Avaliação de um processo MBBR operando como RBS, empregando biomídias com alta área superficial, no tratamento de efluente de indústria farmacêutica
Por Fábio Campos
Edição Nº 83 - Fevereiro/Março de 2025 - Ano 14
Processos biológicos aplicados ao tratamento de esgoto ou efluentes industrias, baseiam-se na manipulação do metabolismo bacteriano, com o objetivo de promover a remoção de compostos com conteúdo energético, como matéria orgânica e amônia
Processos biológicos aplicados ao tratamento de esgoto ou efluentes industrias, baseiam-se na manipulação do metabolismo bacteriano, com o objetivo de promover a remoção de compostos com conteúdo energético, como matéria orgânica e amônia, em sua via catabólica (produção de energia), ou mesmo nutrientes, como o fósforo, por meio da via anabólica (síntese celular).
Sendo assim, torna-se uma condição necessária ao tratamento de águas residuais, em processos biológicos, o desenvolvimento de uma comunidade bacteriana num ambiente reacional (reator biológico), onde se aplique condições ambientais propícias à sua formação e manutenção.
Em geral, em função de características fisiológicas peculiares a determinadas bactérias têm-se a síntese e liberação do Polímero Exocelular (EPS), substância formada prioritariamente por carboidratos que possui características aderentes, permitindo a formação de agregados bacterianos, os quais podem ser formados por coagulação/floculação (floco biológico), autoimobilização (grânulo bacteriano) ou por crescimento aderido em meio suporte (biofilme).
Dessa forma, didaticamente, pode-se conceber de processos de tratamento biológico de águas residuais com base no tipo de agregado formado, com sendo em suspensão (floco e grânulo biológico) ou aderido (biofilme), havendo espaço, ainda, para processos híbridos (presença de agregados em suspensão e aderido).
O processo baseado em Reatores de Biofilme de Leito Móvel (MBBR – Moving Bed BioReactor) foi concebido na década de 1990, na Noruega, através de uma parceria firmada entre a companhia Kaldnes Milj?teknologi AS (KMT), especialista em tratamento de efluentes doméstico e industrial, e o Instituto de Pesquisa SINTEF.
Tal tecnologia emprega o conceito de biofilme aderido, o qual é formado no interior de pequenos elementos denominado de biomídias, que podem ser PEAD (polietileno de alta densidade) ou poliuretano, dispostos no interior de reatores, mantidos em constante circulação e suspensos no reator.
Assim, o processo MBBR tem como principal característica a oferta de uma alta área superficial para que ocorra a formação do biofilme, e esse agregado bacteriano, com alta densidade populacional, possa atuar de forma eficiente na estabilização das águas residuais.
As características físicas das biomídias acabam desempenhando um papel importante tanto na eficiência como na capacidade de recebimento de carga, posto que é a partir de características como área superficial protegida, densidade e formato, que haverá condições de um maior ou menor desenvolvimento e manutenção do biofilme.
Normalmente, o mercado acostumou-se a empregar biomídias de PEAD, sendo possível encontrar vários modelos e áreas disponíveis, contudo, recentemente, biomídias de poliuretano (espuma) vêm sendo testadas e aplicadas em processos MBBR, com grande êxito, e ainda com o diferencial de oferecerem maior área superficial.
Um exemplo desse tipo de biomídias é a fornecida pela Monera BioPower®, feita em poliuretano e impregnada com carvão ativado, contendo área superficial estimada em 14.000m²/m³.
A vantagem do uso de biomídias com maior área superficial é a possibilidade de se trabalhar com volumes menores de reatores e, igualmente, menor volume de enchimento, sem contar que, dado o baixo diâmetro encontrado tanto nos canais da espuma como nos poros do carvão ativado, há uma tendência de formação de biofilme com menor espessura o que facilita os processos de difusibilidade e trocas entre o agregado bacteriano e o meio externo.
Isto posto, pelas características robustas do processo MBBR, sua aplicação em ações de retrofit ou ampliações têm sido cada vez mais comuns, e o emprego dessas biomídias mais modernas, com maior área superficial, apresenta-se como uma interessante estratégia para otimizar mais ainda a compacidade do sistema.
Dessa forma, o propósito do trabalho aqui apresentado é trazer os resultados obtidos em uma unidade piloto de tratamento, operando simulando o processo MBBR com biomídias de poliuretano embarcada com carvão ativado, no que se refere à remoção de matéria orgânica, expressa em termos de DQO, tratando efluente de uma indústria farmacêutica.
Ressalta-se que a referida indústria possui como sistema de tratamento um reator em batelada sequencial (RBS) operando como lodos ativados em aeração prolongada.
O objetivo é avaliar eventuais ganhos em termos de eficiência e capacidade de recebimento, bem como em diminuição de ativos associados ao OPEX da atual planta.
Metodologia
O atual sistema de tratamento em operação na indústria farmacêutica, onde se desenvolveu o teste piloto, baseia-se no processo de lodos ativados em aeração prolongada, na modalidade RBS, com um reator contando com o volume útil de 150m³. Seu ciclo é constituído com o seguinte cronograma:
• 4 a 6 horas de enchimento;
• 2 horas para reação (aeração);
• 1 hora para sedimentação;
• 1 hora para descarte do efluente tratado.
Em geral, ocorre uma troca volumétrica de 50% (cerca de 75m³) volume/volume.
O efluente industrial, gerado na linha de produção, é encaminhado previamente a uma etapa de oxidação avançada, submetido ao processo Fenton, só então é direcionado para o RBS.
Durante a fase de reação ocorre a aplicação de bioaumentação, como suporte de formação dos flocos biológicos.
Na área próxima ao RBS foi instalada a unidade piloto, confeccionada em acrílico, com volume útil de 80L, contendo um sistema de aeração por ar difuso de bolha fina inserida em sua base.
Como estratégia operacional, optou-se por operar a unidade piloto com um processo MBBR em batelada, com isso, foi necessário realizar alguns ajustes na estrutura da unidade piloto.
Assim, definiu-se como ciclo de funcionamento um cronograma inspirado na planta real e factível de ser conduzido pela equipe de operadores:
• 1 hora de enchimento;
• 2 horas para reação (aeração);
• 1 hora para sedimentação;
• 1 hora para retirada do efluente tratado.
Ainda na formatação da estratégia operacional, estabeleceu-se como volume inicial para retirada de efluente tratado, 28L sendo progressivamente aumentado em função da eficiência obtida.
Dada as características de área da biomídias (14.000m²/m³) e da concentração média de matéria orgânica em termos de DQO fornecida, estimou-se a necessidade de oferecer 56m² para crescimento de biofilme, sendo traduzido por um volume de 4L de biomídia, gerando uma razão de enchimento de 5%. Com base nessas premissas, chegou-se a um delineamento operacional como apresentado na Tabela 01.
A Figura 01 ilustra a unidade piloto com as biomídias inseridas em seu interior.
Para facilitar o trabalho da operação, foram coladas marcações de volume para máximo (enchimento) e mínimo (retirada), como pode ser observado na Figura 02.
Dessa forma, cabia ao operador, ao término da etapa de sedimentação, remover o volume correspondente de efluente à troca volumétrica aplicada (vide Tabela 01), com o devido cuidado de não remover biomídias ou revolver a biomassa sedimentada.
Por fim, por tratar-se de uma operação de um RBS como MBBR, ocorreu a remoção contínua da biomassa em suspensão formada no interior do reator, de forma a garantir apenas a atuação do biofilme formado nas biomídias.
Deve-se ressaltar que, durante toda a operação da unidade piloto, não foi feito uso de bioaumentação.
A partida da unidade piloto foi conduzida mediante a introdução de inóculo retirado de reator biológico da planta real. Como plano de monitoramento analítico, foram realizadas medições conforme apresentadas na Tabela 02.
A unidade piloto entrou em operação na data de 09/05/2024, mantendo-se em atividade até a data de 27/08/2024, perfazendo um período de 105 dias ininterruptos.
Resultados
No que se refere a medida diária de pH, o conteúdo do reator manteve-se numa faixa condizente a processos biológicos, oscilando entre 6,5 a 7,5, de forma a propiciar a plena atividade microbiana.
Em relação aos valores de OD, em função da simplicidade do sistema de aeração, não foi possível aplicar um controle rigoroso, sendo que a concentração medida no interior do reator manteve-se, na maior parte da pesquisa, em níveis superiores a 4,5mO2/L.
Esse alto valor de OD mantido no reator, contudo, não trouxe prejuízo para as questões hidrodinâmicas, atuando na manutenção da espessura do biofilme por meio da força de tensão de cisalhamento. Tal hipótese se sustenta no fato da eficiência obtida ao longo do estudo, o que indica claramente que não houve a remoção total do biofilme das biomídias, em função da alta intensidade de aeração.
Como apresentado na metodologia, fazia parte da operação da unidade piloto a retirada periódica da biomassa em suspensão com o intuito de evitar que tal parcela pudesse vir a contribuir com a eficiência do processo. A Figura 03 apresenta a série histórica dessa variável durante o período de estudo.
Como pode-se observar, houve um acúmulo dos sólidos em suspensão por cerca de metade do período de estudo, fruto de algumas questões operacionais associadas a dificuldade de remoção dessa parcela de biomassa. Contudo, uma vez equacionada a situação, a concentração de SST manteve-se dentro de valores razoáveis observados em processos do tipo MBBR.
Por fim, no que se refere à eficiência de remoção de matéria orgânica, expressa em termos de DQO, a Tabela 03 apresenta os resultados obtidos durante o período de estudo, tanto para os valores de DQO do efluente final, como em termos de carga orgânica superficial aplicada e eficiência obtida.
Como pode-se observar, os valores médios aplicados à carga orgânica superficial (COS) foram bem próximos aos delineados e apresentados no tópico Metodologia, a Tabela 04 ilustra essa comparação.
Isso evidencia o pleno atendimento ao escopo e ao controle operacional, em termos de carga aplicada por área de biofilme, permitindo explorar a capacidade de tratabilidade do processo desenvolvido na unidade piloto.
Assim, a primeira fase, com uma baixa troca volumétrica, apresentou a menor eficiência, mantendo-se com uma média de 52% atrelado a um alto desvio de ±11,04, típico para a condição de startup, já que essa primeira exploração foi monitorada de 09/05 (partida do sistema) até 03/06; já na segunda fase, com troca volumétrica de 50%, o sistema já se encontrava mais estável chegando a uma eficiência média de 85%, com um desvio padrão de ±6,7, sendo mantido do dia 04/06 a 02/07; por fim, na última fase, com o máximo de troca volumétrica permitido pelo conjunto unidade piloto e biomídia, obteve-se 89±3,99% de eficiência, atingindo uma condição de estabilidade operacional.
A Figura 04 apresenta a série histórica correlacionando os valores de DQO afluente e efluente com as respectivas eficiências obtidas, e a Figura 05, traz uma série histórica correlacionando a COS com as eficiências obtidas.
Como pode-se verificar, nos primeiros dias de operação, há uma maior incidência de oscilação no processo, natural e esperado em situações de startup, contudo, deve-se ressaltar que, num curto espaço de tempo, o processo já inicia uma progressiva condição de estabilidade, algo característico de sistemas que operam com biofilme aderido.
A relativa oscilação observada no final do estudo é, muito provavelmente, em decorrência das manobras operacionais adaptadas para operar o reator como um RBS, no que se refere a etapa de retirada do efluente tratado.
Para efeito de comparação, a Figura 06 apresenta a série histórica correlacionando os valores de DQO afluente e efluente com suas respectivas eficiências, da planta em escala real, dentro do mesmo período de estudo.
A série histórica demonstra a estabilidade do processo, com exceção ao final do período observado, onde observa-se uma importante queda de eficiência. De forma geral, o sistema em escala real apresentou, no período em destaque (julho a agosto), uma eficiência média de 88%, similar ao obtido com a unidade piloto.
Contudo, ressalta-se que a plana em escala real, durante sua operação, recebeu continuamente a bioaumentação, como forma de manter sua microbiota ativa e em quantidade necessária para promover o tratamento, diferentemente da unidade piloto, cujos agregados microbianos desenvolvidos no biofilme presente nas biomídias, foram mantidos dentro do contexto natural do sistema, evidenciando, portanto, a robustez do processo de tratamento com biofilme (unidade piloto), quando comparado, nesse estudo, com a biomassa em suspensão (planta em escala real).
Por fim, como registro de operação, o comportamento da biomídias empregado no teste mostrou-se eficiente, enquanto suporte para imobilização do agregado microbiano, mantendo-se em perfeita fluidização por todo o conteúdo do reator, não apresentando sinais físicos de desgaste ou colmatação.
Conclusão
Com base nos resultados obtidos com esse estudo, pode-se concluir que:
• A unidade piloto instalada para receber o efluente industrial manteve-se dentro de um nível adequado de operação durante toda a pesquisa;
• O processo MBBR aplicado ao estudo foi capaz de reduzir, em média, até 89% a DQO inicial do efluente industrial, sem o aporte de bioaumentação;
• O comportamento da biomídias aplicado ao processo colaborou de forma positiva para o alto índice de eficiência e estabilidade obtidos na pesquisa;
• Com base na comparação entre a unidade piloto e a planta em escala real, pode-se verificar a maior robustez da primeira em relação à segunda, sobretudo, no que se refere à capacidade de recebimento, uma vez que foi possível impor uma troca volumétrica de 75%, contra 50% da planta em escala real.
Fábio Campos |
Referências bibliográficas:
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