Tecnologia Wetlands: Uma solução natural para o tratamento de água e esgoto
Por Carla Legner
Edição Nº 82 - Dezembro de 2024/Janeiro de 2025 - Ano 14
A tecnologia Wetlands se refere a processos artificiais criados para imitar as funções de áreas úmidas naturais, sendo projetados especificamente para tratamento de água e esgoto, recuperação ambiental e outras aplicações ecológicas.
A tecnologia Wetlands se refere a processos artificiais criados para imitar as funções de áreas úmidas naturais, sendo projetados especificamente para tratamento de água e esgoto, recuperação ambiental e outras aplicações ecológicas. São amplamente usados como uma solução de tratamento de águas residuais, pois promovem processos orgânicos de filtração e decomposição, utilizando plantas, solo e microrganismos para remover contaminantes.
Tecnicamente, podem ser qualificados como filtros biológicos plantados, percoladores e/ou submersos de biomassa aderida, de baixíssima carga. De acordo com André Baxter Barreto, diretor executivo da empresa Wetlands Construídos, os mecanismos de degradação de matéria orgânica e remoção de nutrientes são regidos pela microbiota que coloniza e se adere ao leito do sistema (meio suporte e zona de raízes) e atendem aos princípios técnicos/científicos de microbiologia sanitária, assim como os reatores biológicos clássicos.
“Os critérios de projeto e mecanismos de remoção de matéria orgânica e nutrientes em sistemas Wetlands seguem os mesmos conceitos de engenharia sanitária dos demais sistemas biológicos de biomassa aderida, fundamentalmente, dimensionados pela taxa de aplicação hidráulica e carregamento orgânico” - detalha o executivo.
Com alto potencial para a remoção eficaz de diversos poluentes, se destaca por sua sustentabilidade, apresentando um impacto ambiental significativamente inferior em comparação com as tecnologias convencionais, ou seja, trata-se de uma alternativa sustentável e econômica em comparação aos métodos mais comuns.
Além disso, está totalmente alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que enfatizam a importância do uso de Soluções Baseadas na Natureza (SbN) para o desenvolvimento de cidades inteligentes — um conceito em crescente evolução e urgência em todo o mundo.
Para Daniele Damasceno Silveira, Dra. PhD, professora visitante e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e especialista em sistemas de tratamento Wetlands, é imprescindível que as cidades deixem de ser cinzas e abandonem um sistema linear, transformando-se em cidades verdes com uma economia circular. Os sistemas de Wetlands são uma das tecnologias de SbN que podem ser aplicadas para o tratamento de uma ampla gama de poluentes.
“Uma das principais características desses sistemas é o fato de requererem baixos níveis de operação e manutenção, o que reduz os custos operacionais e facilita o manejo, tornando-se uma tecnologia altamente competitiva no mercado. Essa competitividade também decorre de sua robustez, garantindo um bom desempenho mesmo sob condições adversas e variações na qualidade da água de entrada” - enfatiza Daniele.
Aplicações
Os sistemas Wetlands são predominantemente utilizados para tratar efluentes domésticos. No entanto, devido ao seu grande potencial para remover poluentes mais difíceis de serem biodegradados, eles também são eficazes no tratamento de efluentes industriais e agrícolas, eliminando tanto poluentes orgânicos quanto inorgânicos, além de serem usados em projetos de restauração ecológica.
Operam por meio de processos físicos, químicos e biológicos, nos quais microrganismos — os principais responsáveis pelas transformações e remoção dos poluentes —, substratos (meio filtrante) e plantas colaboram para degradar e eliminar os contaminantes.
“Podem receber esgotos sanitários brutos, efluentes industriais biodegradáveis, lodos biológicos e águas inorgânicas. Para cada tipo de água, lodos e efluentes existem critérios de engenharia e arranjos específicos de wetlands que podem ser conjugados. O entendimento da aplicabilidade, dos princípios de funcionamento e dimensionamento de cada tipologia é que define o sucesso da solução” - destaca Barreto.
Ainda segundo ele, entre as tipologias comumente empregadas, os Wetlands de fluxo vertical são os únicos adequados para receberem esgoto bruto. Na França grande parte das mais 4000 estações implantadas, utilizando a tecnologia wetlands construídos, recebem esgoto bruto municipal e atendem padrões de lançamento com DBO inferior a 25mg/L e 100% de remoção de nitrogênio amoniacal.
Por outro lado, os Wetlands horizontais não são projetados para receber esgoto bruto, sendo empregados para tratamento secundário de efluentes. Obviamente as ETEs Wetlands para esgoto sanitário não dispensam, como qualquer ETE, um bom tratamento preliminar (gradeamento e/ou peneiramento para remoção de sólidos grosseiros e estruturas para remover excesso de óleos e graxas).
Para lodos, só contemplam o recebimento dos itens que já tenham passado por digestão primária da matéria orgânica, garantindo que a fração de sólidos voláteis sobre sólidos totais seja inferior a 65%, típica de um lodo estabilizado. Por essas razões, é sempre importante que haja uma boa caracterização dos lodos a serem tratados, fator imprescindível de sucesso para o bom funcionamento de qualquer arranjo tecnológico.
Outro ponto importante é que as características do lodo influenciam diretamente nas taxas de aplicação e nas áreas demandadas pelo sistema. Vale lembrar que, como os Wetlands para tratar efluentes, as UGL Wetlands podem ser projetados para receber qualquer vazão de lodos. O maior wetlands do mundo, para tratar lodos de ETA, por exemplo, atende população superior a 1,5 milhão de habitantes. Portanto a limitação dos sistemas não está na vazão, mas nos requisitos de área e nos custos e disponibilidade de terreno.
“Esses sistemas de engenharia, consolidados há décadas, têm demonstrado sua eficácia em diversos países, como a França, que empregou essa tecnologia para alcançar a universalização do saneamento e atualmente conta com mais de 5 mil Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) utilizando sistemas Wetlands” - complementa Daniele.
No contexto brasileiro, a aplicação dos sistemas, seja de forma isolada ou em combinação com outras tecnologias, apresenta um grande potencial, especialmente diante da urgente necessidade de universalizar o saneamento — uma meta ainda inviável com os modelos tradicionais que muitas vezes não atendem adequadamente às demandas de pequenas comunidades ou áreas rurais.
“Com a vantagem de um OPEX (custo operacional) altamente competitivo, espera-se que essa tecnologia conquiste cada vez mais espaço no Brasil. Desta forma, a consolidação dessa ferramenta no país representa uma alternativa viável e inovadora para enfrentar os desafios do saneamento” - enfatiza Daniele.
É importante destacar que, assim como outras soluções convencionais, o sistema de engenharia de Wetland demanda um projeto e operação rigorosos para garantir desempenho e longevidade. As principais recomendações incluem considerar a natureza dos efluentes, a capacidade de carga do sistema e o espaço disponível. Vale também prever manutenção e monitoramento adequados para garantir a eficiência do tratamento ao longo do tempo.
O fato é que, a versatilidade desses sistemas é evidenciada por seus diversos designs adaptáveis, que reduzem consideravelmente a exigência de espaço para sua construção. Com décadas de evolução em pesquisas, agora existem designs compactos que são altamente competitivos em relação a outras tecnologias, mantendo benefícios significativos em termos de eficiência na remoção de poluentes, eficiência energética e operação.
Para além disso, um exemplo inovador é a implementação de sistemas verticais em edifícios, utilizando paredes verdes para tratar o esgoto local, o que não apenas melhora a estética urbana, mas também promove a eficiência no uso da água. Ademais, a combinação da tecnologia Wetlands com outros processos de tratamento possibilita a geração de água de reúso, essencial em um cenário de crescente escassez hídrica, contribuindo para a resiliência urbana diante das mudanças climáticas.
“Embora tenham sido inicialmente projetados para pequenas populações, condomínios e vilarejos rurais, atualmente existem sistemas de Wetlands de grande porte. Esses sistemas descentralizados oferecem flexibilidade e eficiência no tratamento de efluentes, adaptando-se a diferentes contextos e demandas” - afirma Daniele.
Vale destacar que a escolha depende de fatores como o tipo de poluentes, a quantidade de efluente a ser tratada, o clima local e a disponibilidade de espaço. “Cada wetland deve ser projetado para atender às condições e necessidades específicas do local” - lembra a especialista. Além disso, como esta tecnologia possui um amplo leque de configurações e aplicações, é importante que se procure a literatura especializada, profissionais ou empresas com notória experiência no assunto.
Normas e recomendações
Os Wetlands construídos vêm despertando muita atenção ao longo dos últimos anos devido à sua gama de aplicações como sistemas naturais de tratamento de águas, efluentes e lodos. Segundo Barreto, por serem sistemas baseados na natureza, que utilizam plantas e possibilitam a integração paisagística e harmônica com o meio ambiente, muitas vezes são vistos como uma “tecnologia alternativa” ou uma tecnologia sem critérios e padrões a serem seguidos, mas isto é um grande equívoco.
Na verdade, por trás desses sistemas esteticamente atraentes, existe um imenso arcabouço de ciência e engenharia que ainda é pouco conhecido e reconhecido no Brasil. A vasta literatura sobre o tema consolida as bases e fundamentos técnicos que fazem com que os wetlands construídos sejam amplamente empregados no mundo todo e validados como uma solução de engenharia inovadora, sustentável e, acima de tudo, confiável.
A norma aplicável para projetos de sistemas Wetlands é a ABNT NBR 17076. Essa regulamentação estabelece os requisitos para o projetos de tratamento de esgoto de menor porte, com capacidade de até até 12 m³/dia e carga orgânica até 3,8 kg DBO/dia, sendo indicada para áreas não atendidas por redes de esgoto centralizadas e com características descentralizadas, como vilarejos, áreas rurais, e unidades habitacionais isoladas.
A NBR 17076 também substitui regulamentações anteriores, como a NBR 7229 e NBR 13969, que tratavam de diretrizes gerais para tratamento de esgoto doméstico. A norma facilita a adoção de SbN, como wetlands, dando a engenheiros e analistas ambientais uma base regulamentada para o planejamento, o dimensionamento e a projeção de desempenho desses sistemas.
Segundo Daniele, vale destacar que esses sistemas são altamente adaptáveis e possuem baixa demanda de operação e manutenção, o que os torna uma alternativa viável e econômica, principalmente para pequenas comunidades. Além disso, apresentam resiliência a variações na qualidade do afluente, o que aumenta sua confiabilidade em diferentes contextos operacionais.
“A nova NBR 17.076, que revoga as NBR7229/93 e NBR13969/97, traz avanços para o tratamento de efluentes em estações de pequeno porte ao incorporar seis novas tecnologias, entre elas a tecnologia Wetlands construídos, até então não mencionada nas antigas resoluções” - ressalta André Baxter Barreto.
Wetlands x Jardins Filtrantes
Os Jardins Filtrantes são caracterizados pela restauração ambiental, por meio da bioengenharia com a simbiose das macrófitas e microrganismos. Estruturalmente são compostos por filtros com plantas ornamentais que tratam os poluentes na rizosfera, protegendo os recursos naturais e consequentemente colaboram no microclima local.
De acordo com Cristiane Schwanka, CEO da
Phytorestore Brasil, essa alternativa, que é dimensionada pela caracterização dos poluentes, tem como foco a despoluição e restauração ambiental, atuando na redução das cargas poluidoras e nutrientes. “A escolha das plantas nos projetos é baseada em sua capacidade de fitodegradação diante do tipo e a característica dos efluentes” - destaca.
Ainda segundo ela, são mais de 200 espécies de macrófitas nativas catalogadas, pertencentes ao meio aquático e com capacidade de adaptação ecológica. “A escolha desse tipo de tecnologia vai depender do esgoto/poluente que será reduzido, da necessidade daquele projeto específico. A partir dessa caracterização do efluente é escolhido, dentro do nosso portfólio, a melhor planta para ser utilizada” - ressalta.
A água contaminada passa por diferentes camadas de solo e substrato onde ocorre a filtração física e adsorção de poluentes. As plantas absorvem nutrientes e metais pesados, enquanto microrganismos no solo e nas raízes decompõem matéria orgânica, eliminando resíduos e promovendo a biodegradação de poluentes. O resultado é uma água mais limpa, que pode ser liberada no meio ambiente ou reaproveitada para usos não potáveis, como irrigação.
De maneira geral, funcionam de maneira semelhante a tecnologia Wetlands, aproveitando processos naturais para remover contaminantes e reduzir a carga de nutrientes na água, mas geralmente são menores e esteticamente integrados à paisagem urbana ou residencial.
Nesse sentido, a diferença entre um Jardim Filtrante e um sistema wetland está relacionada principalmente à escala, ao nível de complexidade e à aplicação técnica de cada um. O Jardim Filtrante é uma solução de menor escala, ideal para residências e pequenas propriedades pensado para o tratamento de águas residuárias. Sua instalação e operação são mais acessíveis e menos complexas, não exigindo um grande conhecimento técnico. Por essas características, é uma solução viável e prática, com custos de instalação e manutenção mais baixos.
Por outro lado, os Wetlands Construídos apresenta soluções de engenharia mais sofisticadas, projetadas para tratar maiores volumes de águas residuais e atender a áreas maiores, como vilarejos, áreas rurais ou setores industriais e municipais. São sistemas mais complexos e exigem conhecimento técnico para o seu projeto e implementação. Com design adaptável, esses sistemas podem ser configurados em diferentes escalas e arranjos, como sistemas horizontais ou verticais, e muitas vezes integram processos adicionais para maximizar a eficiência na remoção de poluentes.
Assim, enquanto o Jardim Filtrante é uma alternativa mais acessível e de baixa complexidade, ideal para pequenos sistemas de tratamento doméstico, o sistema Wetland é uma solução técnica e projetada para suportar maior demanda de tratamento, com uma infraestrutura mais robusta e adaptável a diversas necessidades ambientais e regulatórias.
Segundo Cristiane, apesar de tanto benefício e um grande potencial, ainda falta conhecimento sobre o uso dessa tecnologia, não só apenas dos que dimensionam, mas também daqueles que licenciam. “O Brasil ainda está se desenvolvendo, já existem algumas organizações e associações que oferecem cursos e especializações para profissionais, a gente precisa levar esse conhecimento para o técnicos de saneamento, para dentro dos ambientes dos municípios, enfatizando a força da natureza como solução de tratamento” - destaca.
É importante mencionar que, embora esses sistemas sejam relativamente mais simples em comparação com alternativas mais complexas, a implementação das tecnologias exigem planejamento detalhado e conhecimento técnico especializado para o desenvolvimento do projeto e execução da construção. “A experiência técnica é fundamental para garantir que o sistema seja corretamente dimensionado de acordo com o tipo de efluente, a carga de poluentes e o contexto ambiental específico” - afirma Daniele.
Assim, mesmo com projetos que ofereçam simplicidade nas etapas posteriores de operação e manutenção (sem a necessidade de profissionais altamente capacitados para essas etapas), é imprescindível que a etapa de desenvolvimento do sistema e a construção sejam realizados por profissionais qualificados, garantindo seu desempenho eficaz e sustentabilidade a longo prazo.
Contatos
Daniele Damasceno Silveira: danidamasceno28@gmail.com
Phytorestore Brasil: www.phytorestore.com.br
Wetlands Construídos: www.wetlands.com.br