento filamentoso do lodo, que leva à sua flutuação nos decantadores ocasionando perda de sólidos e consequentemente baixa eficiência no processo", afirma Flávia.
Além das bactérias, os protozoários também representam importantes organismos em sistemas de lodos ativados, pois, além de consumirem matéria orgânica, consomem bactérias livres, dando polimento ao efluente tratado. "Aparecem mais rapidamente protozoários fixos e, sucessivamente os ciliados cuja presença indica boas condições do lodo biológico. De fato, a presença de protozoários é determinante para o bom andamento do processo, que evolui em direção ao aparecimento de micrometazoários como os rotíferos, cuja presença excessiva pode indicar lodo com idade demasiadamente elevada", diz Flávia.
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Vantagens e desvantagens
Mercadologicamente falando, a implantação do controle microbiológico no tratamento de efluentes é um processo vantajoso, pois requer baixo investimento em estrutura laboratorial e em recursos humanos, reduzindo significativamente o custo global do empreendimento com custo de implantação e no custo operacional. "Sistemas biológicos de tratamento, quando bem operados e estabilizados, exigem menos mão de obra e apresentam menores gastos de manutenção do que outros processos físico-químicos", alega o diretor técnico da Umwelt Biotecnologia Ambiental.
Entretanto, frequentemente os profissionais que operam sistemas de lodos ativados se defrontam com alguns problemas, que se tornam verdadeiros pesadelos como espuma excessiva no tanque de aeração que, por vezes, alcança a espessura de um metro, prejudicando a transferência de oxigênio e criando problemas estéticos, decantabilidade precária, pois o lodo não sedimenta e escoa pelo vertedor periférico do decantador secundário. Esse fato acaba prejudicando a qualidade do efluente final e, muitas vezes, não atendendo os parâmetros legais e baixa eficiência na remoção de DBO (demanda bioquímica de oxigênio), que pode estar associada aos sólidos em suspensão no efluente final ou a degradabilidade lenta de alguns efluentes industriais.
A análise microscópica do lodo biológico é uma ferramenta proativa para monitorar a saúde biológica dentro do sistema de lodos ativados, considerando que o verdadeiro "coração" do sistema é o desenvolvimento e manutenção de uma cultura microbiana mista que trata o efluente e que pode e deve ser gerido, por meio dela é possível prever eventos críticos e detectar quando mudanças operacionais precisam ser realizadas. "A análise microscópica de rotina nos sistemas de tratamento biológicos fornece informações que são indisponíveis através de outros meios, contribuindo na melhoria da eficiência do sistema aumentando seu desempenho e reduzindo custo operacional", afirma Flávia.
Contato das empresas:
Aquasolution: www.acquasolution.com
Umwelt: www.umweltambiental.com.br