Não generalize o uso da água! Para aplicações na Agropecuária, vai do tratamento simples até potável

A água pode ser tratada de diversas maneiras, por diferentes tecnologias, métodos e técnicas para atender a um objetivo de uso específico. Na área rural, o procedimento é o mesmo. Dependendo da necessidade que esta água for atender


Não generalize o uso da água! Para aplicações na Agropecuária, vai do tratamento simples até potável

A água pode ser tratada de diversas maneiras, por diferentes tecnologias, métodos e técnicas para atender a um objetivo de uso específico. Na área rural, o procedimento é o mesmo. Dependendo da necessidade que esta água for atender, pode receber tratamento mais simples ou passar por mais etapas. A água tratada pode servir para o perfil que a aplicação precisa, água potável, para irrigação, lavagens de calçadas etc. No Brasil, o problema da falta de saneamento rural também provoca uma reação em cadeia. A poluição e a contaminação das águas aumentam os custos de produção dos alimentos e a vulnerabilidade sanitária, entre outros. É preciso capacitação técnica de manejo da água para promover sistemas de produção animal viáveis.

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Fatores
Os processos de tratamento para a água dependem de dois fatores: 
• Tipo da fonte: poço subterrâneo, nascente, rio, lago, água da chuva etc;
• Tipo do uso: que será feito da água.
Diversos parâmetros compõem a qualidade de uma água, variáveis no tempo, que limitam seu uso. “As águas de fontes superficiais são mais suscetíveis às variações por estarem expostas aos eventos climáticos. Além disso, precisam de mais etapas de tratamento do que as fontes subterrâneas” – explica o PhD em Ciências Biológicas e oceanógrafo Alexandre Matthiensen, pesquisador do Núcleo Temático do Meio Ambiente da Embrapa Suínos e Aves, em Concórdia (SC).
Segundo ele, não se pode generalizar o uso da água. “Se a água é destinada ao consumo humano ou animal, deve receber tratamento específico para ficar com as características necessárias a esse uso. Se a água é para irrigação, os processos de tratamento podem ser outros. Se a água é para lavagem de baias ou calçadas, o tratamento é mais simplificado” – compara.
O percentual médio mundial de 70% da água utilizada na agricultura serve também para o Brasil. Entretanto, quando reduz-se o território geográfico, a afirmação nem sempre é verdadeira. Segundo dados da Secretaria do Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina (Semae), citados por Matthiensen, a Embrapa Suínos e Aves se localiza na Região Hidrográfica 3, que engloba uma mesorregião de grande produção. “Consequentemente, há grande concentração de produtores de proteína animal onde a irrigação é responsável por apenas 0,3% do uso da água. Nessa região, a água utilizada na produção animal e nas indústrias de grande porte, sendo agroindústrias de processamento de carne e derivados, responde por cerca de 65% do total do uso” – equipara.

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Consumo  
As demandas são específicas e diferenciadas para os usos de água nesta unidade da Embrapa, que possui granjas de suínos e de aves. Em todos esses sistemas, a qualidade da água é monitorada mensalmente. “O tratamento é realizado para atender ao nível de qualidade ao consumo humano e animal. Dispõe de coleta de água superficial que passa por ETA-padrão com filtração, decantação e desinfecção com cloração antes da distribuição. Conta também com coleta de água subterrânea, que passa apenas por desinfecção antes do armazenamento e distribuição” – discorre Matthiensen.
A Embrapa possui ainda pontos de coleta de água da chuva, voltada somente à lavagem de maquinário agrícola e veículos da Unidade. “A água da chuva passa por sistema de descarte das primeiras águas e por filtração rápida em tanques de brita antes do armazenamento” – menciona.
Em seus laboratórios de pesquisa, parte da água tratada é direcionada aos sistemas de membranas, destiladores e desmineralizadores. “O objetivo é obter qualidade superior, necessária aos experimentos e demais atividades laboratoriais” – diz Matthiensen.

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Sem tecnologias
A Unidade de Pesquisa da Embrapa de Concórdia não possui grandes automatizações e sistemas remotos em seus processos de tratamento de água. “Particularmente, a inclusão dessas tecnologias contribuiria muito pouco na produtividade da Unidade. O uso racional da água é sempre uma preocupação da Embrapa. A instalação de sistemas tecnológicos avançados e a incorporação de elementos filtrantes específicos, além do básico, poderia criar dependência desnecessária a uma ou outra empresa do ramo e gerar externalidades indesejáveis e contraproducentes. Possuímos um sistema de tratamento e uma rede interna de monitoramento que funcionam com o material humano que temos disponível” – enfatiza Alexandre Matthiensen.
Segundo ele, automação, sistemas online e IoT requerem rede elétrica confiável e sinal de Internet estável, o que não há na maioria da área rural brasileira. “Não vejo a possibilidade desses ‘avanços’ se fazerem presentes em curto ou médio prazo nem a longo prazo, caso políticas públicas direcionadas a esse fim não sejam iniciadas” – afirma o pesquisador.

Reúso, uma nova fonte 
As questões sobre reúso de água, hoje, são mais relativas à mudança na sociedade do que de inovação tecnológica, segundo ele. “A água de reúso pode ser usada em todas as aplicações. O importante não é a origem da água, mas, sim, sua qualidade após tratamento. Porém, há restrições implícitas do reúso devido à falta de legislação brasileira específica e clara para que seja feito, além do ‘pré-conceito’ existente com novo uso de uma água que já foi previamente utilizada em outro processo” – pontua Matthiensen. 
Santa Catarina não tem legislação estadual sobre reúso de água, o que gera insegurança nos potenciais usuários. “Conforme as legislações evoluam, avanços esses inevitáveis em decorrência da vulnerabilidade hídrica devido às alterações climáticas e ao crescimento da produção local e da população mundial, ficará mais visível a todos que os efluentes de uso prévio, desde que garantida a segurança sanitária, são, também, novas fontes de água que podem ser captadas, tratadas, armazenadas e reusadas para outra atividade” – aponta Alexandre Matthiensen. 

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Animais saudáveis
Para conservar a água em quantidade e qualidade na produção de alimentos, o setor brasileiro de produção animal deve estar “hidricamente preparado”, dois aspectos deste conceito2 incluem:
• Dispor de conhecimento e/ou capacitação técnica para manejo da água em sistema de produção animal em três dimensões: alimento, insumo e recurso natural;
• Considerar todos os aspectos produtivos, econômicos, hídricos e ambientais para promoção de sistemas de produção viáveis nas perspectivas ambiental, social e econômica.
O Manual de procedimentos técnicos e administrativos de outorga de direito de uso de recursos hídricos1, de 2013, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), aponta que para avaliar as demandas de água para dessedentação de animais é preciso verificar as características físicas dos sistemas de criação – se intensiva, extensiva, confinada etc. –, a quantidade de animais de cada espécie, a previsão de crescimento dos rebanhos e os consumos indicados na literatura específica. O consumo de água pelos rebanhos dependerá do número de matrizes, raça, estágios de crescimento dos animais, manejo, condições climáticas locais, tipo de alimentação etc.
A Figura 1 mostra os fatores que determinam o consumo da água para dessedentação de qualquer espécie animal, segundo Palhares (2014).

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A Tabela 1 exibe os valores de consumo de água de dessedentação para produção animal, conforme a ANA (2013).

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A diferença entre os valores mínimos e máximos é significativa:
• Chega a 130 L dia-1 por animal para bovinos nos diferentes níveis de produção de leite;
• Uma vaca ingere, em média, 40 L de água por dia;
• Enquanto uma vaca na lactação pode ingerir 150 L de água; 
• Com os suínos é semelhante, varia de 5 L a 35 L dia-1 por animal nas diversas categorias.
Fonte: Produção animal e recursos hídricos: tecnologias para manejo de resíduos e uso eficiente dos insumos2.

Análises 
As análises de qualidade da água devem ser realizadas periodicamente. A frequência mínima deve ser de uma análise para cada fonte de água por ano. “O tipo de fonte determinará frequências maiores, ou seja, quanto maior o risco que a fonte estiver exposta, maior a periodicidade de análise por ano” – afirma o doutor em Ciências Ambientais e zootecnista Julio Palhares, pesquisador em Avaliação de Impactos Ambientais e Manejo de Recursos Hídricos na Pecuária da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP).

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A qualidade da água é um fator-chave para:
• Ter bons índices zootécnicos; 
• Manter os animais saudáveis;
• Produzir produtos seguros. 
O Brasil possui duas Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que definem os padrões de qualidade da água que deve ser servida aos animais: 
• Resolução Conama 357, de 17/03/2005: classifica as águas doces e salobras e estabelece padrões Classe 3 para a dessedentação de animais; 
• Resolução Conama 396, de 03/04/2008: classifica as águas subterrâneas e, entre outros, estipula padrões de qualidade para a dessedentação de animais.
Ações para avaliar a qualidade da água devem ser sempre conduzidas levando em conta: 
• O histórico da fonte de água;
• O manejo dos solos no entorno da fonte; 
• Observações diárias do ambiente, dos sistemas de condução e reservação da água e dos hábitos dos animais.
Qualquer situação incomum relativa à água deve ser motivo para imediata análise de água:
• Alterações no odor, clareza e gosto; 
• Mudanças nos hábitos de alimentação e dessedentação dos animais; 
• Perda de desempenho ou de saúde.
Fonte: Julio Palhares, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP). 

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Interação
Segundo Julio Palhares, não existe fonte de risco nulo. “A água está sempre interagindo com diversos fatores ambientais e produtivos e pode ter sua qualidade alterada por qualquer atividade humana. A qualidade não é estática no tempo, altera de acordo com eventos ambientais, caso da chuva; ou humanos, como o despejo de efluentes. Por isso, a importância de sua qualidade ser frequentemente avaliada” – adverte.
Recomenda-se que, no mínimo, sejam analisados os seguintes parâmetros de qualidade da água: 
• pH, nitrato, sólidos totais dissolvidos, coliformes termotolerantes e Escherichia coli.
A água captada não tem, necessariamente, que passar por um tratamento. “Essa necessidade vai depender de uma análise de qualidade da água e qual o uso que se pretende dar para essa água: consumo humano ou animal, lavagem de equipamentos ou de piso, irrigação etc.” – diz Palhares.
Na fazenda leiteira, segundo ele, os usos que podem demandar algum tipo de tratamento da água captada são para consumo humano e de animais e lavagem de equipamentos e utensílios que têm contato com o leite. “Se a água captada não atender aos padrões de qualidade para estes usos, deverá ser tratada. A forma de tratamento mais comum é a cloração, recomendada somente quando há problemas de ordem microbiológica, como presença de coliformes e outros microrganismos” – explica.

Atualização
O uso racional da água é um desafio para o Brasil porque ainda existe uma cultura da água ser abundante e barata. “E o que é abundante e barato, não damos valor. A primeira coisa é mudar essa cultura na equipe” – orienta Palhares.
Com as mudanças climáticas, existem regiões em que a disponibilidade de água é cada vez menor e a tendência é se agravar. “Devem ser feitas atualização e capacitação técnica ambiental de todos os envolvidos na criação e  treinamentos para elevar os níveis de informação e conhecimento sobre a importância da água na cadeia produtiva do leite” – recomenda o pesquisador.

Dejetos
O reúso da água mais comum nas fazendas leiteiras é o dos dejetos como fertilizante – água de lavagem do piso com fezes, urina etc. “Como os dejetos contêm água e nutrientes, elementos fundamentais para qualquer cultura vegetal, este reúso é muito bem-vindo. Mas deve ser feito levando em conta o princípio do Balanço de Nutrientes, porque o uso em excesso dos dejetos como fertilizante resultará em impactos ambientais negativos” – comenta Palhares.
O que é ainda pouco explorado pela atividade leiteira é o reúso do efluente tratado. “O dejeto gerado na lavagem passa por um sistema de tratamento e, conforme sua qualidade, poderá ser reutilizado, por exemplo, numa nova lavagem do piso” – cita. 


Contatos
Embrapa Suínos e Aves
: www.embrapa.br/suinos-e-aves  
Embrapa Pecuária Sudeste: www.embrapa.br/pecuaria-sudeste

 

Referências bibliográficas:

1    AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO (ANA). Manual de procedimentos técnicos e administrativos de outorga de direito de uso de recursos hídricos 2013. Brasília, DF: ANA, 2013.

2    PALHARES, J. C. P.; VIANCELLI, A.; KUNZ, A.; SANCHES, A. C.; GAMEIRO, A. H.; BARADI, C. R. M.; AITA, C.; AMORIM, D. M.; MIOLA, E. C. C.; JESUS, F. L. F. de; MENDONÇA, F. C.; FONGARO, G.; BAZZO, H. L. S.; TREICHEL, H.; SCHIRMANN, J.; NASCIMENTO, J. G.; GATIBONI, L. C.; LANNA, M. C. da S.; MAGRI, M. E.; PAZ TIERI, M.; MORALES, R.; NICOLOSO, R. da S.; GONZATTO, R.; QUEIROZ, R. de; GIACOMINI, S. J.; PUJOL, S. B.; CHARLON, V. Produção animal e recursos hídricos: tecnologias para manejo de resíduos e uso eficiente dos insumos. Editor Técnico Julio Cesar Pascale Palhares. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Pecuária Sudeste. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Brasília, DF: Embrapa, 2019
 

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