USP e UNESP criam um novo material capaz de filtrar e degradar metal cancerígeno e um corante que podem ser encontrados na água
Assessoria de Imprensa -
Cientistas criaram uma membrana que filtra e degrada, ao mesmo tempo, substâncias tóxicas que não são identificadas pelas estações de tratamento
Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP e do Instituto de Química (IQ) da UNESP, em Araraquara, criaram um novo material capaz de filtrar e degradar, simultaneamente, um tipo de metal cancerígeno e um corante que podem ser encontrados na água. Com a possibilidade de ser reutilizada várias vezes sem perder a eficácia, a tecnologia se apresenta como uma membrana, composta de celulose bacteriana revestida por uma camada de dissulfeto de molibdênio (MoS2), um metal que não é tóxico. Os resultados do trabalho geraram um artigo que foi publicado na revista científica norte-americana ACS Applied Materials & Interfaces.
Um dos autores da pesquisa, o professor do IQSC Ubirajara Pereira Rodrigues Filho explica que, para degradar os poluentes, a membrana precisa de uma fonte de luz, responsável por fornecer energia ao dissulfeto de molibdênio para que, por meio de algumas reações químicas, ele degrade os compostos tóxicos conforme eles são “presos” ao material. Os cientistas do Grupo de Materiais Híbridos e Inorgânicos do IQSC, coordenado pelo docente, testaram o desempenho da tecnologia construindo um fotorreator, aparelho por onde a água em fluxo pôde passar pela membrana, que foi iluminada por uma lâmpada. Após duas horas de tratamento, os especialistas conseguiram remover 96% do azul de metileno (corante) e 88% do Crômio (VI) – metal cancerígeno. A membrana foi capaz de degradar as substâncias tanto de forma isolada como misturadas.
Inédita, a utilização de celulose bacteriana no desenvolvimento de tecnologias para a descontaminação da água apresenta diversas vantagens em relação a outros materiais, como a sílica e dióxido de titânio, que são aplicados na forma de pó ou de membranas: “Além de ser uma matéria prima renovável, a celulose bacteriana permite a construção de um material mais leve, flexível, resistente, com maior durabilidade e menos suscetível a trincas”, explica Ubirajara, que exaltou a relevância do estudo: “Embora nossa pesquisa ainda seja apenas uma prova de conceito e esteja em estágio inicial, é muito gratificante ter a possibilidade de proporcionar a quem desenvolve as estações de tratamento de água novas tecnologias para melhorar a qualidade de vida da população”, completa.
A estrutura da membrana desenvolvida pelos pesquisadores é um tipo de aerogel, que é um gel cuja parte líquida foi substituída por um gás, no caso do material feito pela USP e UNESP, o ar. Para construir a tecnologia, foi preciso realizar uma série de procedimentos. Inicialmente, a partir de um grupo de bactérias, os especialistas obtiveram um hidrogel de celulose bacteriana, material altamente poroso e composto por aproximadamente 99% de água. Após essa etapa, o produto é lavado para eliminar possíveis impurezas e, posteriormente, revestido com nanofolhas do dissulfeto de molibdênio. Finalmente, o material é transformado em aerogel por meio de um processo chamado secagem controlada, que substitui a água por ar, dando forma ao produto final.
Desafio global – Compostos como tintas, metais, remédios, cosméticos e produtos de higiene pessoal estão entre os chamados contaminantes emergentes, substâncias que podem ser encontradas em pequenas concentrações nos rios que abastecem municípios e chegar até nossas casas, já que as estações de tratamento de água carecem de equipamentos adequados para removê-los. “Há uma necessidade muito grande de desenvolver novos materiais com propriedades melhoradas e com maior aplicabilidade para a remoção eficiente de uma ampla gama de poluentes da água”, explica Elias Paiva Ferreira Neto, autor principal da pesquisa e pós-doutorando do IQ-UNESP.
O especialista diz que há anos os contaminantes emergentes têm desafiado centenas de cientistas brasileiros e do exterior a buscarem soluções eficientes e a entenderem os impactos que eles podem gerar ao meio ambiente e aos seres vivos. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Mundial da Água da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2017, mais de 80% das águas residuais urbanas e industriais do mundo – e mais de 95% em alguns países menos desenvolvidos – são lançadas no meio ambiente sem tratamento. O constante crescimento da população mundial, a abertura de novas indústrias, o aumento das atividades de agricultura, pecuária e mineração são fatores que contribuem para o agravamento do cenário, ameaçando a qualidade do abastecimento de água potável.
Elias, que se formou no IQSC, onde também realizou seu mestrado e doutorado, com orientação do professor Ubirajara, atualmente faz pós-doutorado no Laboratório de Materiais Fotônicos do IQ-UNESP com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Ele explica que o estudo realizado em parceria com a USP representa um avanço significativo no desenvolvimento de tecnologias para a remoção simultânea de contaminantes orgânicos (associados e organismos vivos) e inorgânicos da água a fim de promover sua purificação, podendo ser uma importante ferramenta para estações de tratamento de efluentes das indústrias têxteis e de couro do Estado de São Paulo. Nos próximos passos do estudo, ele conta que pretende testar a nova membrana para a degradação de outras substâncias, como amostras de medicamentos e pesticidas. “Por se tratar de uma tecnologia simples e escalável, nós esperamos que futuramente ela possa reduzir os custos do tratamento de águas residuais e se tornar uma solução para mitigar os desafios ambientais”, finaliza.
O trabalho é fruto de uma parceria com o pesquisador Sidney José de Lima Ribeiro, professor do IQ-UNESP e supervisor de Elias, e com Fábio Simões, docente do Departamento de Física da UNESP, em Rio Claro. O estudo também teve a participação de Sajjad Ullah, da Universidade de Peshawar; da doutoranda do IQSC Amanda Perissinoto; e da mestranda Thais Caroline de Almeida e do mestre Rafael Romano, ambos do IQ-UNESP.
Por Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP
Foto 1: Cientistas criaram uma membrana que filtra e degrada, ao mesmo tempo, substâncias tóxicas que não são identificadas pelas estações de tratamento. Foto: Henrique Fontes - IQSC/USP