Serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos
Fiesp -
Evento na Fiesp debate sobre a regionalização de serviços, investimentos e o uso de novas tecnologias
O Brasil produz 65 milhões de toneladas de lixo domiciliar e público por ano: apenas 2,1% são reciclados e 53% são descartados de forma inadequada. Há, portanto, déficit de cobertura de soluções para a destinação correta, um problema para a saúde pública e para o meio ambiente.
O novo marco do saneamento básico (Lei nº 14.026/2020) estabeleceu regras de atendimento e de equilíbrio dos contratos de prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. De acordo com a lei, a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deveria ser implantada até 31 de dezembro de 2020, exceto para os Municípios que até essa data tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e que garantam sua sustentabilidade econômico-financeira. Este prazo pode se estender até 2024 em municípios com menos de 50 mil habitantes. Além disso, nos casos em que a disposição de rejeitos em aterros sanitários for economicamente inviável, poderão ser adotadas outras soluções, observadas normas técnicas e operacionais estabelecidas pelo órgão competente, de modo a evitar danos e a minimizar os impactos ambientais.
A partir disto, a Fiesp realizou nesta terça-feira (7/3) um seminário voltado à discussão desse novo marco legal do saneamento, com foco em oportunidades, gestão, universalização, investimentos públicos e privados, bem como o uso de novas tecnologias para os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).
O diretor do Departamento de Infraestrutura (Deinfra) da Fiesp, Luis Felipe Valerim Pinheiro, explicou que, além da pauta de resíduos sólidos, outros temas que merecem a atenção são a pauta regulatória e a de serviço. “Temos o desafio sobre o gerenciamento dos resíduos, mas também precisamos discutir modelagem e viabilidade dos projetos e entender como as novas tecnologias podem ajudar no alinhamento às melhores práticas internacionais”, contextualizou.
A secretária nacional de Saneamento Ambiental substituta, Patrícia Areal, observou que houve grande avanço nas questões relacionadas ao sistema de tratamento de água e esgoto, mas, quando se fala sobre resíduos sólidos, há um longo caminho a ser percorrido. A regionalização dos serviços por meio do consórcio público é uma alternativa apontada por ela. O novo marco legal contribuirá para o avanço nesse setor, inclusive no que toca à questão dos aterros sanitários. “O Ministério [do Meio Ambiente] tem buscado apoiar os estados e municípios na definição de alternativas e está aberto ao diálogo”.
O secretário executivo da Frente nacional dos Prefeitos, Gilberto Perre, disse entender a agenda dos resíduos como fundamental e defendeu uma Proposta de Emenda constitucional (PEC) que permita a cobrança específica da taxa de limpeza pelos municípios, de modo que a arrecadação para essa finalidade gere maior segurança jurídica e para que os municípios façam o lançamento devido da contribuição, que atualmente não segue um padrão único. Ele diz não se tratar de uma questão meramente política, mas técnica.
O diretor Valerim, reiterou a importância do novo marco legal em relação aos RSUs; lembrou que os órgãos de controle precisam ser mais incisivos na fiscalização e que não cabe a eles a formulação de políticas públicas. Ele ainda ressaltou a importância do fomento por parte do Estado. “O controle muitas vezes extravasa os limites e acaba invadindo o espaço da formulação de políticas públicas. Entretanto, em RSU deve-se valorizar o controle com relação aos prazos e observar o que está sendo feito para o cumprimento deles, para que a política pública seja formulada e aconteça”, de acordo com Valerim.
Fabrício Dorado Soler, diretor de saneamento do Deinfra, tratou da cronologia regulatória até o marco atual e os desafios postos: dos 5.570 municípios brasileiros, de 1.800 a 1.900 realizam cobrança, mas apenas 200 deles têm viabilidade econômico-financeira para fazer frente ao manejo de resíduos sólidos. Ou seja, hoje 2.500 municípios ainda enviam o que é gerado para os chamados lixões. “Não dá para tratar com naturalidade esse cenário”, alertou, ao lembrar que nós somos os geradores de resíduos, dentro do conceito de poluidor-pagador, e o município gerencia. Por isso, para a Fiesp é essencial trabalhar com previsibilidade e segurança jurídica, sinalizou ele.
Evaldo Azevedo, coordenador da agenda de resíduos da Secretaria de Infraestrutura, Meio Ambiente e Logística do Estado de São Paulo, frisou o fato de o Estado de São Paulo ter 45,2 milhões de habitantes, com 645 municípios, e gerar 40 mil toneladas de resíduos/dia. Segundo informou, 536 municípios geram 20 toneladas/dia, ou seja, um volume concentrado e é preciso ter escala e regionalização para equacionar a questão. Entre os maiores geradores, Guarulhos, Campinas e o próprio município de São Paulo.
“A interface com os municípios é ponto de atenção para eliminar os lixões até 2024”, alertou o coordenador. No Estado, ainda há 251 aterros em vala e trincheira. A distância até o destino é outra questão urgente: às vezes é preciso rodar 180 km entre o município e o aterro, conforme explicou.
Hoje há 27 protocolos de intenção entre o Governo do Estado e os consórcios municipais para a regionalização, que é essencial para fazer Parcerias Público-Privadas ou concessões diretas para a iniciativa privada, afirmou o participante, elencando os desafios que estão à frente e que vão além da mera gestão. Também envolve Economia Circular, responsabilidade pós-consumo, lixo no mar, resíduos da construção civil, da mineração, da indústria, do transporte e da saúde, entre outros.
Os desafios do gerenciamento
Gustavo Zarif Frayha, diretor de Regulação dos Serviços de Saneamento da ARSESP, lembrou que a atuação do órgão abrange 348 municípios conveniados para água e esgoto e 4 no âmbito dos resíduos sólidos. Assim, abrange 65% da população e mais de 50% dos municípios do Estado, sendo um parceiro estratégico, portanto, nesse processo.
A ARSESP, em conjunto com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL), deu início a projeto-piloto de regulação da prestação regionalizada e foram analisados os estágios de 28 protocolos de intenção entre o governo do Estado e 4 consórcios pré-selecionados. Nesse sentido, Frayha lembrou que os municípios já regulados são Barueri, Diadema, Guaratinguetá e Campos do Jordão.
“Se continuarmos nessa toada, o ponto sem retorno está muito próximo”, sinalizou Carlos Silva Filho, diretor da Abrelpe e presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, na sigla em inglês). As ações relacionadas à gestão de RSU levam um tempo para serem implementadas e deve-se considerar a mudança de cultura geracional e o tipo de serviço ofertado no mercado. “Uma gestão inadequada de resíduos sólidos afeta os mais vulneráveis”, disse, lembrando que no Brasil cerca de 77 milhões de pessoas são afetadas e há um custo ambiental e de saúde da ordem de USD 1 bilhão/ano.
Para saber mais, o palestrante indicou o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022 (Abrelpe).
Modelagem e regionalização de serviços
Luciana Capanema, chefe de Departamento de Estruturação de Projetos de Saneamento do BNDES, reafirmou a preocupação com os municípios que não têm destinação adequada. Para isso, houve chamamento público em conjunto com a Caixa Econômica Federal (CEF) para seleção de propostas de estados, do Distrito Federal e dos arranjos regionais de municípios legalmente constituídos. Em maio, haverá a publicação dos selecionados. Capanema enfatizou que a CEF tem experiência em lidar com municípios e pode-se estabelecer um modelo a ser replicado.
Os representantes da CEF, Flávio Tagliassachi e Fabricio Lebeis, afirmaram que, especificamente na área manejo de resíduos sólidos, há 13 contratos ativos, 3 finalizados, 5 em andamento, 4 em processo de assinatura e mais 4 habilitados.
Na CEF, o Fundo de Financiamento de Projetos de Concessões (FEP) é o principal fundo financiador, assessorando os municípios e a profissionalização de consórcios municipais. Isto é um ponto de atenção, uma vez que eles irão gerir grandes recursos.
Franklin Willemyns, da Aegea, uma das maiores empresas de saneamento do segmento privado no país, presente em 49 cidades brasileiras, frisou que o aspecto regulatório é essencial, pois o marco legal trouxe obrigações para os operadores e que a iniciativa privada tem papel importante na implementação de soluções. Trouxe a pauta da importância do desenvolvimento de rotas tecnológicas para se atender as dificuldades regionais, como as distâncias no transporte de resíduos, a se depender do desenvolvimento de boa infraestrutura logística, organizada de forma a não onerar em demasia o operador e o usuário. Lembrou também a importância de se elaborar editais com flexibilidade na escolha das tecnologias em saneamento, já que elas avançam em um ritmo mais rápido que os prazos de concessão.
Segundo Willemyns, a regionalização traz ganhos de escala, por meio de uma visão integrada do saneamento, incluindo em um mesmo projeto soluções para a água, o esgoto, os RSU e a drenagem. Trata-se de uma garantia de receita, gerando um mercado competitivo e permitindo a modicidade tarifária.
Novas tecnologias
A representante da Terra Melhor/Ltda e Universidade Técnica de Braunschweig (Alemanha), Christiane Dias Pereira, entende que não existe tecnologia melhor ou pior, mas aquelas que são mais adequadas à realidade de consumo ou da capacidade e viabilidade econômico-financeira locais. “Quando você pensa em tecnologia, isso vai além de vontade do prefeito ou da comunidade. É importante que ela tenha a garantia de sua aplicabilidade em razão dos resíduos que são gerados, bem como aplicabilidade em razão da capacidade econômico-financeira”.
Segundo Pereira, a gestão sustentável de resíduos sólidos demanda competências multidisciplinares, sobretudo embasamento legal e segurança jurídica, o que garante a atratividade do setor e investimento do setor privado.
Para o chefe de projetos de Reciclagem da Veolia, Christophe Bonaldi, as tecnologias devem ser definidas de acordo com a necessidade de cada local como ferramenta para a valorização de resíduos, de acordo com os objetivos específicos para cada localidade e com as leis locais. “Não é um ponto de partida, mas um resultado de análise de um contexto, a partir de metas e objetivos que devem ser atingidos”. As metas a se atender com o uso de novas tecnologias em RSU devem ser definidas no Brasil, propiciando o controle das emissões de carbono, a modicidade tarifária e a inclusão social, principalmente por meio das oportunidades de trabalho. Além disso, o palestrante trouxe como exemplo a tecnologia de captação de biogás proveniente dos resíduos nos aterros, transformando o gás em um produto que pode ser comercializado no mercado, a empresa tem investido na produção do biometano (a partir do biogás).
Ao abordar a questão da taxa de serviços, o superintendente de Desenvolvimento de Novos Negócios e M&A da Solví, Kaito Bueno, disse que o repasse é uma preocupação: “A cobrança de uma contribuição é um caminho, mas existe muito a ser feito antes. No fim do dia, quem vai pagar a conta é o cidadão. Com a tecnologia podemos atingir as metas mínimas, mas temos preocupação com a questão dos custos”. Bueno levantou a necessidade de novas tecnologias em recuperação da parte orgânica dos lodos provenientes de estações de tratamento, que hoje são lançados em aterros para compostagem. Além disso, lembrou da necessidade na melhoria nas plantas de triagem mecanizada que hoje entregam 12%, mas tem a meta de 20% a ser atendida. E reiterou o uso das tecnologias de captura de biogás nos aterros.
A gerente de logística reversa Lucilene Pimentel, e o diretor de logística reversa Eduardo Azzari, ambos do Grupo Solví, levantaram a importância da reciclagem de resíduos eletroeletrônicos, principalmente pela redução de impacto ambiental causado pela destinação inadequada destes materiais e pela expressiva fonte de receitas com a extração de materiais valiosos que essa reciclagem representa, como prata, ouro e cobre. O Brasil gera 2 milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos, a recuperação gira em torno de 3 ou 4%. Se forem atingidas as metas de 17% de coleta e destinação adequada dos eletroeletrônicos, a estimativa da Solvi é de 1,5 bilhão por ano em valor de venda de recicláveis. Os resíduos eletrônicos do Brasil já têm sido vendidos para países da Europa e da Ásia. Assim, é preciso que esta tecnologia de recuperação de eletroeletrônicos tenha escala, por meio de incentivos e boa fiscalização, para que seja largamente utilizada no Brasil.
A especialista em Meio Ambiente da Fiesp, Natacha Britschka, também participou do painel e lembrou a importância da Economia Circular, ao enfatizar seu caráter qualificado, e ao conceituar a prática de recuperar, reter e agregar valor aos produtos como ferramenta de desenvolvimento sustentável.
E o diretor-executivo do Instituto Rever, Fernando Rodrigues, explicou o objetivo da entidade, que é uma gestora sem fins lucrativos, com atuação no âmbito nacional, que visa o desenvolvimento sustentável para otimizar e ampliar as iniciativas de responsabilidade social corporativa e inclui, mas não se limita, à gestão de resíduos sólidos e Logística Reversa.
Os desafios impostos pelo novo Marco Legal do Saneamento, em relação aos Resíduos Sólidos, estão longe de serem esgotados, mas a busca de soluções e o debate entre os mais diversos atores é um bom caminho a ser percorrido.
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