A dualidade das algas: eutrofização em águas e a depuração de efluentes
Por Me. Luciano Peske Ceron Edição Nº 2 - agosto/setembro de 2011 - Ano 1 -
Atualmente, o desenvolvimento de atividades antrópicas está colocando em risco a disponibilidade de recursos hídricos devido à eutrofização
Atualmente, o desenvolvimento de atividades antrópicas está colocando em risco a disponibilidade de recursos hídricos devido à eutrofização e o consequente crescimento de algas. Porém, o uso de algas em lagoas de estabilização para a depuração de efluentes domésticos é a melhor solução
Nos grandes centros urbanos, normalmente utilizam-se represas para captação de água bruta. Esse tipo de ambiente, denominado lêntico, onde predomina a retenção de água por períodos longos, favorece o acúmulo de poluentes e o crescimento acelerado da comunidade fitoplanctônica, o que ocasiona um aumento considerável da biomassa. Essa biomassa, denominada por cianobactérias provoca consequências negativas sobre a eficiência e o custo do tratamento da água. Esse fato pode gerar uma perda de boa parte dos mananciais destinados ao abastecimento público. Devido ao lançamento de grande quantidade de nutrientes, proveniente de efluentes industriais e, principalmente de esgoto doméstico, o reservatório de algumas cidades vem sofrendo um acentuado processo de eutrofização e, como consequência, o comprometimento da qualidade das águas destinadas ao abastecimento público. O fenômeno de floração de algas tem sido recorrente em cidades, principalmente no verão, afetando negativamente o sistema de tratamento de água.
Por outro lado, o tratamento correto do esgoto é um tema complexo. Todas as pessoas querem se ver livres do esgoto, porém, poucas se preocupam em saber para onde vão os seus dejetos e o que é feito com eles depois que são descartados. No Brasil, o grau de poluição de nossos cursos d’água e o comprometimento dos lençóis freáticos é grave, sendo necessário tomar iniciativas no sentido de minimizar ou sanar as fontes de poluição. Torna-se com isso necessário a conscientização de que a remoção dos nutrientes das águas residuárias é uma medida importante para preservar a qualidade dos corpos receptores de efluentes de sistema de tratamento. Outro problema do saneamento no Brasil é o fato das técnicas tradicionais para tratamento de esgoto ser de alto custo, tanto de implantação como manutenção. Desse modo, métodos alternativos que diminuam despesas e garantam semelhantes desempenhos do sistema e características do efluente tratado com algas são de grande interesse para o setor público e privado. A necessidade de grandes áreas para a instalação desses mecanismos ditos tradicionais é um outro fator oneroso e dificultoso para a sua implementação.
Eutrofização e suas consequências
A eutrofização é o crescimento excessivo de plantas aquáticas, tanto planctônicas quanto aderidas, em níveis tais que sejam considerados como causadores de interferências com os usos desejáveis da água [1]. Já Chapra [2] define a eutrofização como o fenômeno do crescimento excessivo de plantas aquáticas através de uma super fertilização.
A qualidade da água de um manancial depende das características da bacia hidrográfica, incluindo clima, hidrologia, pedologia, morfologia, usos e ocupação da terra. Os lagos naturalmente recebem os sedimentos onde a decomposição do material produz nutrientes ainda em concentrações baixas, dentro de um ciclo natural. A partir do momento que a agricultura ocupa a bacia, os processos de fertilização para maximizar o rendimento das culturas acabam implicando em aportes significativos de fósforo e nitrogênio, nutrientes limitantes para as populações algais.
No caso da ocupação urbana da bacia, podem ocorrer casos de assoreamento em função da implantação de empreendimentos. Os sedimentos são então carreados para o manancial, juntamente com a drenagem pluvial urbana. Por fim, o lançamento de esgotos é o fator de maior significância na eutrofização de corpos d’água.
Na figura 1 é apresentado um evento de floração algal em Reservatório Billings.
O planejamento e a operação racional de sistemas de abastecimento de água requerem o conhecimento das relações causa-efeito que influem na qualidade da água, especialmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento de algas, visando a proteção do manancial.
O florescimento algal decorrente do aumento da concentração de nutrientes no manancial pode ter os seguintes efeitos diretos na qualidade da água:
a) Aumento da matéria orgânica particulada (fitoplâncton, zooplâncton, bactérias, protozoários, fungos e detritos);
b) Aumento de substâncias orgânicas dissolvidas que podem conferir sabor e odor à água, ser precursores da formação de compostos organoclorados, produzir ou aumentar a cor na água, servir de substrato para o crescimento de bactérias na estação de tratamento e no sistema de distribuição e contribuir para o aumento de corrosão;
c) Aumento do pH e das flutuações diárias;
d) Diminuição do teor de oxigênio próximo ao sedimento podendo ocorrer a liberação de sulfeto de hidrogênio (toxicidade), amônia, ferro, manganês, fósforo, etc. Pode ocorrer a anaerobiose no manancial provocando a mortandade de peixes;
e) Problemas estéticos, recreacionais e até de redução na navegação e capacidade de transporte, uma vez que o crescimento excessivo de macrófitas enraizadas interfere com a navegação;
f) Desaparecimento gradual do lago como um todo: em decorrência da eutrofização e do assoreamento, aumenta a acumulação de matérias e de vegetação, e o lago se torna cada vez mais raso, até vir a desaparecer.
Essas alterações de qualidade de água podem apresentar efeitos diretos ou indiretos na operação da estação de tratamento, dos sistemas de reservação e distribuição, e nos custos com produtos químicos, tais como:
a) Os efeitos na coagulação incluem aumento de coagulante e alcalinizante para ajuste do pH de coagulação;
b) Os flocos formados resultam leves, tendo-se que empregar polímero como auxiliar de floculação para evitar sua flotação;
c) Diminuição de eficiência da remoção de flocos na decantação, com aumento da turbidez e do número de partículas na água decantada;
d) Obstrução do meio filtrante, redução da duração da carreira de filtração e aumento do consumo de água para lavagem;
e) Aumento do consumo de cloro devido à presença de matéria orgânica e amônia, diminuição da eficiência da desinfecção e potencialidade de formação de compostos organo-clorados prejudiciais ao ser humano;
f) Possibilidade do crescimento de bactérias no sistema de distribuição devido ao aumento de matéria orgânica que serve de substrato, ocorrência de problemas com sabor e odor e aumento da deposição de ferro e manganês nas tubulações, diminuindo a seção útil (tuberculização).
Os custos aumentam pela necessidade de monitoramento da qualidade da água em diversos pontos do sistema de abastecimento, aplicação de algicidas no manancial e tratamentos específicos para remoção de ferro e manganês.
Os efeitos nos consumidores estão associados à presença de compostos potencialmente tóxicos e carcinogêncios, de sabor e odor, danos a roupas e aparelhos sanitários, problemas de corrosão nas tubulações, além de custos adicionais em tratamentos específicos.
Metabólitos e substâncias tóxicas produzidas por algas
Algumas cianofíceas presentes em águas doces são tóxicas, especialmente as do gênero Microcystis, Nodularia, Anabaena, Aphanizomenon e Oscillatoria. Dentre os organismos aquáticos que podem ser afetados pelas toxinas produzidas por essas algas figuram outras algas, invertebrados planctônicos e peixes, e algumas aves e mamíferos, quando utilizam água na qual proliferam tais algas. As toxinas podem ser polipeptídeos de baixa massa molecular, que atuam lentamente e causam danos hepáticos, ou alcalóides que causam bloqueio neuro-muscular e cuja ação se inicia em poucos minutos.
Algumas espécies de algas azuis, tais como Microcystis aeruginosa, Anabaena flosaquae e Aphanizomenon flosaquae produzem toxinas que podem causar distúrbios gastro-intestinais, respiratórios, neurológicos e alergias ao ser humano. As hepatotoxinas das cianobactérias podem produzir intoxicações agudas ou crônicas e considera-se que a dosagem passível de causar risco ao ser humano seja de 1 g/L. De acordo com a espécie de alga, as hepatotoxinas são denominadas microcisitnas (mais de quarenta tipos) e nodularinas. A atuação do fígado humano é atingida por absorção no intestino delgado, seguindo o mecanismo do ácido biliar; os peptídeos das hepatotoxinas provocam retração dos hepatócitos, com consequente separação das células e dos sinusóides capilares e causando hemorragia hepática [3]. As figuras 2 a 5 apresentam algumas espécies de algas azuis.
Dentre as neurotoxinas produzidas principalmente pelos gêneros Anabaena, Aphanizomenon e Oscillatoria, destacam-se a anatoxina-a, anatoxina-a(s), saxitoxina e neosaxitoxina. Estas substâncias atuam por bloqueio dos canais de sódio inibindo a transmissão neuromuscular e geralmente causam a morte de cobaias por parada respiratória.
A contaminação do ser humano pode ocorrer por contato direto com água contendo florescimento de cianobactérias tóxicas, em atividades de recreio, ou por sua ingestão. Do contato podem resultar rinite, conjuntivite, dispnéia, dermatites etc. Enquanto da ingestão, têm sido descritos quadros de gastroenterite com diarreia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais e febre, ou hepatite com anorexia, astenia, vômitos e hepatomegalia.
Alternativas para controle de algas em reservatórios
A tomada de água, especialmente em lagos, deve ser objeto de preocupação durante o projeto de estações de tratamento de água. No caso de torres, podem ser construídas tomadas em diferentes profundidades, providas de válvulas ou comportas de fechamento e, por meio de análise do fitoplancton por ocasião de florações, pode-se decidir por captar a água na profundidade que resulte em menos problemas na qualidade biológica da água a ser tratada.
Principais técnicas para combater algas:
a) Aeração/mistura: A estratificação do reservatório estimula o crescimento de algas nas camadas mais quentes e próximas à superfície, além de provocar outros problemas decorrentes dos baixos níveis de oxigênio dissolvido nas camadas anteriores. A aeração, além de provocar a mistura das águas nas diversas camadas do reservatório, evita a presença de zonas anaeróbicas, acelera o processo de remoção do fósforo e da amônia, envolvidos diretamente na floração de algas.
Os hidrocarbonetos de pequena massa molecular podem ser extraídos por "air stripping", que consiste na injeção de ar comprimido na coluna d´água. Para definir a quantidade de ar a ser injetado utiliza-se a Lei de Henry, uma vez que é a melhor que expressa o equilíbrio do hidrocarboneto entre o ar e a água. Esta técnica é somente aplicada para baixas vazões, devido ao custo.
b) Tratamento químico: Aplicação de sulfato de cobre e algicidas podem ser utilizados no controle do florescimento algal. Esta é a alternativa menos interessante face os custos da aplicação e manejo destes produtos, segurança de uso e eficiência em longo prazo.
Como consequência negativa há o acúmulo de cobre no lodo e a resistência das algas à sua aplicação. O uso de algicidas ainda é muito controverso em função da elevada toxicidade destes produtos a animais e plantas.
c) Limitação da incidência de luz solar: A luz solar é utilizada no processo de fotossíntese algal. Reduzir a incidência de luz no reservatório é uma maneira eficaz de controlar a proliferação de algas sem recorrer ao uso de produtos químicos. Essa opção é inviável em reservatórios com elevada área superficial.
Porém, algumas alternativas permitem um controle eficiente da população de algas em reservatórios como:
• Utilização de corantes, geralmente de cor azul, reduz a disponibilidade de determinados comprimentos de onda necessários para a fotossíntese;
• Cobertura da superfície dos reservatórios através de plantas, telas ou sombreamento com árvores.
d) Biomanipulação: A biomanipulação trata de um conjunto de técnicas utilizadas para favorecer o crescimento de fauna consumidora de algas. Dentre estas técnicas estão o uso de plantas macrófitas, mistura no reservatório e oxigenação. Podem ser usados zooplancton como Daphnias e Corbiculas que são predadoras naturais de algas, capazes de reduzir sua população sem consequências negativas.
A manutenção do zooplancton não é tarefa fácil em virtude da sensibilidade destes organismos a baixos teores de oxigênio e compostos tóxicos, características comuns em reservatórios altamente eutrofizados e/ou poluídos.
O controle do florescimento algal em bacia hidrográfica pode ser feito por peixes, dando ênfase a espécies exóticas como a carpa e tilápia, pois não são afetadas pelo consumo de algas tóxicas [4].
Impactos das algas no processo em ETA
As consequências mais comuns no controle do processo em ETA devido à presença de algas são:
a) Coagulação/floculação: A presença de algas implica em maior estabilidade das partículas em suspensão aumentando a dosagem de produtos químicos e no custo do metro cúbico de água tratada. No processo de floculação, o peso específico menor das algas pode levar à flotação dos flocos, causando problemas nos filtros.
Estudos de Edzwald e Wingler em estações de tratamento de água nos EUA apontam como a melhor forma de otimizar a remoção de algas neste processo, usando sulfato de alumínio na coagulação seguida de neutralização das cargas na superfície das algas com policloreto de alumínio. Em mananciais com elevada presença de algas, a flotação passa a ser a alternativa mais interessante para tratamento físico-químico da água, uma vez que a densidade das algas é menor.
b) Filtros lentos: Um dos sistemas mais eficientes para o controle de algas é a filtração lenta. Porém, a presença de algas causa a obstrução rápida dos filtros de areia em virtude do reduzido tamanho dos grãos de areia. A solução mais adotada é o uso de micropeneiradores ou de uma etapa de pré-filtração em pedregulho.
c) Estações compactas com filtração direta descendente: A presença de algas em sistemas de filtração descendente influencia além do tempo de ciclo entre lavagens, no consumo de coagulantes. A aplicação de sulfato de alumínio na água de lavagem tem apresentado bons resultados na eficiência da limpeza dos meios filtrantes.
d) Sistemas baseados em membranas: Em sistemas baseados em membranas (ultrafiltração e microfiltração) diminui o intervalo entre as limpezas e reduz a recuperação de permeado, porém, não compromete a qualidade do efluente do sistema. A solução comumente adotada tem sido o controle do florescimento de algas em reservatórios.
Remoção de algas e produtos metabólicos em ETA
Alternativas mais comuns no controle e remoção de algas nas estações de tratamento de água são comentadas:
a) Oxidação: A oxidação é um processo de desinfecção que consiste na aplicação de um processo químico (Cloro – Cl2, Dióxido de cloro – ClO2, Permanganato de potássio – KmnO4, Ozônio – O3) ou não químico (ultravioleta), que inibe os mecanismos de sobrevivência de microorganismos e algas.
O processo mais utilizado em estações de tratamento de água é o cloro, que pode ser encontrado em diversas formas (gasoso, hipoclorito, dióxido). É utilizada na pré-cloração com o objetivo de minimizar problemas operacionais associado ao crescimento de bactérias e algas nas unidades da ETA. A pós-cloração é utilizada com a finalidade de remover agentes patogênicos da água.
b) Adsorção química por carvão ativado: A adsorção em carvão ativado tem sido a alternativa mais utilizada em casos extremos, onde a concentração de algas e seus sub-produtos provam significativas alterações no sabor, odor e toxicidade da água produzida. Pode ser realizada de três formas distintas:
• Aplicação de carvão ativado em pó antes do início do tratamento. Esta alternativa é utilizada em estações de tratamento de grande porte. Permite remover as algas e seus metabólicos com grande eficiência, porém não permite a recuperação do carvão;
• Aplicação de carvão ativo granular. Apesar de menos eficiente que o carvão em pó, permite a recuperação e reutilização do carvão através da coleta nos decantadores;
• Utilização de leitos de filtração multimídia ou carvão ativado. Esta opção é convencionalmente adotada em instalações compactas. O carvão, ao invés de ser dosado na água, é utilizado como carga de um filtro que periodicamente é lavado.
Conclusões
A melhor medida para evitar problemas com florescimentos de cianobactérias é o gerenciamento da bacia hidrográfica onde se encontra o manancial. A prevenção deve sempre ser a primeira alternativa, evitando-se o acesso direto do escoamento superficial de áreas fertilizadas no manancial, a ocorrência de erosão decorrente do desmatamento e lançamento de águas residuárias de qualquer natureza no curso de água principal ou em seus contribuintes.
Referências Bibliográficas:
1. Von Sperling, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, UFMG, 3ª ed, v. 1, Belo Horizonte, 2005.
2. Chapra, S. C. Surface Water-Quality Modeling. Mc Graw-Hill, 1997.
3. Di Bernardo, L. Algas e suas influências na qualidade das águas e nas tecnologias de tratamento. Rio de Janeiro: ABES, 1995.
4. Zagatto et al. Manual de orientação em casos de florações de algas tóxicas: um problema ambiental e de saúde pública. São Paulo: CETESB, 1997.
Me. Luciano Peske Ceron
Engenheiro Químico (PUCRS), Doutorando Engenharia de Materiais (PUCRS), Mestre Engenharia de Materiais (polímeros/não-tecidos - PUCRS), Especializações em Gestão Ambiental (GAMA FILHO) e Gestão Empresarial (UFRGS). Tem experiência nas áreas: petroquímica (polipropileno, polipropileno aditivado, PET, borracha sintética, etil-benzeno), têxtil (fabricação de não-tecidos, mangas filtrantes, palmilhas, cortinas decorativas), papel e celulose, tratamento de água e efluentes, tecnologia da informação e logística por software.
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