Algae inova na produção de microalgas
Por Sergio Goldemberg Edição Nº 4 - dezembro de 2011/janeiro de 2012 - Ano 1 -
Solução para produção de energia, produtos químicos e remediação ambiental no século XXI
Microalgas são organismos vivos microscópicos, com estrutura celular extremamente simples, altas taxas de conversão solar através da fotossíntese e grande capacidade de assimilação de dióxido de carbono (CO2). Este vasto grupo de microrganismos também inclui várias espécies com capacidade de sobrevivência e crescimento em ambientes sem a presença de luz solar, principalmente as cianobactérias.
As microalgas são conhecidas da humanidade há séculos: há registros de sua utilização como suplemento alimentar por populações africanas no Chade e Etiópia desde o século IX, assim como pelos Astecas no México no século XVI. Atualmente são consumidos milhares de toneladas de biomassa de microalgas como suplementos alimentares, principalmente obtidas a partir de cultivos comerciais das espécies Chlorella e Spirulina cultivadas em tanques e lagos abertas.
O interesse pela utilização de microalgas para a produção de biocombustíveis e como solução para seqüestro de CO2 tomou ênfase a partir dos anos 70, através de um grande estudo realizado pelo NREL – National Renewable Energy Laboratory, nos EUA. Após vários anos de quase esquecimento, esse setor voltou a atrair a atenção de empresas, investidores e governos nos últimos cincos anos. Atualmente, quase uma centena de empresas "start-ups", fortemente suportadas por fundos de investimento ("private equity" e "venture capital"), empresas petrolíferas (Exxon, BP, Chevron, Petrobrás) e governos, principalmente o americano através do U.S Department of Energy, vem se dedicando à Pequisa e Desenvolvimento nesta área.
Mas qual a razão do repentino interesse por esses microrganismos e pela verdadeira "corrida do ouro" pelo domínio da tecnologia de sua produção? As respostas não são difíceis de serem encontradas:
• Versatilidade: microalgas e cianobactérias são organismos extremamente versáteis e com uma grande capacidade de adaptação a condições diversas (e algumas vezes extremas), seja em termo de temperaturas, presença ou não de luz solar e fontes de nutrientes. Estes microrganismos habitam os mares, águas doces e salobras, tanto limpos como eutrofizados. Algumas cianobactérias são conhecidas inclusive por suas florações em reservatórios de água, o que demonstra a sua grande capacidade de competição e sobreposição sobre outras espécies.
• Produtividade: microalgas têm uma alta taxa de reprodução exponencial, e algumas populações chegam a dobrar de tamanho em um mesmo dia. A eficiência de conversão de luz solar em biomassa é superior à de plantas superiores, e produções acima de 150 toneladas de biomassa por hectare por ano são factíveis. Considerando-se somente a rota de extração de óleo para transesterificação em biodiesel, o cultivo de micro algas permitiria a obtenção de até 50.000 litros de biocombustível / ano / hectare.
Observe a tabela acima:
• Sustentabilidade: o cultivo de microalgas por rotas fotossintéticas demanda o consumo de dióxido de carbono de fontes industriais, contribuindo para a biofixação desse gás causador do efeito estufa. Por outro lado, o cultivo por rotas heterotróficas, utilizando resíduos, permite a redução do potencial poluidor desses resíduos.
• Aplicabilidade: há uma extensa gama de possibilidades de aplicação da tecnologia, não só a produção de biocombustíveis como também de outros compostos de maior valor agregado. As principais aplicações práticas apresentadas a seguir envolvem uma ou mais das características mostradas acima, de maneira independente ou interconectadas:
Produção e utilização de microalgas
Produção de biocombustíveis por via fotossintética e biofixação de CO2
A produção de biocombustíveis líquidos é a principal fonte de motivação da indústria atualmente, e a rota de aproveitamento da energia do sol por meio da fotossíntese, detalhada a seguir é a mais explorada; nessa via há o aproveitamento do CO2 de fontes de emissão industriais ou geração industriais ou geração de energia temelétrica.
Embora o biodiesel seja considerado o principal biocombustível obtido a partir da transesterificação do óleo de microalgas, o bioquerosene para aviação também tem atraído o interesse das empresas comerciais de aviação e órgãos de representação do setor.
Algumas empresas e centros de pesquisas têm também ultimamente dedicado esforços ao cultivo de espécies de microalgas com altos teores de amidos (e não lipídeos, como no caso do biodiesel), que podem ser hidrolisados em açucares de cadeia curta e fermentados em etanol.
A biofixação de carbono em biomassa de microalgas através dessa rota fotossintética é um benefício adicional, uma vez que as microalgas necessitam de carbono para seu metabolismo. Considerando uma relação de CO2 biofixado / biomassa produzida de 1,80 e produtividades ao redor de 100 toneladas de matéria seca / hectare / ano, chegamos a um potencial de biofixação de 180 toneladas de CO2 por hectare por ano. Uma especial atenção deve ser dada ao termo "biofixação" (temporária), utilizado aqui em substituição a "seqüestro" (definitivo): em realidade o carbono biofixado volta à atmosfera quando o biodiesel ou outro biocombustível forem queimados, mas há o benefício de emissões evitadas pela não queima de combustíveis fósseis.
Produção de biocombustíveis por vias não fotossintéticas e remediação ambiental
Uma das características mais interessantes de algumas espécies de microalgas é a capacidade que elas têm de crescimento heterotrófico, ou seja, sem luz solar e com o consumo de carbono oriundo de fontes orgânicas. Esse regime produtivo "alternativo" abre possibilidade de utilização de resíduos com alta demanda biológica de oxigênio (ricos em carbono orgânico), como meios de cultivo para microalgas. Dentre as possibilidades mais promissoras dentro desse conceito, encontram-se o aproveitamento de vinhaça oriunda do processamento de cana-de-açucar em etanol e efluentes urbanos em ETEs.
Através desta rota tecnológica, há não só um enorme potencial produtivo de biomassa (superior ao das rotas fotossintéticas), como também um forte componente ambiental, uma vez que os resíduos utilizados têm o seu potencial poluidor reduzido no processo.
Geração de energia elétrica a partir de biomassa de microalgas
O aproveitamento energético da biomassa de microalgas não se restringe somente à produção de biocombustíveis líquidos (biodiesel, bioquerosene, etanol). Atualmente outros processos bioquímicos (biodigestão) e termoquímicos (gaseificação) têm sido avaliados para a produção de biogás, biometano e gás de síntese (syngas). Essas rotas abrem caminho para a produção de energia elétrica, gás veicular em substituição ao gás natural e uma enorme aplicabilidade na indústria química, que pode desenvolver compostos a partir do syngas.
Produção de especialidades químicas e produtos de alto valor agregado
Em paralelo ao potencial de produção de biocombustíveis e outras formas de energia – uma tecnologia ainda em desenvolvimento -, microalgas já estão sendo exploradas para a produção de suplementos alimentares protéicos como extratos de Chlorella e Spirulina, carotenóides para uso nas indústrias alimentícias e farmacêuticas (astaxantina, luteína, zeaxantina), rações para alimentação animal ricas em aminoácidos essenciais.
Desafios tecnológicos
Apesar de todas as características favoráveis apontadas, microalgas ainda não são uma realidade quando se trata de sua aplicação como fonte de energia. Duas questões básicas – escalabilidade e custos de produção – ainda têm de ser superadas, e grande parte das empresas e grupos de pesquisa atualmente se dedicam a essa missão.
Escalabilidade
A reprodução em escala industrial dos resultados obtidos em bancadas laboratoriais é certamente o grande desafio a ser vencido. Atualmente as maiores empresas produtoras de biomassa de microalgas para utilizações mais "nobres" não têm mais do que 100 hectares, seja em lagoas ou tanques tipo receway. As unidades produtivas que terão de ser desenvolvidas para que biocombustíveis de microalgas possam ter algum significado dentro da matriz energética de qualquer país deverão ter área ao redor de 400 a 1.000 hectares, e serão necessárias muitas delas. Isto requererá um grande avanço no que tange aos processos de engenharia envolvidos.
Custos de produção
Atualmente a produção de biomassa de microalgas para aplicações de maior valor, como cosméticos, nutracêuticos e outros, é uma atividade sustentável do ponto de vista econômico. O grande desafio consiste na redução geral dos custos de processamento para permitir sua utilização como biocombustíveis e energia. O desafio aqui não reside nas etapas de cultivo, mas sim nas etapas de separação da biomassa das microalgas de seu meio líquido, para posterior processamento.
Dúvidas existem sobre o prazo de viabilização técnico-econômica desta tecnologia para a produção de biocombustíveis e energia, mas é uma certeza que microalgas significam hoje uma das maiores esperanças do homem para um futuro de energia abundante, renovável e sustentável.
Sergio Goldemberg
Algae Biotecnologia
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