A economia circular da água como fonte de redução e reúso de água industrial na Região Metropolitana de São Paulo
Por Prof. Me. João Carlos Mucciacito Edição Nº 72 - Abril/Maio de 2023 - Ano 12 -
A economia circular e os princípios que a norteiam não é uma novidade para empresas da região do ABC paulista e nem tampouco para os órgãos ambientais
A economia circular e os princípios que a norteiam não é uma novidade para empresas da região do ABC paulista e nem tampouco para os órgãos ambientais.
Em todas as regiões do País surgem iniciativas de empresas que veem esses princípios como fatores orientadores da inovação, com potencial comprovado de criação de valor, mas estamos longe de atingir um uso ideal pelos quesitos sustentáveis dos chamados 5Rs: Reduzir, Repensar, Reaproveitar e Reciclar
No desenvolvimento do tema de aproveitamento da água, que busca o máximo de aproveitamento com o mínimo de desperdício, a transição de uma economia de uso linear do recurso para uma economia de uso circular vem se revelando como solução.
A forma como a sociedade se relaciona com o meio tem evoluído no sentido de uma economia circular, ou seja, um circuito fechado no qual a matéria-prima é reutilizada e reciclada (Orr, 2014). É uma transição do tradicional “retirar-transformar-consumir-descartar” de recursos, considerados finitos e eventualmente como lixo, para o aproveitamento dos mesmos no seu grau máximo, conferindo a eles a característica própria de renováveis (IWA, 2016), mantendo-os no processo produtivo o maior tempo possível e com geração mínima de resíduos, afim de desenvolver uma economia sustentável, competitiva de baixo carbono e eficiente em recursos.
Adicionalmente, é preciso prevenir as contaminações e criar sistema cíclicos fechados mais do que focar em processos de purificação (Stuchtey, M, 2015).
A economia circular é restauradora, regenerativa e visa manter produtos, componentes e materiais com a maior utilidade e valor em todos os momentos. Isso é possível através da extração de componentes – materiais valiosos, nutrientes e energia - de águas residuais antes que seja encaminhada para outro uso ou retornado com segurança ao curso natural da água. (Jeffries, N., 2017).
Este conceito surgiu da conscientização da sociedade como um todo e das empresas, da limitação do recurso e da necessidade em mudar o tradicional método de utilização da água frente ao desafio do esgotamento (CEBDS - 2018).
A economia circular melhora a competitividade da empresa uma vez que promove ganhos de eficiência e economia do recurso frente a situações de escassez e em momentos de instabilidade econômico-financeira em que o recurso apresente oscilações de preço, ajudando a criar oportunidades de negócios e maneiras inovadoras e eficientes de produzir. Ao mesmo tempo, promove economia de energia e ajuda a prevenir os danos resultantes da utilização de recursos a uma taxa que exceda a capacidade do planeta em renoválos (EUR-Lex, 2015).
Os benefícios da economia circular de água também se estendem para controlar custos crescentes relacionados a purificação da água que será utilizada nos processos, devido aos altos níveis de substâncias nocivas presentes na água captadas de rios ou lençóis freáticos (Saltiel,G., 2016). Apesar de os tratamentos dessa abordagem não serem baratos, o custo do tratamento de uma água captada diretamente de uma superfície hídrica é extremamente alto para as empresas (CEBDS 2018).
A abordagem de economia circular traz à tona reflexões que identifiquem soluções em âmbitos nos quais persiste o desafio global de disponibilidade de recursos, estrutura uma evolução na relação entre a sociedade e água. Essa relação se apresenta mais resiliente, regenerativa e eficaz no longo prazo, considerando a utilização do recurso sem exauri-lo, através da implementação de processos produtivos e eficientes que sustentem ciclos de água permanentes (Jeffries, N., 2017).
Em linha com esse modelo, bens duráveis (produtos com longa vida ou infinita) precisam ser reutilizados e nunca descartados ou desvalorizados (divididos em partes ou reutilizados em produtos de menor valor), bens consumíveis (produtos com média vida) devem ser utilizados o máximo possível antes de serem descartados corretamente e recursos naturais só devem ser utilizados enquanto puderem ser regenerados (Stuchtey, M, 2015).
Apesar da grande quantidade de água no planeta, boa parte dela não se encontra em uma forma que possa atender às necessidades da humanidade. Em sua maioria, a água se encontra nos oceanos, sendo apenas 2,5% do total como água doce e o percentual disponível para consumo humano correspondendo a aproximadamente 0,007% do total. Por mais de 3,8 bilhões de anos, o estoque de água se manteve constante e fluindo continuamente através dos diversos estágios e processos do ciclo hidrológico (Jeffries, N., 2017). A água tem hoje funções primordiais, sendo um pré-requisito para o uso humano e também para o uso como commodity ou recurso econômico para bens de serviços, indústrias etc. (Postel, S., 2000). Entretanto, nos últimos 100 anos as atividades humanas passaram a interferir nesse fluxo de forma a colocar em risco a disponibilidade desse recurso (Jeffries, N., 2017).
Em muitas áreas a extração exacerbada de água na agricultura, na indústria ou nas cidades, coloca em risco a saúde de ecossistemas aquáticos e a vida que esses ecossistemas suportam (Postel, S., 2000). Encontrar formas de suprir a necessidade humana e ao mesmo tempo proteger os sistemas de água doce tem sido um grande desafio (CEBDS 2018).
O desenvolvimento tecnológico alcançado pela humanidade trouxe consigo uma expansão no âmbito socioeconômico, resultando em aumento populacional nas cidades e maior consumo de recursos naturais, dentre eles a água.
A demanda por água está prevista para aumentar significativamente nas próximas décadas por conta do aumento na produção industrial e agrícola, serviços e produção de energia, da acelerada urbanização e da expansão do fornecimento municipal de água (UNESCO, 2017). Adicionalmente a população mundial deve crescer até 2050, colocando mais pressão sobre a disponibilidade desse recurso.
O diagrama abaixo ilustra como os diversos fatores de influência se relacionam e causam alterações entre si e na disponibilidade hídrica para o uso corporativo. Setas unidirecionais apontam influências de direção única, setas bidirecionais apontam uma relação interativa de causalidade. Sinais positivos representam o impacto favorável entre um fator e a disponibilidade hídrica, sinais negativos representam impactos negativos entre fator e disponibilidade hídrica.
O mapeamento dos impactos positivos e negativos nas organizações destes fatores de influências é a base conceitual para criar uma modelagem que resulte ser favorável para gerar informações úteis à mitigação de riscos e, também, o aproveitamento de oportunidades relacionadas para os negócios.
A gestão de riscos relacionados ao insumo água é bastante funcional, quando feita sob a abordagem da economia circular, que pode ser expressa nos termos dos 5Rs – reduzir, reutilizar, reciclar, restaurar e recuperar. Ao adotar a abordagem 5R na gestão de riscos, as organizações buscam reduzir, reutilizar e reciclar água, ao mesmo tempo em que podem buscar a recuperação de recursos e a restauração e reabastecimento dos ecossistemas provedores. Deste modo, podem criar relações ganha-ganha para suas operações, partes interessadas relacionadas e ecossistemas em que operam e dependem gestão de riscos relacionados à água e que considere a abordagem 5R.
O Consumo em excesso, poluição e disputas públicas, no qual o uso da água pelas organizações passa a competir com as necessidades deste recurso por parte das comunidades locais, podendo ameaçar a licença para operar destas companhias. Também, o potencial fechamento de operações devido a situações irreversíveis de escassez hídrica, tende a causar impactos sociais severos à região de ocorrência.
Diante do contexto apresentado e de acordo com a abordagem sistêmica proposta, as organizações devem identificar os riscos e as oportunidades específicas das suas atividades para que possam desenvolver uma visão gerencial de riscos dos fatores que exercem ou poderão exercer influência sobre a disponibilidade hídrica para seus negócios.
Identificados os impactos positivos e negativos dos fatores de influência, as organizações estarão aptas a elaborar soluções estratégicas de gestão dos riscos e oportunidades em relação à disponibilidade hídrica para seus negócios a partir da abordagem da gestão circular de água.
Decorrentes dos efeitos das mudanças climáticas, as alterações na dinâmica do ciclo da água têm resultados impactantes sobre o ciclo hidrológico e a distribuição temporal e espacial das chuvas (Abiquim,2016).
O resultado é o aumento na ocorrência e na severidade de inundações e secas, os quais acabam por trazer graves consequências socioeconômicos e ambientais (UNESCO, 2017).
A disponibilidade de água vem se tornando incerta em muitos lugares e o aumento de incidentes em operações produtivas por conta de enchentes e inundações é um risco significativo, além de contaminar fontes de água, prejudicando a disponibilidade deste recurso.
O risco inerente às severas secas e inundações em algumas regiões pode ser percebido não só na produtividade de empresas e indústrias, mas também na saúde das pessoas (trabalhadores e comunidade do entorno), com possíveis perdas de produção, aumento dos custos com impactos na competitividade e até mesmo a possibilidade de interrupção de atividades (Abiquim, 2016).
Há organizações que já anteciparam ao máximo a estes impactos negativos. Baseadas em modelagens de impactos das mudanças climáticas e em previsões de escassez e demanda hídrica, é possível estimar, para cenários de médio e longo prazo, situações críticas de disponibilidade hídrica para, a partir disso, elaborar medidas preventivas de seus efeitos.
Durante a crise hídrica em 2014, as perdas de distribuição da Sabesp eram da ordem de 33%. Ao aumentar a tarifa da água para bandeira vermelha, automaticamente as pessoas passaram a utilizar menos água. Com a demanda menor, passou- se a bombear menor quantidade de água, o que resultou em menor pressão e diminuição das perdas de água para 27%, em menos de 30 dias. Com uma regulação ambiental mais rigorosa, seria possível otimizar o uso da água, além de dar um maior foco na eficiência dos recursos otimizando os cenários para uma economia circular (CEBDS - 2018).
No entanto, a longo prazo, as regulamentações ambientais e não ambientais terão que desenvolver ainda mais para permitir uma gestão circular completa, por exemplo, na regulamentação de recursos específicos como materiais, em vez de resíduos.
Estudo de caso de sucesso de reúso de água indústria
Um estudo de caso interessante a ser comentado na Região do ABC Paulista, se faz com a exigência técnica do órgão ambiental paulista – CETESB e as empresas do Polo Petroquímico de Capuava, localizados nas cidades vizinhas de Santo André e Mauá, no estado de S. Paulo, com projetos de reúso positivo, por questões operacionais, mas principalmente por redução de custos. A qualidade da água está melhor, a eficiência térmica na troca está melhor e assim se reduz o custo variável de energia das plantas industriais. O Projeto Aquapolo, é uma parceria da SABESP. É o maior empreendimento para a produção de água de reúso industrial na América do Sul e quinto maior do planeta. Está apto a produzir 1.000 litros/segundo de água de reúso. A cada litro de água produzida em suas instalações, outro litro de água potável é economizado e disponibilizado para o consumo humano.
As empresas consumem 65% de toda água produzida no Aquapolo garantindo que o projeto se mantivesse de forma eficiente. O consumo no Aquapolo, porém, nunca ultrapassou o percentual de consumo de 75% da sua capacidade total, o que demonstra o quanto o setor industrial ainda não considera o risco da água. Caso estivesse sendo utilizado em sua totalidade, já poderia haver a demanda de instalação de outras unidades em São Paulo.
Num primeiro momento, a empresa não tinha a clareza de que ele era, além de um projeto de melhoria de eficiência hídrica, também um ótimo projeto que ofertaria água de boa qualidade. Para exemplificar, uma planta que utilizava água em sua torre de resfriamento, operava com a mesma água durante 4 ciclos. Com a água proveniente do Aquapolo passou a operar com 8 ciclos. A qualidade da água permitiu que fossem realizados mais ciclos internos e assim melhorar a eficiência dentro da própria planta. A utilização de água de reúso proveniente do Aquapolo permitiu que, durante a crise hídrica de 2014 na Região Sudeste, a empresa operasse normalmente e até alcançasse recordes de produção (de 2014 para 2015), enquanto outras empresas atuando na mesma região tiveram que diminuir sua carga de operação. Com uma variedade maior de opções para o uso da água em diferentes qualidades, as plantas de tratamento de água conseguem processar as mesmas moléculas de água, porém com maior eficiência. O reúso, portanto, torna-se uma ferramenta essencial para garantir a segurança hídrica, porém há ainda grandes obstáculos para esse mercado, sendo um dos principais a ausência de regulamentação federal que compromete a agenda de investimentos.
Prof. Me. João Carlos Mucciacito |