Leis regulamentam o tratamento para emissão de efluentes

Empresas precisam atender à legislação para obter licença, mas tratamento também pode ser feito com redução de despesas e geração de receita


Empresas precisam atender à legislação para obter licença, mas tratamento também pode ser feito com redução de despesas e geração de receita

As atividades industriais podem trazer uma série de problemas ambientais – e sérios riscos à saúde do ser humano – se não forem tomadas as medidas preventivas necessárias quanto aos efluentes industriais, que são resíduos líquidos gerados em processos industriais, a serem descartados. Nesse sentido, o controle governamental sobre a poluição ambiental na água e efluentes industriais, potabilidade, reúso e outros é cada vez mais rígido e monitorado. No Brasil, leis e decretos em nível federal, estadual e municipal regulamentam os parâmetros e limites de emissão de efluentes no meio ambiente. Por outro lado, essas exigências da legislação ambiental levaram as empresas a buscar soluções para tornar seus processos mais eficazes.
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
Já o Código Civil – Lei 10.406 de 2002, artigo 1.291 – determina que "o possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas."
No Estado de São Paulo, por exemplo, desde 1976 está em vigor o decreto 8468/76, que regulamenta a Lei 997/76 e suas posteriores modificações. Esse decreto, na seção 2, trata dos padrões de emissão dos poluentes - e apresenta os parâmetros para liberação de efluentes em corpos receptores ou rios (artigo 18) ou para a rede de esgoto (artigo 19 A). Desde então, a aplicação da lei e das normas compete à Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente (Cetesb), na qualidade de órgão delegado do Governo do Estado de São Paulo, bem como a fiscalização das atividades e licenciamento ambiental das empresas. Nos dispositivos legais estão estabelecidos os limites máximos de poluentes que podem estar presente no efluente para que o descarte seja considerado regular. Também devem ser observados os padrões de qualidade do corpo receptor, ou seja, mesmo que atendidos os padrões de emissão, deve ser verificado se a qualidade da água do rio, que varia de acordo com sua classe, não vai ser alterada além dos limites estabelecidos por estes padrões, para os poluentes que serão descartados. Já o tratamento dos efluentes resultantes do esgoto doméstico urbano – gerado pelas residências e comércio – é de responsabilidade do poder público, que já cobra da população esse serviço, feito por meio das companhias de saneamento.
Em nível federal, recentemente foi publicada a resolução nº 430, de 13 de maio de 2011, que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, e estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Esta resolução complementa e altera parcialmente a de nº 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Os comitês de bacia devem aplicar essa legislação definindo a classe dos corpos hídricos presentes na bacia, e o licenciamento ambiental para o descarte de efluentes pelas indústrias deve ser feito considerando essas classes. Portanto, tanto os padrões estabelecidos pelas normais estaduais quanto federais devem ser observados, valendo sempre aquele que for o mais restritivo.

Comparativos e sanções
Segundo o gerente de projetos especiais da Luftech Soluções Ambientais, Manuel Strauch, empresa sediada no Rio Grande do Sul, no processo de licenciamento daquele Estado, o órgão ambiental fixa os padrões de lançamento que a indústria precisa atender, considerando para tal a classe do corpo receptor, a carga de poluentes já existente e a capacidade de depuração restante do ecossistema aquático.
No Rio Grande do Sul, para os contaminantes químicos não considerados na análise da qualidade da água da resolução 357 do Conama, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) definiu uma resolução específica, a nº 129/2006. O órgão estadual cria resoluções para tratar de assuntos não abrangidos pela legislação federal, ou que necessitem rigor maior no Estado. Já o licenciamento e a fiscalização ficam sob atribuição da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e da divisão de meio ambiente da Brigada Militar.
Tanto a resolução 129/2006 do Consema quanto as orientações internas do órgão podem ser consideradas. Portanto, a indústria precisa cumprir com os ditames da sua licença ambiental, fundamentada na legislação. "Caso haja descumprimento, diferentes medidas podem ser tomadas. A mais comum é a celebração de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), no qual a empresa se compromete a resolver a situação dentro de um cronograma estabelecido. Se o problema ambiental for agudo, a empresa pode ser embargada, aplicadas multas, e ainda haver responsabilização de acordo com a Lei de Crimes Ambientais", explica Manuel Strauch, da Luftech. A empresa mantém parceria com empresas alemãs e, em 2009, uma equipe da Luftech viajou à Alemanha para visitar seus parceiros, bem como instalações das áreas de gestão de resíduos, tratamento de efluentes, e energias renováveis, trazendo ao Brasil novas soluções para o meio ambiente.
No Brasil e em vários países, a legislação ambiental regula o descarte de efluentes sobre corpos d’água limitando a carga poluidora lançada de acordo com o tipo de uso estabelecido para a água do corpo receptor (classe da água). Além disso, órgãos internacionais de financiamento de empreendimentos, como o Banco Mundial, adotam normas próprias de limitação de poluição causada por indústrias financiadas.
Na Alemanha, por exemplo, a diferença no sistema de licenciamento ambiental é que são considerados mais elementos químicos, além disso, as emissões são analisadas de forma mais ampla. "Os compostos químicos utilizados nos produtos e processos de produção devem ser comunicados, e se houver restrição a eles isto é expresso na licença. Todos os produtos químicos utilizados devem ser comunicados ao PRTR (Pollutant Release and Transfer Register) europeu. Essa é outra característica importante: hoje em dia, a União Européia tem competência para legislar sobre questões ambientais, então, o licenciador, bem como os tribunais dos países membros da União Européia, devem aplicar essa legislação", explica Strauch.
Para garantir a regularização da atividade, no estado de São Paulo a Cetesb desenvolve uma ação rotineira de fiscalização nas empresas. As indústrias geradoras de efluentes podem ser vistoriadas rotineiramente e seus sistemas de tratamento de efluentes avaliados. Amostras do efluente bruto e tratado são coletadas, assim como do corpo receptor antes e depois do lançamento, para verificação quanto ao atendimento aos padrões legais. Também, por ocasião da renovação da Licença de Operação do empreendimento, as estações de tratamento são avaliadas e sua eficiência verificada com a análise de seus efluentes. Algumas empresas monitoram periodicamente seus sistemas de tratamento e os resultados são encaminhados para a Cetesb, que os audita.
Hoje em dia, no Brasil, a grande maioria das empresas sérias e regulamentadas cumprem a legislação, pois o licenciamento para seu funcionamento exige isso. No entanto, existem muitas empresas clandestinas que ainda jogam seus efluentes na natureza sem nenhum tipo de tratamento, até que sejam interditadas pela companhia de saneamento ou outro órgão de fiscalização do estado correspondente.
No âmbito da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, o não cumprimento das normas ou exigências sujeitam o infrator às penalidades estabelecidas no regulamento 8468 – que inclui a interdição temporária ou definitiva do estabelecimento; embargo; demolição; suspensão de financiamentos e benefícios fiscais; apreensão ou recolhimento, temporário ou definitivo – cabendo a aplicação das penalidades de advertência ou multa, que pode variar entre 10 e 10.000 Ufesp (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), que hoje varia de R$ 174,50 a R$ 174.500,00.

Soluções
Além de se preocupar com a adequação à lei, cada vez mais as empresas têm buscado soluções para tornar seus processos mais eficazes. É cada vez mais frequente o uso de sistemas de tratamento de efluentes visando a reutilização de insumos (água, óleo, metais etc) minimizando o descarte para o meio ambiente.
A ação de controle, por exemplo, é parte permanente do trabalho da Cetesb. O trabalho preventivo é desenvolvido quando do licenciamento das empresas, seja de novos estabelecimentos ou da ampliação dos existentes. Nesta ocasião, os processos produtivos são avaliados e exigências quanto à adequação dos efluentes são formuladas. Neste caso, as empresas devem optar por uma alternativa para o tratamento dos seus efluentes. Uma das opções é fazer um tratamento interno, construindo uma estação de tratamento, ou acumular esses efluentes para tratar fora, como na Sabesp, por exemplo, ou em alguma outra empresa especializada nesse processo.
Como órgão responsável pela garantia e melhoria da qualidade ambiental no Estado de São Paulo, a Cetesb desenvolve diversas ações de apoio e incentivo à adoção das práticas de Produção e Consumo Sustentáveis - PCS pelas empresas, e sua aplicação pode fazer com que reduzam seu consumo de matérias-primas, água e energia, minimizando a geração de resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissões atmosféricas e até aumentando sua produtividade. Informações sobre estas ações podem ser obtidas no endereço www.cetesb.sp.gov.br/tecnologia-ambiental.
O engenheiro químico Ricardo Saad, empresário da MRA Soluções Ambientais, sediada em São Bernardo do Campo, explica que as empresas devem ter um plano de monitoramento dos seus efluentes, apresentando todos os produtos químicos em sua composição, e periodicamente enviar esse relatório com uma amostra do efluente para a Cetesb. "Claro que há muita coisa para ser feita pelas indústrias ainda. Em todo processo de licenciamento é preciso apresentar como está sendo feito o tratamento dos efluentes", afirma. "A empresa precisa apresentar um descritivo com as informações de tudo o que é gerado – efluentes, resíduos –, o que é feito com esses materiais, se gera ruído, enfim, todos os tipos de poluição no Memorial de Caracterização do Empreendimento (MCE). Após analisadas todas as características do efluente gerado, é feita a avaliação que aponta se a empresa está atendendo a legislação e qual tratamento deve ser feito no efluente para sua regularização", completa Saad.
Um dos grandes desafios para as indústrias atualmente é o reúso da água. Ao começar um projeto de tratamento de efluentes, a maioria das empresas coleta a amostra, envia para análise e faz o projeto. Já na MRA, o processo é iniciado de forma um pouco diferente: a empresa, primeiro, identifica os pontos de geração de efluentes e sugere medidas para reduzir ou eliminá-los; só então é feita a caracterização do efluente e seu consequente tratamento. "Há empresas, por exemplo, que utilizam água limpa para resfriamento, que é descartada como efluente. Nesse caso, com o simples fechamento do circuito, o efluente deixa de ser gerado. Essa medida também acaba por reduzir o custo com a água", exemplifica.
A etapa seguinte é determinar o pós-tratamento. Nesse processo, é verificado como a água de reúso poderá ser utilizada – se em lavagem de piso ou de equipamentos e reatores, por exemplo.

Custos e benefícios
O fato é que as empresas têm que atender a legislação e tomar medidas para preservar o meio ambiente; e isso é indiscutível. Porém, esses procedimentos demandam custos que as empresas precisam arcar e, muitas vezes, envolvem um alto investimento.
Na elaboração de um projeto para tratamento de efluentes, uma das principais definições é quanto à instalação de uma estação de tratamento na empresa. "É preciso avaliar o custo-benefício dessa alternativa. Para aquelas que produzem pouco efluente, por exemplo, é mais compensador fazer o tratamento fora", esclarece Ricardo Saad.
Hoje, existem muitas empresas especializadas no tratamento de efluentes. Mas antes de enviar o efluente para tratamento fora, é necessário preparar uma documentação relacionando suas características para que a empresa possa verificar se poderá fazer o tratamento daquele tipo de efluentes. Em seguida, é feito um contrato de formalização e, então, é preciso dar entrada na Cetesb do Certificado de Movimento de Resíduos de Interesse Ambiental, conhecido como Cadre, que vai autorizar esse tratamento.
No entanto, é possível adotar medidas de controle de lançamento para reduzir a geração dos efluentes e, automaticamente, os custos com o seu tratamento. Uma delas é o reúso da água tratada, já mencionado anteriormente. "A partir do momento em que desenvolvemos o projeto, é feita toda a projeção de adequação à lei e, ao mesmo tempo, de ajuste dos procedimentos para reduzir custos, revertendo em benefícios. O reúso da água já reduz bastante os custos, pois deixa de captar água da rede pública, além de diminuir o custo do esgoto", explica Saad. "O óleo, por exemplo, não vai para tratamento. Não se pode ter óleo no efluente, bem como solvente. A mistura de solvente na água é um fator que encarece muito o processo de tratamento do efluente, e a legislação estipula a ausência de solvente. Então, é preciso fazer um processo dentro da indústria para segregar o efluente e, assim, até mesmo gerar receita com o reaproveitamento de determinados produtos, com critérios de destinação. As empresas galvânicas, por exemplo, conseguem fazer a recuperação dos metais pesados, que depois voltam para o mercado como matéria-prima", descreve o empresário.
Atualmente, a grande maioria das indústrias regularizadas trata os seus efluentes atendendo às leis e aos decretos exigidos pelos órgãos reguladores; já o tratamento do esgoto é uma questão que ainda não está totalmente resolvida pelos órgãos públicos.
Mas a boa notícia é que atualmente a população está mais atenta para esse tipo de irregularidade, que já é considerado crime ecológico. É comum moradores acionarem os órgãos responsáveis ao se depararem com algum indício de lançamento de efluente irregular em seu bairro, como água em córrego com coloração ou odor diferente. Esse é um sinal de que a população está mais consciente do seu papel como cidadão e como fiscalizador, buscando preservar o meio em que vive.

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