Oportunidade Em Meio À Crise
Suzana Sakai Edição Nº 28 - dezembro de 2015/janeiro de 2016 - Ano 5 -
Avanço no setor de saneamento ainda é tímido, mas empresas ligadas ao reúso apostam em novos investimentos nesse mercado
No decorrer de 2015, a crise hídrica que afeta algumas regiões do país, em especial Sudeste e Nordeste, tem sido pauta constante nos debates entre autoridades, formadores de opinião, empresários e sociedade. Nessas conversas, um tema tem se tornou indiscutível: é preciso diminuir as perdas das águas e aperfeiçoar urgentemente os serviços de saneamento do Brasil. Apesar do forte apelo, estudos do Instituto Trata Brasil apontam que os avanços no setor são inexpressivos. O Ranking do Saneamento 2015, por exemplo, mostra que a situação dos serviços piorou em muitas das grandes cidades brasileiras em relação ao último ranking, publicado em 2014, o que compromete o avanço médio dos indicadores nacionais de 2009 a 2013. Essa piora compromete o prazo do Plano Nacional de Saneamento Básico – 2014 a 2033, que tem como intuito promover a universalização dos serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos em 20 anos.
O estudo "Perdas de Água: Desafios ao Avanço do Saneamento Básico e à Escassez Hídrica", também publicado pelo Instituto Trata Brasil, aponta que as perdas na distribuição da água em 2013 foram de 37% e que as perdas financeiras totais estão em 39%. Em valores, uma perda financeira total de 39% significa que essa percentagem de recursos não entra na receita do setor. A água não faturada pelas empresas foi de 6,53 bilhões de m³ de água tratada, perfazendo perda financeira de R$ 8,015 bilhões ao ano. Tais perdas equivalem a cerca de 80% dos investimentos em água e esgoto realizados em 2013. Na projeção do estudo, se em cinco anos houvesse uma queda de 15% nas perdas no Brasil, ou seja, de 39% para 33%, os ganhos totais acumulados em relação ao ano inicial seriam da ordem de R$ 3,85 bilhões.
Mesmo diante desses dados, os investimentos no setor caminham em passos lentos. De acordo com o diretor da Enfil, Paulo César Modesto, existe uma grande discussão sobre a aplicação do reúso para o consumo, seja como reúso direto ou como recarga de mananciais, porém, em 2015, nenhum projeto foi colocado em prática. "A Enfil, a pedido das empresas, fez vários projetos a títulos de colaboração para Sabesp, Sanasa, Cedae e outros, mas nenhum foi posto em prática. Todos engavetados para um futuro que não sabemos quando vai chegar", critica.
Luiz Bezerra, gerente de negócios da divisão de Water & Process Technologies da GE, acredita que a crise hídrica colocou o setor de reúso em um patamar de destaque, porém a crise econômica comprometeu os investimentos nesse setor. "O mercado em geral tem se mostrado bastante sensível às tecnologias disponíveis para produção de água de reúso. Com a mudança no regime de chuvas e o maior rigor na legislação para utilização de água no segmento industrial, o efluente deixou de ser visto como simples material de descarte para virar componente fundamental no processo produtivo de diferentes indústrias. Para a GE, esse novo mind set foi importante por ter criado novas oportunidades de negócios para a empresa e por nos permitir ampliar a oferta de produtos e serviços para o setor. Na contramão, o cenário econômico adverso foi responsável por brecar alguns projetos de reúso que estavam previstos. A expectativa é que estes projetos sejam retomados gradualmente conforme a economia brasileira se recupere", afirma.
Para o diretor de novos negócios do grupo Bauminas, Eduardo da Gama Câmara, o reúso de águas e efluentes, tanto no ambiente público como no privado, ainda se encontra muito aquém do potencial e das necessidades do país. A discussão sobre a necessidade de investimentos nesse setor é importante, porém ainda é necessário amadurecimento sobre esse mercado, uma vez que a prática de reúso de águas e efluentes não deve ser associada a maior ou menor escassez cíclica ou definitiva de água, mas sim ao conceito de preservação de mananciais e ao uso de captação inteligente. "Houve uma discussão maior em todos os níveis para a melhor gestão dos recursos hídricos, incluindo a gestão de reúso e de perdas. As partes envolvidas estão estudando e propondo alternativas. O ponto negativo é que ações concretas para novos projetos de reúso ainda não aconteceram. O modelo público-privado, assim como os que envolvem empresas de soluções ambientais e clientes privados, ainda está em fase de amadurecimento no Brasil. Certamente a escassez é o vetor da conscientização da importância e das ações práticas na direção de um reúso integral. Para esse reúso será necessária a integração do nosso sistema hídrico e do conceito de linhas de águas de reúso, independentes das linhas de águas potáveis. Já existem exemplos de sucesso em outros países que podem ser usados para a nossa avaliação e reflexão", declara.
O presidente da Nova Opersan, José Fernando Rodrigues, vê a crise hídrica com bons olhos. Segundo ele, com a necessidade de se discutir o uso racional das águas, o recurso hídrico ganhou um papel estratégico dentro das instituições.
"A cada dia surgem novas solicitações de estudos e propostas técnico-comerciais para projetos de estações de tratamento para reúso da água, desde unidades compactas até as de grande porte. Como ponto positivo, podemos destacar o aumento da conscientização para o uso racional de um recurso limitado como a água e a necessidade de investir em alternativas como o reúso, de forma a reduzir o consumo, os custos e riscos de desabastecimento. Pelo lado negativo o ainda alto desrespeito às leis ambientais quanto ao descarte de efluentes, apesar dos avanços da fiscalização", explica.
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Mercado em 2015
Com a crise hídrica, a população se tornou mais consciente sobre o valor da água. As empresas que geram água estão mais conscientes sobre as perdas reais e aparentes e sobre o potencial para o reúso. Mas como se comportou o mercado de reúso e tratamento de efluentes diante desse cenário de adversidade? De uma forma geral, pode-se dizer que as empresas de soluções ambientais perceberam que existe um grande potencial para agregar tecnologias à gestão de águas. A crise hídrica teve como consequência menos água e esgoto para serem tratados. Ao mesmo tempo, em algumas situações, as águas ficaram mais difíceis de serem tratadas, o que fez as partes envolvidas saírem da zona de conforto e aprimorarem produtos e técnicas.
Segundo Eduardo da Gama, a crise econômica limitou os investimentos, principalmente em novas tecnologias, o que vai à contramão das necessidades de investimentos em gestão de perdas e de reúso de águas. "Diante de um cenário de adversidade devido à crise hídrica, o Grupo Bauminas foi levado a atingir um novo patamar de criatividade e com isso aprimorou a performance de produtos e soluções técnicas", destaca.
De acordo com a análise de Marcelo Romanelli, diretor técnico da ETA Engenharia, a crise econômica resultou no cancelamento de alguns contratos, mas também trouxe oportunidades. "As indústrias reduziram ou cancelaram investimentos, mas as empresas de concessão estão investindo. Muitas oportunidades estão surgindo nesse segmento", avalia. Para a ETA Engenharia, 2015 foi um ano positivo: "estamos desenvolvendo diversos fornecimentos para o setor das empresas de concessão de serviços de água e esgoto. Investimos em qualificação de mão de obra e desenvolvimento da produção", afirma o executivo.
Luiz Bezerra também aponta o cenário econômico como o grande desafio de 2015. Ele explica que devido às dificuldades financeiras, diversos projetos foram adiados. Entretanto, a GE manteve o seu foco no desenvolvimento de novas soluções. Prova disso é que em 2015 inaugurou o seu primeiro centro de inspeção e autópsia de membranas (ultrafiltração, MBR, nanofiltração e osmose reversa). "Este é um cenário desafiador e que exige das grandes empresas saídas inovadoras que possam auxiliar seus clientes diante do cenário desfavorável, seja por meio da oferta de produtos ou serviços que garantam maior previsibilidade e produtividade dos equipamentos instalados", analisa.
Para o presidente da Nova Opersan, tanto a crise hídrica, quanto à econômica, contribuíram para o desenvolvimento do mercado de reúso. De acordo com José Fernando, a crise hídrica alerta para a necessidade de focar o tema "água" como estratégico para muitas empresas que nunca se preocuparam com seu custo e/ou falta, e neste sentido o reúso passa a ser uma das mais importantes alternativas. Já a crise econômica e redução nos níveis de vendas e produção força empresas a buscarem redução de custos fixos e variáveis, avaliando outras alternativas de abastecimento diferentes das tradicionais, e mais uma vez o reúso passa a ser uma solução. O resultado disso foi o aumento das vendas e a ampliação dos recursos da Nova Opersan. "2015 foi mais um ano positivo com crescimento das vendas em dois dígitos, apesar da crise econômica e impactos negativos. Concluímos cinco novas estações de tratamento instaladas em clientes (sistemas Onsite), ampliamos nossas fábricas de tratamento de efluentes recebidos via caminhões (unidades Offsite) e construímos duas novas, concluímos nosso primeiro projeto de dessalinização, fechamos novos projetos para construção de sistemas de tratamento em clientes do setor urbano.
A crise cria dificuldades e desafios, mas também oportunidades", ressalta.
Perspectivas para o novo ano
Apesar do momento propício para o desenvolvimento do setor, Paulo César não aposta em grandes avanços no próximo ano. "Com as informações que tenho, não vejo que nada acontecerá em relação ao tema reúso. Quando não acontece nada em São Paulo, nos outros estados menos ainda", decreta.
O diretor da ETA Engenharia considera o cenário político-econômico do próximo ano como incerto, porém acredita no potencial do desenvolvimento do setor de reúso. "Podemos afirmar que as necessidades da sociedade com relação à água e efluentes somente irão aumentar. A ETA está investindo em novas tecnologias de membrana e tratamento de efluentes e para 2016 teremos novidades", diz Marcelo.
Já o presidente da Nova Opersan vê 2016 como mais um ano de oportunidades. "Estamos confiantes que o tema reúso gerará novos projetos no setor privado, tanto nos segmentos industriais como urbanos, e talvez parcerias no setor público para projetos pontuais. Não descartamos a possibilidade de expansão para outros países da América do Sul, mas este tema ainda requer maiores estudos e discussões internas", afirma.
Na opinião do gerente de negócios da GE, o cenário econômico continuará a ser um elemento desafiador, mas a expectativa da empresa é que em 2016, a empresa concretize novos contratos, uma vez que o cenário de seca cria a necessidade de investimentos em novos modelos de captação e tratamento de água e efluentes. "A partir da crise hídrica, a indústria tomou consciência da necessidade de reutilização do efluente, seja por motivos ambientais ou por questões financeiras. Essa é a nova mentalidade do setor e que deverá ser mantida numa visão de longo prazo", comenta. De olho nos futuros contratos, a GE adquiriu recentemente a start-up inglesa Monsal, especializada na oferta de equipamentos para biodigestão de resíduos orgânicos. Além disso, também lançou no mercado seu reator MBR Anaeróbico, que está alinhado com a estratégia da companhia rumo a Neutralidade Energéticas dos processos de tratamento. "Para a GE tratamento de efluentes não é mais um elemento de custos para a indústria, mas pode se tornar um elemento de geração de receita através da conversão da matéria orgânica em biogás e consequentemente à energia elétrica", enfatiza Luiz Bezerra.
O Grupo Bauminas também aposta no surgimento de novos contratos em 2016, tanto no setor público, quanto privado. "Será um ano de implantações, os resultados efetivos devem ser sentidos a partir de 2017", avalia Eduardo. No próximo ano, a Bauminas prevê a inauguração de três novas unidades fabris. sendo duas delas nas regiões Centro Oeste e Norte, nas cidades de Luziânia, em Goiás, e Manaus, no Amazonas. "Faz parte do planejamento estratégico da Bauminas Química ampliar a distribuição nestas duas regiões, que ainda possuem índices muito reduzidos de acesso da população à água e esgoto tratado", diz Eduardo. A terceira unidade será inaugurada no Rio de Janeiro, permitindo a redução dos custos logísticos e maior agilidade de entrega neste grande mercado. Além das novas fábricas, a unidade fabril de Mucuri terá uma expansão que visa a atender a demanda do sul da Bahia e de todo o Estado do Espírito Santo.
Contato das empresas:
Enfil: www.enfil.com.br
GE Water: www.gewater.com
Bauminas: www.bauminas.com.br
Nova Opersan: www.opersan.com.br
ETA Engenharia: www.etaeng.com.br