Tratamento de água e esgoto: um mercado promissor para uma questão essencial
Por Ana Lúcia Machado Almeida Edição Nº 1 - maio/junho de 2011 - Ano 1 -
Aumento do número de parcerias público-privadas é aposta para que o saneamento básico tenha solução mais rápida e efetiva no País
Estudos afirmam que a primeira Estação de Tratamento de Água (ETA) foi construída em Londres em 1829 e tinha a função de coar a água do rio Tâmisa em filtros de areia. A ideia de tratar o esgoto antes de lançá-lo ao meio ambiente, porém, só foi testada pela primeira vez em 1874, na cidade de Windsor, Inglaterra. Com a descoberta de que doenças letais da época (como a cólera e a febre tifóide) eram transmitidas pela água, técnicas de filtração e a cloração foram mais amplamente estudadas e empregadas.
Há um consenso de que os investimentos em tratamento de água e esgoto precisam ser feitos o mais rápido possível, não só pela crescente escassez desse recurso, mas também como uma das ferramentas para diminuir a desigualdade social. Apesar de o Brasil ter 12% de toda reserva mundial de água no mundo, e 95% da população urbana ser atendida com rede de água, nem sempre esse recurso natural chega às torneiras, e o problema é que, quando chega, nem sempre é potável. Para piorar, entre aqueles que possuem água encanada, 25% convivem com rodízio.
Em relação ao esgoto, a situação é ainda pior: 49% da população urbana não têm rede de esgoto, o que significa que todos esses detritos são jogados diretamente, in natura, nos córregos e rios. Dessa parcela provida de coleta, apenas 30% do esgoto recebe tratamento; todo o restante é despejado na natureza.
De acordo com o relatório da GEO Brasil Recursos Hídricos – parceria da Agência Nacional de Águas (ANA), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) –, para reduzir à metade a população desatendida e ainda suprir a demanda crescente de água e saneamento nas cidades, o governo brasileiro terá de investir cerca de R$ 170 bilhões de reais até 2020, sendo que o PIB do Brasil, em 2008, foi de cerca de R$ 3 trilhões. Ou seja, uma solução sustentável para o problema do tratamento da água e o saneamento urbano pressupõe um investimento por parte do País de cerca de 0,5% do PIB/ano.
Hoje, o setor privado é responsável por apenas 10% do tratamento de água no País; municípios ficam com 20% da parcela, e grande parte fica por conta das CESBs (Companhias Estaduais de Saneamento Básico), 70%.
A realidade é que o setor de saneamento em geral não tem conseguido cumprir suas obrigações e responsabilidades. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas dos Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Yves Besse, para agilizar esse atendimento, que hoje é premente, uma das alternativas mais acertadas seria o aumento das parcerias público-privadas, que passou de 6% em 2006 para 10% em 2010. "Percebemos que, apesar de lenta, a participação das empresas privadas na concessão de serviços de saneamento tem avançado, o que é um bom sinal. Se esse avanço fosse mais acelerado, com certeza traria importantes soluções para o setor como um todo", afirma.
O diagnóstico feito hoje pela Abcon é que este é um setor carente de planejamento em nível federal, estadual e municipal. "Um dos maiores equívocos é que o saneamento é visto pelo setor político como obra, e não como um serviço público essencial à saúde da população", observa Yves. "É fundamental que as prefeituras elaborem um planejamento para definir como chegar à universalização do serviço de saneamento nas suas cidades. Para isso, é preciso fazer um plano de negócios, estabelecendo metas e, principalmente, assumindo a responsabilidade pela fiscalização, primordial para o bom resultado do serviço", pontua.
Na visão da Abcon, a incapacidade dos municípios para elaborar e gerir os projetos, assim como a falta de recursos financeiros para investir, podem ser apontadas como sendo algumas das razões pelas quais as obras demoram a acontecer. "Infelizmente as ações por parte do poder público ainda estão muito lentas. É preciso investir em projetos que tornem a operação eficiente e, principalmente, em tecnologia adequada, o que garantirá a qualidade do serviço e o barateamento do custo", ressalta o presidente da entidade. "O setor de saneamento é o mais atrasado de toda infraestrutura brasileira. O investimento nas parcerias público-privadas é, sem dúvida, o mais adequado para que o saneamento público saia do papel e, finalmente, se torne uma realidade em benefício da saúde de milhões de brasileiros", conclui Yves Besse.
Universalização e redução de perdas
No caso de São Paulo, a Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp), maior empresa de saneamento da América Latina, que atende a 364 municípios, investiu cerca de R$ 6 bilhões nos últimos quatro anos (2007-2010) rumo à universalização dos serviços – 100% de água tratada, 100% de coleta de esgoto e 100% de tratamento de esgoto. Para o período 2011/2013, a previsão de investimento no setor é de mais de R$ 5 bilhões.
O Programa Metropolitano de Água é um dos principais programas da Sabesp, que materializou seu primeiro grande investimento na forma de PPP (Parceria Público-Privada) no Sistema Produtor Alto Tietê, proporcionando a elevação de sua capacidade de tratamento de água de 10 para 15 m3/s. A iniciativa visa o abastecimento de 20 milhões de pessoas na Grande São Paulo, com investimento total de R$ 1,3 bilhão.
Entre os principais investimentos da companhia em relação à água está a redução das perdas. A média do Brasil de perdas é de 40% e em alguns Estados do Nordeste chega a mais de 60% (como em Alagoas, por exemplo). A Sabesp tem perda física de 16%, com a meta de chegar em 2015 em 8%.
Desde 2009, a companhia desenvolve um programa corporativo de ações de combate às perdas, que engloba um horizonte de 11 anos (2009 – 2019). Estão previstos investimentos da ordem de R$ 3,4 bilhões nesse período (valores com referência de out/07), principalmente em ações como substituição de redes e ramais de água, setorização (com redução de pressão da água) e substituição de hidrômetros.
A primeira fase, 2009-2011, teve financiamento de R$ 700 milhões do BNDES. A segunda, 2012-2013, está em negociação com a Jica (Japan International Corporation Agency) e prevê aportes de US$ 572 milhões, sendo US$ 366 milhões do órgão japonês e US$ 206 milhões de contrapartida da companhia.
A iniciativa privada também vem adotando medidas buscando otimizar o consumo de água com a instalação de Estações de Tratamento de Esgoto, reúso de água tratada, captação de água da chuva, entre outras ações cotidianas que ajudam em muito a preservação dos recursos hídricos e a melhor utilização desse recurso natural.
Avaliação do setor privado
Apesar de ainda considerarem pequenos os investimentos do poder público no setor, algumas empresas reconhecem os esforços do governo – nas esferas federal, estadual e municipal – em incentivar a utilização de mecanismos que promovam a preservação da água, incluindo o tratamento de água e efluentes. Na opinião do gestor da Unidade de Negócios Mizumo - Grupo Jacto, Giovani Toledo, com o advento da Copa do Mundo e das Olimpíadas, o Brasil tem chances de intensificar essas ações em diversos segmentos: residenciais, industriais, empresariais e, principalmente, no hoteleiro. "É uma importante oportunidade para que todos os setores deem um salto nos índices de saneamento, aplicando práticas de sustentabilidade e preservação do meio ambiente, com a introdução de tecnologias eficientes e adequadas", avalia.
O mercado industrial brasileiro de tratamento de água e efluentes tem a estimativa de um promissor e constante avanço, com grande geração de receita. Essa probabilidade se deve ao veloz crescimento da atividade industrial analisada nos últimos anos, o que fez estimular a expansão dos negócios. No entanto, a melhoria da infraestrutura básica do País é vista como necessária pelo setor privado para que essa expansão se efetive.
O diretor geral da Fluid Brasil, José Eduardo Rocha, considera que o mercado de tratamento de água no País está em expansão, apesar de ter um crescimento lento, principalmente nas regiões mais pobres, como norte e nordeste. "Na área municipal, entendo que o maior impasse seja a destinação de verbas públicas para esse fim; os investimentos governamentais ainda são pequenos. Já na área industrial há um aumento significativo do tratamento de água pelo custo atual da água e pela necessidade de usar esse recurso de forma responsável", pontua, acrescentando que o meio industrial já tem uma grande percepção do problema: "Há uma boa conscientização das indústrias para evitar poluir e consumir em excesso esse bem, além disso, o tratamento de água e sua reutilização já são programas obrigatórios em grandes empresas", completa.
Douglas Silveira Moraes, gerente de produto da Tech Filter, compartilha da mesma opinião quanto à expansão desse mercado e complementa que, nos últimos anos, a procura por soluções em filtração, tratamento e reúso de água e efluentes cresceu de forma muito agressiva para vários setores. Entre os segmentos industriais destacados como dominantes no mercado de tratamento de água e efluentes no País estão o petroquímico, alimentos e bebidas, papel e celulose e de usinas sucroalcooleiras, uma vez que a demanda por seus produtos vem apresentando alta ao longo dos últimos cinco anos. "Como a água é a matéria prima na maioria dos produtos, de forma direta ou indireta, a procura por estações de tratamento compactas e eficazes e sistemas de aproveitamento através de reúso foram os responsáveis pela maioria dos projetos e das cotações desenvolvidos em 2010, mantendo o mesmo ritmo em 2011", informa Moraes.
Outro fator que torna esse mercado promissor é que o tratamento de água já é considerado uma necessidade, e não luxo. Vários processos exigem qualidade de água apurada como água para caldeiras, água de fabricação de bebidas, farmacêutica, cosmética e alimentícia, principalmente. Esses processos exigem que a água tenha características físico-químicas e bacteriológicas dentro de padrões estabelecidos e, por isso, precisam passar por processos de tratamento específicos de acordo com a qualidade de água bruta de cada caso e a qualidade de água tratada desejada.
O setor de tratamento de efluentes também tem forte tendência para aplicações que possuam a possibilidade de reúso do efluente tratado, como forma de reduzir a necessidade de captação de fontes externas e atendimento a normas e leis ambientais.
Para o gerente de marketing da GE Power & Water, Matheus Salvadori, os fatores escassez e qualidade são dois grandes problemas com os suprimentos de água nos dias de hoje e que têm colaborado para transformar a visão desse mercado. "De uma maneira geral, a procura por crescimento sustentável vem fazendo com que a indústria busque alternativas de tratamento de sua água para processos e também para o descarte e reúso. Tendo esses fatores em vista, a implementação de uma regulamentação mais exigente (em termos de descarte de água, por exemplo), também é um fator importante de impulsão desse mercado", afirma.
Salvadori destaca ainda a mudança de visão com relação à sustentabilidade. "Crescimento sustentável passa a ser muito mais do que um mero conceito. Através de ações reais, isso tem se tornado uma alavanca importante de negócios. Fatores ambientais passam a ter papel fundamental nesse tipo de decisão, então, essa redução de impacto ambiental passa a fazer sentido comercial", observa.
Investimentos públicos
O desenvolvimento do setor depende em grande parte de recursos públicos, já que iniciativas dos governos federal, estaduais e municipais são responsáveis por quase 70% do volume de investimentos deste mercado.
A esperança era que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), instituído pelo governo Lula no início do seu segundo mandato, impulsionasse o crescimento deste setor. Inicialmente, o programa previa investimentos de R$ 40 bilhões para saneamento entre 2003 e 2010, provenientes de recursos da União, dos investimentos privados e das contrapartidas de estados, municípios e prestadores de serviços em geral. Além do PAC, a nova Lei do Saneamento, a lei federal 11.455/07, sancionada em 2007, estabelecendo um marco regulatório para o setor de saneamento, é vista por alguns técnicos como uma ótima novidade, já que propicia mais segurança a todos os agentes.
No entanto, em 2010 foram disponibilizados R$ 3,17 bilhões, por meio de financiamento da Caixa Econômica Federal, voltados ao saneamento básico para todo o País, muito embora distribuídos de forma desigual entre as regiões. O Sudeste recebeu a maior parte, R$ 1,42 bilhão, para executar 31 projetos. Já a região Norte ficou com a menor parcela: apenas dois projetos foram contemplados, com valor pouco acima de R$ 95 milhões. Os dados foram divulgados pela Superintendência Nacional de Infraestrutura da Caixa Econômica Federal.
Na visão do superintendente executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Walder Suriani, para um setor que nas últimas décadas investiu em torno de R$ 3 bilhões por ano, os recursos destinados pelos PAC I e II significam um aumento significativo de investimentos em abastecimento de água e esgotamento sanitário, capazes de ampliar significativamente os indicadores do setor. Entretanto, ao término do PAC I, algumas preocupações ainda povoam o universo dos prestadores de serviço.
"O programa poderia ter resultados melhores em função de uma série de dificuldades ainda não equacionadas. Por exemplo, não há um modelo de financiamento de longo prazo para o setor – os PACs têm prazo de validade de quatro anos – o que prejudica o planejamento das empresas. Isso refletiu no desenvolvimento do programa, muito focado em ações de curto prazo", afirma Suriani, complementando que há muita burocracia no acesso e na aplicação dos recursos, com excesso de exigências para as companhias estaduais de saneamento, com aumento de custos e atrasos nos empreendimentos. "Em consequência, os desembolsos estão sendo, em média, 50% do valor contratado."
De acordo com o superintendente da Aesbe, nesse momento de construção institucional do setor, os operadores dos serviços se ressentem de algumas ações governamentais, tais como ausência de programas de investimentos de longo prazo; ampliação das fontes de financiamentos; destinação de recursos orçamentários a tratamento de esgoto e para usuários de baixa renda; criação de programa voltado à melhoria da gestão dos serviços e redução da carga tributária do setor para alavancar os investimentos, entre outras.
A boa notícia veio com a declaração da presidente Dilma Rousseff em janeiro, durante a primeira reunião do grupo de infraestrutura que reúne 18 ministérios do governo, presidentes de estatais e bancos públicos envolvidos na execução e financiamento do PAC, que elevou os ânimos das companhias estaduais de saneamento. A presidente cobrou mais rapidez e simplificação dos procedimentos para execução das obras da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II), o que vem ao encontro dos interesses das companhias de saneamento, que sempre buscaram a diminuição da burocracia para implementar as obras de esgotamento sanitário e de abastecimento de água. Nessa nova etapa do programa, a previsão para a área de saneamento é de R$ 22,1 bilhões.
Uma tendência positiva é que os setores público e privado estão de acordo quanto a uma questão fundamental: a importância da economia e preservação da água, esse bem tão essencial para todos os seres vivos. No setor público, vários projetos e ideias têm sido desenvolvidos para economizar água, sejam eles voltados para tratamentos de efluentes e promovendo o reúso, ou ações simples de uso mais consciente da água. No setor privado, além da preocupação com o meio ambiente – que felizmente cada vez mais vem conquistando espaço – o impacto financeiro do desperdício também está sendo levado em consideração.