Viabilidade do uso da água de chuvas em escolas

O problema da disponibilidade de água potável é antigo e vem se agravando com o passar do tempo.


O problema da disponibilidade de água potável é antigo e vem se agravando com o passar do tempo. O avanço urbano-industrial tem comprometido severamente os mananciais de água doce com o despejo diário de grandes quantidades de esgoto tanto doméstico como industrial, de forma que, mesmo tratando-se de um recurso renovável, o reservatório mundial de água para fins de abastecimento apresenta sinais de escassez a um curto prazo.
Tal cenário fez com que a sociedade se mobilizasse na busca de novas formas de aproveitamento e economia da água; dentre as possibilidades que se apresenta, o reúso de águas tem se mostrado uma opção promissora.
Reúso é o processo de utilização de água por mais de uma vez, tratada ou não, para o mesmo ou outro fim. Trata-se de um conceito antigo e largamente empregado em todo o mundo há muito tempo; tem-se relato de seu uso desde a Grécia antiga. A grande vantagem do reúso é a preservação da água potável exclusivamente para o atendimento das necessidades que exigem a sua potabilidade, destinando-se a água de reúso para fins menos nobres, tais quais lavagem de calçadas, ruas, regas de jardins, descargas de vasos sanitários etc...
De acordo com Fedrich e Oliynk, citado por Valle e colaboradores(4), as águas de chuva coletadas em telhados podem ser encaradas como água de reúso e usadas para fins não potáveis, dessa forma, contribuindo para a diminuição do consumo de água potável.
Tordo, citado também por Valle e colaboradores(4), demonstrou que as águas de chuva escoadas nas edificações apresentam uma qualidade que atende a maior parte dos padrões de potabilidade definidos pela Portaria 518(2) de 2004, do Ministério da Saúde; de forma que a aplicação de técnicas de tratamento físico-químicas a essa água podem adequá-la perfeitamente frente às exigências legais.
O presente trabalho teve por objetivo estudar e avaliar a remoção de impurezas contidas na água de chuva através de dois processos de tratamento:
1) Processo físico-químico: coagulação seguido de filtração e pós-tratamento mediante a aplicação de cloro;
2) Processo de filtração: filtração em leito filtrante e pós-tratamento mediante a aplicação de cloro.
O local da coleta da água de chuva, bem como parte da realização dos testes, situou-se na E.E. Prof. Quintiliano José Sitrângulo, escola pertencente à Diretoria de Ensino Leste – 4/SP. Alguns testes foram conduzidos em parceria com o laboratório de saneamento "Prof. Lucas Nogueira Garcez", do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Processo de tratamento físico-químico
O processo físico-químico baseia-se na remoção do material particulado por meio da adição de produtos químicos, chamados de coagulantes. Basicamente, o coagulante, que pode ser entre outros sais de alumínio ou de ferro, tem a capacidade de desestabilizar eletricamente as partículas presentes na água e fomentar sua aglutinação em flocos maiores, o que facilita sua sedimentação e consequente separação da fase líquida. Posteriormente, essa água decantada sofrerá uma etapa de filtração para eliminar as partículas remanescentes. Por fim, para efeito de a segurança microbacteriológica, faz-se necessário a aplicação de um agente desinfetante, comumente o cloro, a fim de eliminar os organismos patogênicos eventualmente presentes.
A seguir, apresentam-se, resumidamente, as principais etapas do processo físico-químico:
• Coagulação: o coagulante é adicionado à amostra em um ponto de alto gradiente de velocidade, para se garantir a perfeita mistura e desestabilização de todas as partículas;
• Floculação: uma vez desestabilizadas eletricamente, as partículas podem se agregar ao coagulante, formando o floco, mantendo-se a amostra em um gradiente menor de velocidade de mistura;
• Sedimentação: cessa-se a mistura e permite-se que os flocos sedimentem-se para o fundo do jarro, causando a separação da fase sólida da fase líquida;
• Filtração: a água decantada é conduzida a filtros por gravidade para se remover as partículas remanescentes da etapa anterior;
• Cloração: é adicionado cloro à água filtrada a fim de se eliminar os microrganismos presentes.
Com o intuito de se chegar às condições ótimas de tratamento, como dosagem de coagulante, pH, dosagem de cloro, entre outros, são realizados ensaios de tratabilidade, utilizando-se o equipamento de "Jar Test", o qual permite simular as etapas de tratamento a serem empregadas no processo.
O equipamento de "Jar Test" conta com seis jarros nos quais são introduzidas as amostras, e em cada um é testada uma condição diferente, como, por exemplo, variações nas dosagens de coagulante, diferentes pH etc...
Concomitantemente, é necessário fixar-se parâmetros para avaliar a eficiência obtida nesses ensaios no que diz respeito à remoção dos poluentes e contaminantes presentes na água. O ideal é que sejam parâmetros simples de serem obtidos e que tenham uma direta correlação com o objetivo de tratamento do ensaio.
Assim, avaliando-se os resultados de tais parâmetros obtidos em cada situação simulada no "Jar Test", torna-se possível chegar às condições ideais para o tratamento.

Processo de tratamento de filtração
Por definição, trata-se de um processo de separação sólido-líquido utilizado para promover a remoção de material particulado presente na fase líquida.
Os filtros são constituídos por meios filtrantes e camada suporte. O meio filtrante pode ser composto por carvão antracito e areia (dupla camada), somente areia (camada simples), ou areia grossa (alta taxa ou camada profunda). A camada suporte é formada por pedregulhos de diferentes granulometrias.
Em geral, os filtros possuem taxa de aplicação que variam de 180 m³/m².dia para o de camada simples, a 600 m³/m².dia para os de camada profunda, ficando os de dupla camada com taxas intermediárias (240 m³/m².dia), sendo estes os mais utilizados.

O ensaio de tratabilidade
O ensaio de tratabilidade foi dividido em duas etapas: na primeira, estudou-se a eficiência e aplicabilidade do processo físico-químico na obtenção de água de reúso, e na segunda, a eficiência e aplicabilidade do processo de filtração para o mesmo fim.
O objetivo é obter dados comparativos entre as duas metodologias e verificar se é possível simplificar o processo, empregando uma simples filtração, ou se é indispensável o uso de produtos químicos (coagulantes) para obter uma água final de qualidade.
A determinação dos parâmetros para avaliação da eficiência das tecnologias experimentadas seguiu metodologia descrita no Standard Methods(1). A tabela 1 relaciona os parâmetros utilizados.

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Coleta da amostra
Para coleta da água de chuva empregada na realização dos testes, foi acondicionada, na saída de uma das calhas coletora de água de chuva da E.E. Prof. Quintiliano, uma caixa de plástico com capacidade de 100L, como mostra a figura 1.

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Do total de água coletada, retirou-se apenas a porção superior (sobrenadante), evitando-se coletar junto o material grosseiro que já havia sedimentado, gerando um volume de 25 litros de amostra. A tabela 2 apresenta os resultados obtidos na caracterização química dessa amostra.

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Ensaio físico-químico
Uma vez coletada, a amostra foi conduzida ao laboratório da escola, onde se realizou os ensaios de "Jar Test".

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Optou-se por utilizar-se o sulfato de alumínio como coagulante, devido ao seu menor custo em relação a outros coagulantes, variando sua dosagem em 10, 20, 30, 40, 60 e 80mg/L e mantendo-se o pH fixo entre 6,00 e 6,50. A tabela 3 apresenta as condições operacionais empregadas no teste.

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A fim de se verificar a eficiência do processo, optou-se pelo monitoramento dos seguintes parâmetros:
• Cor;
• Turbidez;
• Sólidos em suspensão (SS);
• Carbono orgânico total (COT);
• Contagem de bactérias heterotróficas (CBH);
• Coliformes fecais e totais.
Após a etapa de sedimentação, foi coletada amostra da água decantada, e que foi submetida a uma filtração. Em seguida, foram realizadas, na água filtrada, as análises dos parâmetros pré-determinados.

Resultados
A tabela 4 apresenta os resultados obtidos para cada jarro do ensaio de "Jar Test".

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Comparando os resultados obtidos nos testes com os valores presentes na água bruta (tabela 2), pode-se avaliar a eficiência do processo. A figura 3 ilustra esse fato.

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Comparando-se os resultados obtidos nas dosagens de coagulante de 20mg/L com a de 80mg/L, conclui-se que a primeira mostrou-se mais eficiente, posto que, além de remover na mesma ordem de grandeza as impurezas, ainda tem a vantagem na economia do coagulante. Observa-se, na dosagem de 20mg/L de coagulante, 100% de remoção de cor e 80% de remoção de turbidez; entretanto, o gráfico aponta para uma remoção insatisfatória de COT, Bactérias Heterotróficas e de Coliformes Totais e Fecais, o que torna necessário a etapa de pós-tratamento: a cloração.


Pós-tratamento: cloração
O cloro é o agente oxidante mais comumente empregado para o objetivo de desinfetar a água. Devido ao longo tempo de manuseio do produto, tornou-se possível conhecer bem seu comportamento químico no meio aquoso, além do custo torná-lo compatível com o seu emprego.
Para efeito de geração de um volume de amostra suficiente para realização do ensaio de cloração, foi feito outro ensaio de "Jar Test", agora mantendo-se fixo o valor da dosagem do coagulante em 20mg/L e o mesmo pH (6,00-6,50). As condições operacionais foram as mesmas já descritas na tabela 3, bem como o procedimento de filtração da água decantada.
Foram coletados 3 litros de água filtrada, e divididos em 3 béqueres de 1L, mantidos em constante agitação; em cada béquer foi adicionada dosagem diferente de cloro, a saber: 1,0; 2,0 e 4,0 mg/L. O tempo de contato do cloro com as amostras foi definido em 30 minutos, após os quais, cessou-se a agitação e coletou-se amostras para determinação do residual de cloro e dos demais parâmetros analíticos.
A tabela 5 aponta os valores obtidos em cada béquer

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Os testes de cloração demonstraram-se eficientes na eliminação dos microrganismos, bem como contribuindo na redução do COT.
Comparando os resultados obtidos no ensaio com 4,0mgCl2/L e os valores dos respectivos parâmetros expressos na Portaria 518(2), torna-se possível constatar a eficiência no processo:

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Ensaio de filtração
Foram construídos três sistemas de filtração, cada um com um meio filtrante: Areia, Carvão ativado granular (CAG), Areia + CAG.
Para efeito de padronização do teste, fixou-se a vazão para os três meios filtrantes em 50mL/min. Dado o diâmetro efetivo do leito filtrante e altura, pode-se determinar o tempo de contato em 6 minutos e a taxa de escoamento superficial em 0,0178m/min. Abaixo, as equações empregadas na determinação dos parâmetros:

1) Determinação da área do meio filtrante:
A = ?*d2/4
A: área do meio filtrante em m2;
D: diâmetro do meio filtrante em m.

2) Determinação do tempo de contato (líquido/meio filtrante):
Q = h*?*r2/TC
Q: vazão da amostra em m3/min;
h: altura do meio filtrante em m;
r: raio do meio filtrante em m;
TC: tempo de contato em minutos.

3) Determinação da taxa de escoamento superficial:
qa = Q/A
qa: taxa de escoamento superficial em m/min
A figura 4 apresenta o sistema de filtração empregado nos testes.

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As amostras só foram coletadas após os 30 primeiros minutos, a fim de lavar os meios filtrantes. Uma vez coletadas, foram levadas para o laboratório e determinados os parâmetros como ilustra a tabela 7.

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Comparando os resultados obtidos, percebe-se uma ligeira melhora no uso de CAG, sobretudo na remoção de TOC, o que possibilita um menor consumo de cloro na etapa de desinfecção.
A exemplo do ensaio físico-químico, foram coletados 3 litros de água filtrada, e divididos em 3 béqueres de 1L, mantidos em constante agitação; em cada béquer foi adicionada dosagem diferente de cloro, a saber: 1,0; 2,0 e 4,0 mg/L. O tempo de contato do cloro com as amostras foi definido em 30 minutos, após os quais, cessou-se a agitação e coletou-se amostras para determinação do residual de cloro e dos demais parâmetros analíticos.
A tabela 8 aponta os valores obtidos em cada béquer.

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Comparando os resultados obtidos no ensaio com 2,0mgCl2/L e os valores dos respectivos parâmetros expressos na Portaria 518(2), torna-se possível constatar a eficiência no processo:

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De posse dos resultados acima descritos, pôde-se compará-los e, assim, concluir que a filtração com CAG seguido de desinfecção com 2mg/L de cloro mostrou-se ser a mais eficiente para essa situação. A figura 5 ilustra esses valores:

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Conclusão
Ao cabo dessas considerações e inferências acerca dos resultados obtidos nos ensaios de tratabilidade, pode-se concluir que:
• Torna-se viável o uso de água de chuva para fins menos nobres, como lavagem de pátio e rega de jardins, em escolas;
• Devido à qualidade da água de chuva coletada na escola, faz-se necessário seu tratamento, a fim de adequá-la em seu uso;
• Das tecnologias testadas nessa pesquisa, a filtração com carvão ativado granular (CAG) seguido de desinfecção com 2mgCl2/L mostrou-se ser a mais prática e eficiente.


Referências bibliográficas:
APHA, AWWA, WEF, "Standard Methods for Examination of Water and Wasterwater". American Public Health Association, 21th ed. Washington, 2005

Ministério da Saúde, "Portaria 1469/2000. Controle e Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano e seu Padrão de Potabilidade". Brasília, Fundação Nacional da Saúde, 2001.

Piveli, R.P., Kato, M.T. "Qualidade das Águas e Poluição: Aspectos Físico-Químicos". Editora ABES, 2006.

Valle, J.A.B.; Pinheiro, A.; Cipriano, R.F.P.; Ferrari, A., "Aproveitamento de Água de Chuva: Avaliação do seu tratamento para Fins Potáveis". 23o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental.

 

Fábio Campos (Mestre em Eng. Sanitária – EPUSP);
Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP

 

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