Água De Qualidade
Por Suzana Sakai - Da Redação Edição Nº 3 - outubro/novembro de 2011 - Ano 1 -
Entenda como funciona o monitoramento da qualidade das águas no Brasil
Garantir a qualidade da água, substância extremamente essencial ao planeta, não é uma tarefa nada fácil, ainda mais quando é destinada ao consumo humano. Pela lei brasileira, a água distribuída pela rede de abastecimento das companhias de saneamento à população deve atender à Portaria 518 do Ministério da Saúde, que estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. "Ou seja, deve ser potável, podendo ser utilizada pela população sem riscos de transmissão de doenças, contaminação por elementos tóxicos etc.", explica a especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Água (ANA), Maria Cristina Brito.
Em consideração a essa Portaria, as companhias de água monitoram a qualidade das mesmas por meio da Estação de Tratamento de Água (ETA) e da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE). A ETA é a unidade do sistema de abastecimento que trata a água que será distribuída à população. Ela possui um sistema de tratamento que inclui normalmente processos de retirada de substâncias nocivas ou tóxicas, além de retirada de organismos patogênicos por processos de desinfecção. "A água que dela sai é conhecida como água tratada e é encaminhada pela rede de distribuição às residências", comenta Maria Cristina.
Já a ETE é a unidade do sistema de esgotamento sanitário que trata os esgotos coletados no município e lança-os tratados de volta no corpo receptor. Seu objetivo é remover os poluentes dos esgotos, os quais causam deterioração dos corpos de água quando lançados in natura. "A importância da implantação de uma ETE é que com o tratamento dos esgotos, retira-se importante quantidade de poluentes que são lançados sem tratamento, o principal causador da poluição de nossos rios", informa a especialista da ANA.
Tanto a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb), quanto a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) utilizam um criterioso processo de monitoramento das águas por meio da análise de parâmetros físicos, químicos e microbiológicos. "São necessários indicadores físicos, químicos e biológicos para caracterizar a qualidade da água. Dependendo das substâncias presentes na atmosfera, da litologia do terreno, da vegetação e de outros fatores intervenientes, as principais variáveis que caracterizam a qualidade da água apresentarão valores diferentes. Por exemplo, é de se esperar que a água da chuva em locais próximos ao oceano apresente maior concentração de cloreto de sódio. Rios que atravessam regiões de floresta densa devem apresentar coloração mais escura do que os rios que atravessam regiões desérticas, em razão do teor de matéria orgânica na água. As variáveis físicas são medidas em escalas próprias; as variáveis químicas são usualmente dadas em concentração (mg/l ou ppm), e as variáveis biológicas, pela indicação da densidade populacional do organismo de interesse", afirma o químico da Cetesb e professor do centro universitário Fundação Santo André, João Carlos Muciaccito.
Entenda o monitoramento
A Cetesb utiliza, desde 1974, o Índice de Qualidade das Águas, adaptado do índice desenvolvido pela National Sanitation Foundation, em 1970, nos Estados Unidos. Esse sistema indicador foi elaborado a partir de uma pesquisa de opinião realizada com especialistas em qualidade de águas. Nessa pesquisa, cada especialista indicou os parâmetros a serem avaliados, seu peso relativo e a condição em que se apresenta cada parâmetro.
No Brasil, o monitoramento das águas é realizado, basicamente, por meio da avaliação de indicadores físicos e químicos.
Nas características físicas são monitoradas a cor, a turbidez, o sabor e o odor. "Certas características físicas podem prejudicar alguns usos da água. A cor e a turbidez elevadas podem tornar a água imprópria ao consumo humano pelo aspecto estético ou por manchar roupas e aparelhos sanitários", esclarece João Carlos.
Entre esses parâmetros, a cor é utilizada para indicar a presença de substâncias dissolvidas na água. "É uma característica derivada de substâncias em solução, sendo essas, na grande maioria dos casos, de natureza orgânica. A cor pode tornar o líquido inadequado para uso em indústrias de produção de bebidas e de outros alimentos, de fabricação de louças e papéis ou, ainda, para indústrias têxteis", diz João Carlos. Segundo a assessoria de imprensa da Sabesp, a cor é um fator de extrema importância no monitoramento da água. "A cor é um parâmetro de aspecto estético de aceitação ou rejeição do produto. De acordo com a Portaria 518/04 do Ministério da Saúde, o valor máximo permissível de cor na água distribuída é de 15,0 U.C", descreve.
A turbidez é a medição da resistência da água à passagem de luz. É provocada pela presença de partículas flutuando na água. "A turbidez, propriedade de desviar raios luminosos, é decorrente da presença de materiais em suspensão na água, finalmente divididos ou em estado coloidal, e de organismos microscópicos. A turbidez acentuada em águas naturais impede a penetração dos raios solares e, consequentemente, prejudica a fotossíntese, causando problemas ecológicos para o meio aquático", explica o químico da Cetesb.
O odor também é um parâmetro que pode acarretar a rejeição da água. "Os odores são associados à presença de poluentes industriais ou outras substâncias indesejáveis, tais como matérias orgânicas em decomposição, algas etc. Águas com sabor e odor acentuados são rejeitadas", afirma João Carlos.
Parâmetros químicos
As características químicas da água ocorrem em função da presença de substâncias dissolvidas, geralmente mensuráveis apenas por meios analíticos. Segundo o químico da Cetesb, entre essas substâncias merece destaque a salinidade, por ser um importante indicador de poluição por esgoto doméstico. "O conjunto de sais normalmente dissolvidos na água, formado pelos bicarbonatos, cloretos, sulfatos e, em menor quantidade, pelos demais sais, pode conferir à água sabor salino e características incrustantes. O teor de cloreto pode ser indicativo de poluição por esgotos domésticos", declara.
Outro parâmetro químico que deve ser ressaltado é a alcalinidade, que ocorre em razão da presença de bicarbonatos, carbonatos e hidróxidos, quase sempre de metais alcalinos ou alcalino-terrosos (sódio, potássio, cálcio, magnésio etc). "Exceto quanto à presença de hidróxidos (sempre adicionados, não naturais), a alcalinidade não constitui problema isolado, desde que a salinidade esteja dentro dos limites aceitáveis para o uso desejado da água. A alcalinidade influencia o tratamento da água para consumo doméstico", salienta o químico.
A dureza é outra característica que merece ser observada. Ela é conferida à água pela presença de metais alcalino-terrosos (cálcio, magnésio etc) e alguns metais em menor intensidade. "A dureza é caracterizada pela extinção da espuma formada pelo sabão, índice visível de uma reação mais complexa, que dificulta o banho e a lavagem de utensílios domésticos e roupas, criando problemas higiênicos. As águas duras, por causa de condições desfavoráveis e equilíbrio químico, podem incrustar as tubulações de água quente, radiadores de automóveis, hidrômetros, caldeiras etc", explica João Carlos.
O ferro, com certa frequência associado ao manganês, confere à água sabor, ou melhor, sensação de adstringência e coloração avermelhada, decorrente de sua precipitação. "As águas ferruginosas mancham as roupas durante a lavagem, mancham os aparelhos sanitários e podem ficar depositadas nas tubulações. O manganês apresenta inconvenientes semelhantes aos do ferro, porém, é menos comum e sua coloração característica é marrom", alerta o especialista da Cetesb.
Alguns elementos ou compostos químicos, quando presentes na água, fazem com que ela fique tóxica. Como exemplo, podemos citar o cobre, o zinco, o chumbo, os cianetos, o cromo hexavalente, o cádmio, o arsênio, o selênio, a prata, o mercúrio e o bário. "Essas impurezas podem alcançar a água a partir de efluentes industriais, drenagem de áreas agrícolas ou atividades de mineração", comenta João Carlos.
Indicadores biológicos
Os microorganismos aquáticos desenvolvem, na água, suas atividades biológicas de nutrição, respiração, excreção etc, provocando modificações de caráter químico e ecológico no próprio ambiente aquático. Os microorganismos de origem externa, como os patogênicos, por exemplo, introduzidos na água junto com matéria fecal, normalmente não se alimentam nem se reproduzem no meio aquático, tendo caráter transitório nesse ambiente. Entre os organismos que podem ser encontrados na água destacam-se as algas que, apesar de terem grande importância para o equilíbrio ecológico do meio aquático e de serem responsáveis por parte do oxigênio presente na água (produzido pelo processo da fotossíntese), podem acarretar também alguns problemas. "Entre eles, podemos citar a formação de grande massa orgânica, levando à produção de quantidade excessiva de lodo e à liberação de vários compostos orgânicos, que podem ser tóxicos ou produzir sabor e odor desagradáveis, o desenvolvimento de camadas de algas nas superfícies de reservatórios, causando turbidez e dificultando a penetração da luz solar, com a consequente redução do oxigênio do meio, o entupimento de filtros de areia em estações de tratamento da água, o ataque às paredes de reservatórios de águas e piscinas e a corrosão de estruturas de ferro e de concreto", afirma o químico da Cetesb.
Os microorganismos patogênicos, introduzidos na água junto com matéria fecal de esgotos sanitários, também ganham destaque entre os parâmetros biológico. Por causa da grande variedade de microorganismos patogênicos que podem estar contidos na água, é difícil sua detecção individualizada. É mais fácil inferir sua existência a partir de indicadores da presença de matéria fecal no meio líquido. "As bactérias usadas como indicadores de poluição da água por matéria fecal são os coliformes fecais, que vivem normalmente no organismo humano e no dos demais animais de sangue quente, existindo em grande quantidade nas fezes. Embora não sejam patogênicas, a presença dessas bactérias na água indica que ela recebeu matéria fecal e pode, portanto, conter microorganismos patogênicos. Entre as bactérias do grupo coliforme, a mais usada como indicadora da poluição fecal é a Escherichia coli", afirma João Carlos.