Hospitais evitam desperdício e dão exemplos de sustentabilidade
Por Cleber Arruda Edição Nº 2 - agosto/setembro de 2011 - Ano 1 -
Dois hospitais paulistas resolveram desenvolver sistemas para o reúso de água e estão dando um banho de economia e sustentabilidade.
Dois hospitais paulistas resolveram desenvolver sistemas para o reúso de água e estão dando um banho de economia e sustentabilidade. Os projetos do Hospital Estadual Mário Covas (HEMC), de Santo André, na região do ABC paulista, e do Hospital Geral de Pedreira, na zona sul da capital, são diferentes, mas demonstram exemplos de como é possível evitar o desperdício e, para um deles, ainda gerar lucros financeiros.
É o caso do Hospital Estadual Mário Covas (HEMC), que resolveu evitar o desperdício, reaproveitando 560 mil litros de água por mês em um negócio lucrativo e criou um lava-rápido, projetado em parceria com a empresa de estacionamentos Parkímetro.
O projeto nasceu da preocupação da equipe de Gerenciamento de Resíduos do hospital com a grande quantidade de água descartada na rede de esgoto. "Percebemos o desperdício e enviamos uma mostra da água descartada do resfriamento dos geradores de vácuo do hospital para análise, no qual foi comprovada a boa qualidade dela", conta José Alexandre Filho, técnico em meio ambiente do Hospital Mário Covas.
A água em questão é utilizada para resfriar os motores geradores de vácuo do centro cirúrgico dos andares superiores. "O giro de água para resfriar as bombas não para. O sistema funciona 24 horas por dia, com alguns intervalos, o que resultava em 13 litros de água potável jogados no esgoto por minuto", explica o supervisor de manutenção, Moisés Messias da Silva.
A partir do resultado da limpidez da água, a direção administrativa do HEMC começou a elaborar um plano de engenharia para o seu reúso. A primeira ideia de reaproveitamento da água pelo próprio sistema de resfriamento apresentava problemas de superaquecimento do sistema, e com isto foi prontamente abandonado. "Não havia pressão para a água subir de volta e esquentava os aparelhos", explica José Alexandre.
Surgiu então o projeto da criação de um lava-rápido, apresentado para a empresa Parkímetro, responsável pelo gerenciamento do estacionamento do hospital, que acordou e custeou toda a implantação do sistema. "Ao todo, gastamos aproximadamente R$ 15 mil com o sistema de tubulação, máquinas, material usado na lavagem dos carros etc. Mas achamos um ótimo negócio", diz João Duarte, sócio da Parkímetro, que estima um ano para o retorno do investimento.
Tudo começa na casa das máquinas, no subsolo do HEMC, onde ficam os três motores geradores de vácuo que suprem o hospital. Nessas bombas foram instaladas tubulações nas saídas que mandam a água, que iria para o esgoto, para uma caixa d’água de 500 litros, a cerca de um metro de distância. Desse reservatório, a água vai para outro motor que a encaminha, por meio de uma tubulação subterrânea, até outra caixa d’água, esta com suporte para três mil litros, próxima ao lava-rápido.
A obra durou cerca de dois meses e foi realizada pela equipe de manutenção do próprio hospital. A inauguração do lava-rápido aconteceu no último dia 8 de fevereiro e não há por enquanto estimativas da quantidade de água utilizada ou mesmo dos lucros obtidos. De acordo com Duarte, da Parkímetro, são lavados de oito a doze automóveis diariamente ao preço de R$ 20, o mesmo cobrado por outras empresas. "Esse é o primeiro lava-rápido da nossa rede, mas pretendemos ampliá-lo", planeja Duarte, que repassa 50% do faturamento ao HEMC.
O lava-rápido tem dois compartimentos e funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h, no estacionamento inferior do hospital. Uma ótima opção para os usuários do estacionamento, que podem deixar o carro para lavar e retirá-lo depois limpinho.
Contudo, ainda sobra muita água do sistema escoando direto para o esgoto. "Foram oito anos de desperdício. Mas temos outros planos para utilizar essa água em outros projetos, como para lavagem dos contêineres do Setor de Coleta e Separação de Resíduos e de outros materiais, como os carrinhos de coleta de lixo, por exemplo", informa Messias da Silva. "Também há um projeto para a utilização dessa água em um sistema de irrigação de todo o jardim do HEMC, com estimativa de ficar pronto nos próximos meses", complementa Filho.
Ambos acreditam que a ideia de reúso da água em um lava-rápido é algo pioneiro e pela aplicação de todos esses conceitos sustentáveis, como reaproveitamento, geração de empregos e renda, esta revertida em novos projetos da instituição, já consideram o Hospital Mário Covas um forte candidato a angariar mais um prêmio "Amigo do Meio Ambiente", da Secretaria Estado da Saúde.
É importante levar em consideração que nos últimos dois anos, o HEMC levou para casa a premiação por práticas criativas de ações sustentáveis. Em 2009, pelo trabalho "Redução de Resíduos Através de Plano de Gerenciamento", que com a educação do descarte correto gerou economia de 70% da geração e dos gastos com resíduos infectantes. Já em 2010, o prêmio foi pelo projeto de arborização, com a plantação de 35 mudas nos jardins do hospital, em parceria com o Departamento de Parques e Áreas Verdes (DPAV) da Prefeitura de Santo André.
A Secretaria de Estado da Saúde concedeu o prêmio "Amigo do Meio Ambiente" no final de 2010 a 26 projetos implantados pelos serviços de saúde. E até nesse quesito os dois hospitais têm algo em comum, pois o Hospital Geral da Pedreira, na zona sul de São Paulo, com gestão da Associação Congregação de Santa Catarina, em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, levou a recompensa do ano passado pelo seu projeto de reúso de água.
O hospital desenvolveu um sistema para usar água não potável nas descargas sanitárias, lavagem de pátios e outras atividades. Para isso, foi construído um prédio anexo com 2.500 m² de área, com tubulação das caixas d’água independentes para a implantação do projeto. O resultado é a economia anual projetada em aproximadamente 360.000 litros de água por ano.
O sistema consiste em realizar a captação de águas de chuvas por meio de grandes canaletas construídas especialmente para tal finalidade. Essa água é armazenada em um reservatório inferior, que com um sistema de filtragem é bombeada até uma caixa d’água específica para esse fim.
O gerente de infraestrutura do HGP, Marcos Lucio de Oliveira da Silva, conta que a ideia do projeto surgiu a partir da possibilidade de poder aproveitar a nova construção do anexo, implementando assim um sistema que faria utilização de água de reúso ou de chuvas para outros fins. A obra foi concluída no final do ano passado.
"Como o projeto já estava aprovado antes da ideia do reúso, conversamos com a construtora que, em parceria, alterou o projeto de forma que nos atendesse, sem resultar em aumento de custos no projeto já orçado", conta Marcos Lucio.
Diferente do Hospital Mário Covas, o Hospital Geral da Pedreira não contabiliza resultados com lucros financeiros, mas percebem outros ganhos. "O valor financeiro economizado é pequeno, porém, a economia significa água potável para uma família de seis pessoas durante um ano", diz Marcos Lucio.
O que dizem as empresas do setor
Empresas como a Fluid Brasil, companhia nacional que atua em soluções para tratamento de água e efluentes desde 1990, e a Centroprojekt do Brasil, fornecedora de sistemas e equipamentos para tratamento de água e efluentes, consideram respeitáveis as iniciativas sustentáveis dos hospitais.
"Projetos como o do Hospital Mário Covas são importantes, pois hoje em dia a palavra chave é sustentabilidade, e esse trabalho mostra uma grande iniciativa da empresa", diz Anna Carolina Raposo Camelo Motinaga, química de processos da Centroprojekt.
Para o gerente comercial da Fluid Brasil, Demétrio Souza, é importante ressaltar o papel do governo em projetos como esses. "Todo e qualquer projeto que viabilize o reúso/reciclo é bem visto; já vi tratamentos para esta aplicação e eles têm um resultado satisfatório. Existem empresas que tem produtos pré-engenheirados para essa finalidade com um valor de investimento baixo. Também é importante incentivos do governo no sentido de aumentar esse tipo de iniciativa. Existem situações onde a empresa faz um estudo de viabilidade econômica, chega a um valor de investimento, mas vai até a concessionária responsável por receber e tratar o efluente e esta concede descontos na conta de água e esgoto, desencorajando a empresa a investir no tratamento.
Souza diz que já existem empresas, sendo a grande maioria de pequeno porte, que se especializaram nesse tipo de tratamento. Ele exemplifica que no Sul do País e no Rio de Janeiro empresas de transporte coletivo possuem sistemas para reciclar em até cinco vezes a água utilizada na lavagem de ônibus, gerando uma economia considerável de água e redução na geração de efluentes.
"Essas empresas nem sempre estão situadas em locais onde a coleta e tratamento do efluente pela concessionária é possível, sendo assim, a iniciativa, além de tudo, faz sua contribuição ao meio ambiente. Outra aplicação similar que tenho conhecimento é de uma rede de concessionária Fiat situada no ABC e na zona leste que possui um sistema para tratamento e reciclo da água utilizada na lavagem dos carros de seus clientes", diz Souza.
Para Anna Carolina, da Centroprojekt, o interesse por tratamento de água visando o reúso tem crescido e já existem projetos em várias empresas de diferentes áreas como alimentícia, petroquímica e higiene pessoal. "O reúso de água no Brasil ainda espera para ser institucionalizado e integrado aos planos de proteção e desenvolvimento de bacias hidrográficas. Para isso, é necessário, antes de tudo, o passo fundamental que restringe a grande maioria dos processos de modernização nacional. A tecnologia já é existente e consolidada apenas bastando implantar. A captação de água também consiste em um ponto muito importante e, pelo fato do Brasil ser um país tropical, poderíamos aproveitar de melhor forma essa fonte", considera a química.
O gerente comercial da Fluid Brasil observa que políticas de incentivo contribuíram para o desenvolvimento de mais projetos de reúso da água, relevando a importância da preservação ambiental, sem a necessidade da obtenção de lucros financeiros. "Infelizmente no Brasil, grande parte das iniciativas para projetos de reúso/reciclo surgem em busca de um retorno financeiro. Raros são os projetos com o objetivo de preservação ambiental e devido ao baixo custo da água, muitas vezes os projetos não vão adiante, nem sempre o pay back atinge o tempo desejado pelas empresas, acredito que deveríamos ter uma política de incentivo como a criada para o controle da emissão de gás carbônico para assim viabilizarmos mais projetos. Importante também lembrar que o Brasil possui empresas, universidades e pessoas capacitadas para realizar estudos de rotas de tratamento", avalia Souza.
A Fluid Brasil tem investido em seminários técnicos e workshops nos quais seus técnicos divulgam e discutem com os profissionais de empresas de engenharia e até mesmo com o usuário final as alternativas tecnológicas para implantação do reúso e reciclo de água. "Nesses seminários, orientamos os participantes a realizar um estudo das correntes existentes na empresa e, assim, determinarem quais poderiam ser reutilizadas "in natura", ou seja, com todos os contaminantes presentes sem nenhum tratamento, para que num segundo momento seja feita uma caracterização físico-química das correntes restantes, para daí iniciar o estudo das tecnologias necessárias para o reciclo do efluente restante", diz Souza.