Água, sem ela não dá
Por Revista Tae Edição Nº 1 - maio/junho de 2011 - Ano 1 -
A situação é crítica e remete a um senso de urgência no cuidado com o precioso líquido, mas nem tudo está perdido
A água sempre vai existir, afinal o planeta é azul por causa dela. Quando se diz que vai acabar, a referência é a água doce, essa sim cada vez mais rara na natureza. A cultura do desperdício, a degradação dos mananciais e a extinção das áreas verdes que protegem as nascentes transformam esse risco em ameaça próxima. Não faltam tecnologias eficientes para tratar a água que bebemos, como a osmose reversa, capaz de eliminar até o arsênico da água, e a dessalinização do mar, mas custo ainda é praticamente proibitivo quando o objetivo é abastecer milhares de pessoas.
A boa notícia é que nós, os mortais comuns, podemos fazer algo além de assistir o apocalipse de braços cruzados.
A população do planeta triplicou nos últimos 100 anos e a demanda por água limpa se multiplicou por seis. Nosso País ostenta uma abundância, mas não deve esquecer que 75% da água dos seus 12 mil rios e córregos estão na região norte, na bacia do Amazonas, região onde vivem apenas 6% da população.
No restante do Brasil, é pouca água e muita gente. São Paulo tem mais de 20% da população brasileira e menos de 2% da água do País. Em nenhum outro lugar a falta de água é uma ameaça tão real: "Estamos na maior concentração populacional do Brasil. A cidade tem 20 milhões de pessoas em uma área muito pequena, de menos de 8 mil quilômetros quadrados. A cada quatro anos são um milhão de pessoas que temos que abastecer com água potável, e nossos mananciais são finitos, não há como ampliar dentro da bacia do alto Tietê", diz Paulo Massaki, diretor metropolitano da Sabesp. Essa conta não fecha há mais de 30 anos, período em que a cidade importa água de outras cidades para poder suprir a região metropolitana.
A poluição é o primeiro agravante no ranking dos problemas urgentes a serem resolvidos, aparecendo disparado na frente da falta de saneamento que vem logo atrás. O número estimado pelas companhias de tratamento de água e de esgoto é de que só 32% dos efluentes sanitários de quase 200 milhões de brasileiros recebem algum tipo de tratamento. Não surpreende que a maior parte das internações no SUS seja motivadas por doenças de veiculação hídrica - diarreias, hepatite, febre tifóide, entre outras.
Outro sério problema é o desperdício, um hábito disseminado no Brasil que começa na agricultura, área que consome 56% da água doce do País com o uso de técnicas rudimentares de irrigação que demandam muito energia e gastam muita água, como a inundação na cultura do arroz, por exemplo, e aspersões. Outras práticas como lavagem de carro e de calçada com mangueira, vaso sanitário com sistema antigo de descarga, vazamentos e infiltrações domésticas, que parecem menos importantes, têm efeito danoso multiplicado no cenário do desperdício.
Não menos importante, a depredação das matas ciliares (que ficam nas marginais dos rios), fundamentais para a saúde e vitalidade às bacias hidrográficas. Elas mantêm a configuração dos rios, evitam a erosão e o assoreamento e as enchentes. De acordo com Almanaque Brasil Socioambiental 2009, editado pelo Instituto Socioambiental, restam apenas 6% da Mata Atlântica, bioma que protege as nascentes das águas de 100 milhões de brasileiros. No último fórum mundial da água realizado em Istambul, na Turquia, a previsão da ONU foi a de que no ano de 2030 o acesso à água potável será extremamente difícil para 5 bilhões de pessoas, se não forem tomadas providências quanto aos três itens comentados acima - poluição, desperdício e proteção das áreas verdes.
Surgem os "caçadores de água"
Em visita recente ao Brasil para divulgar seu livro Água, pacto azul, em que aborda a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo, a autora canadense e fundadora do Blue Planet Project, Maude Barlow, alertou os brasileiros sobre a importância de não superestimar a água doce do País, já que esta corresponde a 13,7% da reserva mundial, mas não é infinita e está sendo mal gerenciada. Segundo ela, grandes companhias já estão "à caça" de água em nações sem legislação rigorosa para defender o recurso, como é o caso do Brasil. "A escassez de água é encarada pela indústria apenas, e cada vez mais, como uma grande oportunidade econômica", disse a especialista. Ela fala com conhecimento de causa, pois vê semelhança entre seu país e o Brasil. Ambos têm grandes reservas de água doce e, por isso, tendem ao desperdício.
A maior crítica de Maude à gestão brasileira de recursos hídricos é o seu modelo de exportação, que, por exemplo, usa muita água para produzir cana-de-açúcar e mais água para fazê-la crescer e produzir etanol a ser exportado. Ela também não poupa a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, que fazem a mesma coisa. Só para produzir e fazer chegar soja na China, esses países gastam cerca de 2/3 do consumo doméstico mundial de água de um ano inteiro. Maude alertou ainda que o Brasil precisa estar atento "aos caçadores de água", grandes companhia que olham para o país como fonte de lucro e que são tratadas amigavelmente por aqui, ao contrário do que acontece em boa parte do mundo. Advertiu que países com pouca água como a Arábia Saudita e o Japão também estão de olho em quem tem muita água, comprando terras. "O Brasil precisa se programar em três pólos, ter legislação para manter a água pública e proteger o solo, criar o direito à água universal e produzir comida com uso sustentável de água. É hora de proteger a água, não de ser amigável", destacou.
Ações que fazem diferença na natureza e no bolso
Iniciativas para a redução drástica do consumo de água são possíveis e, para o alívio geral, vêm crescendo. Proliferam serviços de instalação de hidrômetros individuais e de captação de águas pluviais para reúso em condomínios, lavagem a seco. Projetos bem sucedidos como o PURA – Programa de Uso Racional da Água, da Sabesp, desenvolvido com a USP, que gera uma economia de 40% no consumo de água na universidade e promove a adoção de novos hábitos de consumo, nos dão ferramentas para pensarmos no futuro com otimismo.
Depois de 47 dias seguidos de chuva torrencial e temporais, São Paulo enfrentou dificuldades para se recuperar totalmente dos estragos. Há muito não chovia tanto. Só em janeiro foram quase 500 litros de água por metro quadrado; em fevereiro foram mais 300 litros, e os rios transbordaram. Mas chuva também é solução na maior cidade do País, onde o número de empresas e residências que aproveitam a água da chuva vem crescendo.
Tomamos o exemplo de um condomínio na zona Oeste da cidade que só usa água da chuva em seus serviços limpeza e jardinagem. O sistema de captação de águas pluviais instalado custou R$ 25 mil, que dividido entre os 186 apartamentos acresceu R$ 135,00 no valor do condomínio, pouco para a economia anual de R$ 8 mil na conta da Sabesp.
Captação de águas pluviais
No caso em questão, a construtora previu uma futura instalação para uso de água de chuva quando o prédio foi projetado. A água do telhado vem por condutores verticais embutidos na estrutura do prédio (que podem passar por fora em edifícios não projetados) e vai para uma cisterna com capacidade para 18 mil litros de água, que está sempre cheia. Quando alguém abre uma torneira no jardim, é acionada a bomba que leva água do reservatório para dois filtros e depois volta para consumo na torneira. A água é filtrada e desinfetada, mas não serve para consumo humano. Quando o reservatório transborda, o excedente limpo vai direto para a rede pública de água. Segundo a empresa instaladora e que faz a manutenção periódica do sistema, a cisterna enche em duas horas de chuva torrencial, e seus 18 mil litros atendem ao consumo normal de uma semana.
No condomínio empresarial onde funcionam escritórios de oito empresas multinacionais, com 20 mil metros quadrados de ruas e estacionamentos e quase 40 mil metros quadrados de áreas verdes, o uso de água de chuva também é considerado um excelente negócio.
O projeto existe há três anos no local onde havia uma balança para pesagem de caminhões, que foi transformado em uma cisterna com capacidade para 40 mil litros. O consumo de água baixou 20% e o próximo desafio é a adoção de descargas ecológicas nos banheiros.
Com uma estrutura baseada em piscinões construída há 12 anos, a empresa de ônibus Urubupungá faz festa quando chove, diz Itamar Lopes Santos, gerente de Manutenção. Lá existe uma área de captação de água de 7 mil metros quadrados que é armazenada em três piscinões com capacidade total de captação para 450 metros cúbicos de água, o suficiente para dois dias de trabalho - lavagem da frota de ônibus de 750 veículos. As estações automatizadas de tratamento da água (ETA), para reúso também fazem parte do investimento, que não é baixo. No caso da ETA bateu na casa dos R$ 190 mil reais. O retorno, entretanto, foi rápido para uma empresa cujo gasto com o pagamento da água da rede pública passaria facilmente de R$ 100 mil por mês. Mil litros de água da rede pública, o suficiente para lavar dois carros e meio, custam R$ 20. Com a água da chuva e água de reuso pelo mesmo preço, a Urubupungá lava 32 carros e meio.
Medição individual de água em condomínios
Como no caso da captação de água de chuva, o custo de um sistema de medição individual em edificações pode variar muito em edificações não preparadas previamente, mas o retorno do investimento vem em média em até um ano, mesmo com os reajustes da tarifa da Sabesp. A economia de consumo é certa e atestada pelo crescimento no número de instalações individuais. Uma empresa instaladora de São Paulo que começou no negócio há oito anos, já atende 250 condomínios e tem 30 mil hidrômetros instalados. Está investindo em tecnologia de leitura de hidrômetros por radiofrequência, que por meio de uma antena capta o registro do consumo de água à distância, sem que o técnico precise entrar no imóvel.
Limpeza sem água
Antes conhecida para limpar roupas, a lavagem a seco pode ser aplicada ao seu carro. Nesse caso, é feita com produto à base de cera de carnaúba dissolvido em uma quantidade mínima de água, que é borrifado e espalhado com panos de algodão na lataria e no painel do carro. Para limpeza dos detalhes são usados pincéis. Os resíduos e os panos usados são levados para aterros sanitários certificados ecologicamente. "Não é a água que limpa. Se for lavar o cabelo e só jogar água, ele não ficará limpo". diz o empresário Lito Rodrigues, da Drywash. Cerca de 350 mil carros por mês são lavados a seco no Brasil. Depois de testado em carros, o processo está sendo levado para fachadas de prédios, mas pode ser usado em qualquer superfície lisa.
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