Marco legal do Saneamento Básico prevê que brasileiros terão acesso à água tratada e à rede de esgoto
AViV Comunicação -
No entanto, mantidos os níveis atuais de investimento em saneamento básico, o país não vai alcançar tão cedo a universalização
O marco legal do Saneamento Básico prevê que 99% dos brasileiros terão acesso à água tratada e 90% à rede de esgoto em dez anos. No entanto, mantidos os níveis atuais de investimento em saneamento básico, o país não vai alcançar tão cedo a universalização - a não ser que considere parcerias com outros entes da sociedade e invista em sistemas não-tradicionais de saneamento.
"O modelo de saneamento atual não foi pensado para ser universalizado, especialmente nessas regiões em que as pessoas não têm condições de pagar os custos desse sistema", afirmou Adauto Santos, consultor em saneamento e Diretor da Emasi Engenharia, Meio Ambiente e Sistemas de Inovação e um dos participantes do do 12o BIS - Bate-papo Inclusivo e Sustentável, webinar promovido pela Associação Solucões Inclusivas Sustentáveis (SIS). Por isso defendeu a necessidade de uma tarifa social e apontou que 66% da população não atendida por água e esgoto está concentrada no Norte e Nordeste do país.
Segundo ele, além de não ter sido desenhado para universalizar o sistema, muitas informações disponíveis sobre o acesso da população à água e ao esgoto tratado não refletem a realidade, especialmente nas áreas rurais, pois consideram apenas o atendimento pela rede pública, a partir do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e não de dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), que considera também os sistemas alternativos de fornecimento de água e esgoto.
O webinar Sistemas alternativos em abastecimento e esgotamento sanitário: necessidade e oportunidade de investimento sustentável teve como objetivo apontar tecnologias que ofereçam benefícios socioambientais e climáticos para o setor. Para Samuel Weimar Cavalcante, coordenador de Planejamento e Monitoramento do Departamento de Cooperação Técnica da Secretaria Nacional de Saneamento e Ambiental (SNSA), do Ministério das Cidades, este último item - clima - não é devidamente contemplado pelas políticas públicas para o setor, que não consideram questões como as diferenças climáticas, por exemplo.
"O saneamento básico em regiões periféricas é um desafio, especialmente por não considerar diferenças socioeconômicas e regionais. Sabemos que não existem recursos financeiros suficientes, mas para a diversidade de situações, precisamos de diversidade de soluções e de indicadores", explicou.
O último censo do IBGE apontou que, mesmo com a expansão das redes e sistemas coletivos de saneamento, a proporção de pessoas que continuam usando outros sistemas de saneamento se manteve estável, em razão dos custos envolvidos. "Boa parte usa o poço ou nascentes. Por isso, é importante não apenas prover os recursos de engenharia e levar o sistema até o domicílio, mas estimular o uso."
A coordenadora geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), Renata Rocha Furigo, observou que o sistema de saneamento no Brasil é cruel, especialmente com as mulheres e, entre elas, mais ainda com as mulheres negras. Destacou a necessidade de considerar essa distorção nas reflexões e proposições para o setor.
"Nesse sentido, acredito que nossa trilha para garantir saneamento público universal é seguir o marco normativo dos direitos humanos. A água é um direito e o Estado não pode restringir esse direito". Por isso, ela defende que sejam promovidas ações de educação para permitir acesso seguro à água e ao esgoto. "Não podemos deixar as pessoas sem água por qualquer motivo nem atrelar o seu acesso à posse do terreno. O serviço de coleta de esgoto não pode ter relação com a propriedade da terra, pois são aspectos distintos". Ela ainda citou exemplos de cidades que desenvolveram modelos de tecnologia social para universalizar o sistema de saneamento, como o Rio de Janeiro, em suas comunidades, e o caso da universalização do saneamento em assentamentos precários urbanos adotado pela Prefeitura de Medellín, na Colômbia.
O secretário da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES DF) e membro da equipe técnica de Taxonomia da SIS, Gilberto Nascimento, começou sua fala explicando que atuou em várias comunidades pelo Brasil em programas de saneamento básico, acompanhando inclusive obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Ele salientou que há no mínimo 11 milhões de pessoas que vivem sem água e 55 milhões que vivem sem acesso à rede de esgoto no Brasil (dados do PLANSAB). "Precisamos desenvolver as tecnologias desses sistemas alternativos que são inclusive mais resilientes às mudanças climáticas do que os sistemas convencionais", explicou.
Gilberto, que pesquisou o tema em seu Doutorado há mais de 20 anos, salientou que ele permanece atual e citou alguns sistemas muito usados, com sucesso, em comunidades, que oferecem custo menor e são as únicas soluções viáveis para regiões isoladas e áreas com determinadas características topográficas, comuns em favelas, por exemplo. Para fornecimento de água, ele mencionou as estações compactas de água, cisternas para captação de água pluvial e poço tubular com bomba (inclusive com uso de painéis fotovoltaicos como fonte de energia para a bomba). Já para esgoto, ele mencionou a rede coletora condominial, estação compacta de tratamento (inclusive com reutilização da água tratada para irrigação), a tradicional fossa séptica com sumidouro, a fossa verde ou biodigestora e o campo de infiltração horizontal.
Mesmo estando na mira da iniciativa privada, esses sistemas alternativos são pouco contemplados ainda nas classificações de risco de entidades internacionais, a exemplo do GRI, mas há tendência de inclusão gradual. "Boa parte deles já está consolidada por Normas e Referências Técnicas da ABNT, Funasa e Embrapa, entre outras entidades", disse.
Já Denise Seabra, diretora da Altam Adviser e consultora em saneamento e finanças sustentáveis, finalizou as apresentações explicando que o mercado de capitais pode contribuir para o desenvolvimento do setor de saneamento como uma fonte de recursos. "O segmento está mais maduro para usar mais recursos de outras fontes além dos provenientes do setor público, pois tem uma perspectiva de risco reduzida, o que acaba sendo bem interessante para o investidor."
Para a universalização desse sistema, de acordo com ela, será necessário um volume de investimento significativo para replicar iniciativas de sucesso como a Sanepar, a Companhia de Saneamento do Paraná, que, entre outras iniciativas que beneficiam 347 municípios usa, desde 2018, o lodo do esgoto tratado como adubo nas produções agrícolas - iniciativa que foi recomendada pela Organização das Nações Unidas com prática a ser replicada. A companhia também transforma o biogás gerado no tratamento do esgoto sanitário em energia elétrica e calor. Um próximo passo será produzir um biofertilizante. Ela também citou o exemplo do contrato de concessão recente da Aegea, no Rio de Janeiro, que inclui tratamento de esgoto para as comunidades (favelas), o que somente será viabilizado com sistemas alternativos.
A gravação do seminário, que foi moderado por Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS, pode ser acessada aqui. De acordo com ela, é fundamental incluir tais sistemas alternativos numa Taxonomia Sustentável brasileira, seja por seu potencial para adaptação às mudanças climáticas, seja também por serem muitas vezes o único caminho para a universalização do serviço, essencial como questão de saúde pública, de dignidade humana e de prevenção à poluição hídrica no Brasil.
Ela ressaltou que é espantoso que padrões globalmente consagrados para gestão de riscos e oportunidades climáticas (como a TCFD) não tenham incluído o setor de Água e Esgoto entre os mais expostos a riscos nem trazido recomendações específicas. Lembrou que o estudo recentemente publicado pela SIS, que fez um levantamento da divulgação de informações ASG por grandes empresas listadas na B3, apurou que as gigantes do setor não reportam qualquer informação a respeito.
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